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Da aparente (ou real) antinomia da Lei Orgânica do Ministério Público paulista

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 84-87)

3. DA ORIGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO

3.5 Revisão dos conceitos de unidade institucional e independência funcional

3.5.5 Da aparente (ou real) antinomia da Lei Orgânica do Ministério Público paulista

À primeira vista parece que estamos, no caso do Estado de São Paulo, diante de uma contradição normativa da Lei Orgânica do Ministério Público Paulista, a configurar uma antinomia real.

Dispõem os artigos 19, 36, 42, 46 e 169 da mesma Lei que:

“Artigo 19 - Compete ao Procurador-Geral de Justiça praticar, em nome do Ministério Público, todos os atos próprios de gestão, editando os atos decorrentes de sua autonomia funcional, administrativa e financeira, e especialmente:

I - quanto à representação interna: (...)

d) expedir recomendações, sem caráter normativo, aos órgãos do Ministério Público para o desempenho de suas funções;

Artigo 36 - São atribuições do Conselho Superior do Ministério Público: (...)

XI - sugerir ao Procurador-Geral de Justiça a edição de recomendações, sem caráter vinculativo, aos órgãos do Ministério Público para o desempenho de suas funções e a adoção de medidas convenientes ao aprimoramento dos serviços;

Artigo 42 - São atribuições do Corregedor-Geral do Ministério Público: (...)

IV - acompanhar o cumprimento das metas estabelecidas pelas Promotorias de Justiça em seus programas de atuação;

(...)

IX - fazer recomendações, sem caráter vinculativo, a órgão de execução; Artigo 46 - As Promotorias de Justiça são Órgãos de Administração do Ministério Público com um ou mais cargos de Promotor de Justiça e serviços auxiliares necessários ao desempenho das funções que lhe forem cometidas na forma desta lei complementar.

Parágrafo único - As Promotorias de Justiça serão integradas por Promotores de Justiça encarregados de exercer as funções institucionais de Ministério Público e tomar as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias à consecução dos objetivos e diretrizes definidos nos Planos Gerais de Atuação do Ministério Público e nos respectivos Programas de Atuação.

(...)

Artigo 169 - São deveres funcionais dos membros do Ministério Público, além de outros previstos na Constituição e na lei:

(...)

II - zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções;

(...)

XIX - acatar, no plano administrativo, as decisões e atos normativos dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público;”

No inciso XIX encontramos, embora não descrita nos textos de Macedo Junior e Goulart, outra razão para que o intérprete possa eventualmente considerar, além da revisão do conceito de unidade pelo segundo autor proposta, haver vinculação funcional dos membros do Ministério Público aos Planos de Atuação Institucional.

Entretanto, se nenhum órgão da administração superior pode editar recomendação (até mesmo o Corregedor-Geral que é incumbido de controle administrativo e funcional dos atos praticados pelos membros do Ministério Público) com caráter vinculativo, por qual razão poderia o Plano de Atuação possuir tal caráter?

Uma das possíveis respostas se basearia na participação democrática de todos os membros da instituição (já que o Plano de Atuação é estabelecido pelo Procurador-Geral de Justiça, com a participação dos Centros de Apoio Operacional, das Procuradorias e Promotorias de Justiça, ouvidos o Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça e o Conselho Superior do Ministério Público – art. 98 da LOEMP-SP), que não poderiam contra suas idéias e proposições posteriormente se voltar.

Como aponta Macedo Junior há ainda o disposto nos artigos 42, IV, e 46 da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo, já transcritos.

Formularemos então, outra pergunta:

E o dever de zelar o membro do Ministério Público por suas prerrogativas (aqui incluída a prerrogativa constitucional da independência funcional)?

Para superarmos os problemas nos utilizaremos dos fundamentos da Teoria Geral do Direito.

A contradição normativa da Lei Orgânica do Ministério Público Paulista poderia consistir naquilo que Maria Helena Diniz e Tércio Sampaio Ferraz Junior denominam de antinomia real:

Em síntese, Diniz explica que:

“Antinomia é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular.

(...)

Para que haja real incompatibilidade entre duas normas será preciso que:

a) Ambas as normas sejam jurídicas: Para que exista antinomia é necessário

que as normas conflitantes sejam jurídicas. (...)

b) Ambas sejam vigentes e pertencentes a um mesmo ordenamento jurídico.

c) Ambas devem emanar de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito.

d) Ambas devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga) e os seus conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação interna um do outro,

isto é, uma prescreve o ato e a outra, a omissão. (...)

e) O sujeito, a quem se dirigem as normas conflitantes, deve ficar numa posição insustentável.”115 (grifos da autora)

Cotejadas as normas apresentadas pela Lei Orgânica do Ministério Público e os ensinamentos de Maria Helena Diniz, temos para nós que não se trata de caso de antinomia real, mas sim aparente116.

Pode parecer que todos os requisitos, para que a ocorrência de uma antinomia real se verifique, estejam presentes, mas isso não nos parece verdadeiro.

Os dispositivos são jurídicos, vigentes, e provenientes de uma mesma norma. Todos os dispositivos emanaram de autoridade competente para sua edição, sendo de um lado permissivos, e de outro obrigatórios, não se encontrando aparente saída nos demais dispositivos vigentes da lei.

Entretanto, a solução é encontrada pela própria norma jurídica, que determina que se acatem, no plano administrativo, as decisões e atos normativos dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público.

Considerando que os Planos e Programas de Atuação se referem não à seara administrativa, mas sim à funcional, o critério para solução da aparente antinomia é, pois, o da especialidade, encontrado na própria Lei Orgânica do Ministério Público Paulista.

Sendo assim, a norma que trata dos deveres dos membros do Ministério Público não se refere abstratamente a planos ou programas institucionais porque ligados à atividade-fim ou funcional, afastando-se a obrigação de vinculação institucional.

É o que ensina Diniz:

“Sendo aparente a antinomia, o intérprete ou o aplicador do direito pode conservar as duas normas incompatíveis, optando por uma delas. Tal conciliação se dá por meio de subsunção, mediante simples interpretação, aplicando-se um dos critérios de solução fornecidos pelo próprio sistema normativo (cronológico, hierárquico e da especialidade).”117

115

DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 2003, p. 17-25.

116

“Quando os critérios para solucioná-la forem normas integrantes do próprio ordenamento jurídico – justamente o caso” (ibidem, p. 25).

117

Consideremos, contudo, uma segunda hipótese: de que os atos normativos expedidos pelo Procurador-Geral de Justiça são sim atos administrativos (com o que concordamos, pois realmente o são, já que exteriorizados por meio do poder de execução do Procurador-Geral de Justiça, mas no caso dos Planos de Atuação Institucional o conteúdo é material-institucional) e que, conforme proposto por Macedo Junior, os próprios artigos 46 e 97 impõem o dever de vinculação.

Nesse caso concreto – adotada na íntegra, a tese por ele proposta –, estaremos sim diante de antinomia real, sendo que para a solução da aporia necessária será a busca da resposta em norma superior (critério hierárquico).

Na busca dos critérios constitucionais caberia, a nosso ver, a aplicação do princípio da independência funcional.

Todavia, nesse caso instalada estaria nova celeuma, já que segundo a teoria de Goulart o princípio da independência funcional sucumbe ante o princípio também constitucional da unidade, tornando os Planos de Atuação vinculativos, gerando nova antinomia real, dessa vez, constitucional.

Quanto a essa dúvida, procuraremos apresentar nossa solução, após a análise de todo o subsistema jurídico do Ministério Público brasileiro.

3.5.6 Da ausência de previsão normativa de planos e programas gerais de atuação

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 84-87)