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5. DO INQUÉRITO CIVIL

5.1 Origem

Em razão da atuação prática do Ministério Público nas ações ambientais e em razão do estudo de doutrinadores brasileiros como José Carlos Barbosa Moreira da Silva, José Fernando da Silva Lopes, Hugo Nigro Mazzilli, Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Nelson Nery Junior, Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Cândido Rangel Dinamarco, Waldemar Mariz de Oliveira Junior, entre vários outros, o inquérito civil veio a ser criado em 1985, previsto que foi em Lei Federal.

Contudo, há contexto histórico pouco conhecido e nem sequer contido nas diversas obras que tratam da história dos interesses difusos e mesmo da ação civil pública no Brasil (aqui incluído o inquérito civil).

Considerando que nosso trabalho tem por objetivo fazer jus aos ilustres nomes que por algum motivo não foram destacados na doutrina, e considerando a importância do correto conhecimento sobre as origens dos institutos aqui tratados, até para que possamos apontar seu futuro, houvemos por bem retornar aos idos de 1970, na instituição do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Os Grupos de Estudos – reuniões informais realizadas por Promotores e Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo em diversas regiões do Estado, com patrocínio da Associação Paulista do Ministério Público – sempre tiveram por objetivo, não apenas o encontro fraternal dos membros da Instituição, mas também a discussão de temas jurídico- institucionais.

Num desses encontros, o inquérito civil nasceu.

Na década de 1970, várias normas brasileiras despontavam firmes para uma tutela que viria a se chamar de coletiva.

Aliás, conforme já tivemos oportunidade de abordar em tópico anterior, nesse mesmo período efervescia na Itália o estudo dos interesses supraindividuais, inspirando os pensadores brasileiros.

Em relação ao contexto histórico Mazzilli explica que:

“Dentro desse quadro, mas ainda sem a visão do que viria a ser o inquérito civil de hoje, e bastante influenciado pelo sistema então vigente do inquérito policial, em palestra proferida em 1980 no Grupo de Estudos de Ourinhos, o Promotor de Justiça paulista José Fernando da Silva Lopes sugeriu, então, a criação de um inquérito civil, à guisa do já existente inquérito policial. Não previra ele o instituto como passou a existir na Lei n. 7.347/85, mas sim como um procedimento investigatório dirigido por organismos administrativos, a ser encaminhado ao Ministério Público para servir de base à propositura da ação civil pública. Sustentara José Fernando que o Ministério Público, no inquérito civil, ‘a exemplo do que ocorre com o trabalho desenvolvido pela polícia judiciária através do inquérito policial, pudesse valer-se dos organismos da administração para realizar atividades investigatórias preparatórias’ – ou seja, atividades que preparariam a eventual propositura da ação civil pública. Segundo o palestrante, nesse inquérito civil, deveria o Ministério Público ter poder de “requisição, acompanhamento e controle”.135

A forma apontada pelo ilustre membro do Ministério Público José Fernando da Silva Lopes foi adaptada por outros membros do Ministério Público paulista – Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Nelson Nery Junior e Édis Milaré.

É que na proposta original de José Fernando da Silva Lopes o Ministério Público ainda continuaria a depender da atuação de outros órgãos administrativos ligados à administração direta ou indireta, o que faria com que não se atingisse o efeito prático almejado.

No entanto, a idéia, do hoje Procurador de Justiça aposentado, tornou-se o marco histórico da concepção do instituto.136

O que motivara José Fernando da Silva Lopes a pensar na necessidade de criação de instituto como o inquérito civil fora o período de “convivência” inadequada que vinculava o Ministério Público ao Poder Executivo.

O ilustre membro do Ministério Público, em seus estudos, buscou no Direito Comparado da época, a experiência e a vivência de outros povos a respeito daquilo que viria a se chamar de ação civil pública, justamente para que a Instituição conseguisse superar os limitados campos da atuação funcional ministerial daquele período.

Na verdade, a idéia absolutamente original de José Fernando da Silva Lopes apontava para um caminho desconhecido, mas que seria exatamente um dos mais importantes para a Instituição e para o Direito em futuro não tão distante.

135

MAZZILLI, Hugo Nigro. O Inquérito Civil. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 42

136

A base de fundamentação da tese do autor fora a necessidade de o Ministério Público ter o domínio do fato jurídico que viesse a ensejar a atuação ministerial na tutela dos interesses difusos.

Em outras palavras, não poderia mais a Instituição continuar atrelada a interesses externos como ocorria (e até hoje ainda ocorre) nos inquéritos policiais.

Citaremos aqui as duas principais conclusões de José Fernando da Silva Lopes na palestra mencionada, que nos tocam diretamente:

“14 – Como órgão do Estado, o Ministério Público, a exemplo do que ocorre com o trabalho desenvolvido pela polícia judiciária através do inquérito policial, poderá valer-se dos organismos da administração para realizar atividades investigativas preparatórias – inquérito civil – muitas vezes indispensáveis para recolher suficientes elementos de prova. (grifo nosso) Como órgão do Estado e que atua sempre em favor do interesse público, o Ministério Público porque vinculado ao princípio da obrigatoriedade, não poderá deixar de agir, e agindo, garantirá a proteção e tutela de interesses difusos.

15 – Assim, como sugestão conclusiva deste superficial enfoque, nos parece essencial que se confira ao Ministério Público a titularidade da ação civil pública em favor de interesses difusos, mesmo condicionando-a a prévia representação, assegurando-se, ainda, o poder de requisição, acompanhamento e controle do inquérito civil conduzido por organismos administrativos.”137

Mostrava-se, então, necessária a edição de norma que criasse instrumento investigativo que ficasse sob a esfera de competência (atribuição) do próprio Promotor de Justiça para que pudesse investigar fatos, colhendo dados e elementos para eventualmente ajuizar sua ação civil.

Houve então dois momentos distintos no ano de 1983 que ensejaram a edição da Lei da Ação Civil Pública e, conseqüentemente, a criação do inquérito civil.

O primeiro ocorreu em julho de 1983, quando Ada Pellegrini Grinover, Waldemar Mariz de Oliveira Junior, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe (professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo) elaboraram anteprojeto da futura Lei da Ação Civil Pública, apresentando-o como tese no I Congresso Nacional de Direito Processual realizado em Porto Alegre – RS.

137

Após devidamente revisado, referido anteprojeto foi encaminhado ao Deputado Flávio Bierrenbach que o apresentou em Brasília, na Câmara dos Deputados. O tramite na Câmara dos Deputados não foi célere, recebendo o n. 3.034/84.

Enquanto isso, no âmbito interno do Ministério Público do Estado de São Paulo foi elaborado outro anteprojeto por Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Junior com texto semelhante, sendo apresentada tese a ele referente no XI Seminário Congresso Anual de Grupos de Estudos do Ministério Público de São Paulo, realizado em dezembro de 1983 na cidade de São Lourenço – MG, obtendo-se aprovação.

A diferença essencial entre ambos anteprojetos, tão mencionados nas diversas obras que tratam do tema, mas que pouco comentam sobre seus conteúdos,138 era que no projeto Bierrenbach não havia a expressão ação civil pública e tampouco previsão para a proteção de amplos interesses metaindividuais, como o patrimônio cultural, defesa do consumidor e a expressão genérica, ou norma de enceramento “outros interesses difusos”.

Também não se previa no texto elaborado pelos ilustres professores da USP a criação do inquérito civil.

O texto que acabou vingando foi o anteprojeto elaborado pelos Promotores de Justiça paulistas.

Em 13 de junho de 1984 foi enviado ofício do Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo – Paulo Salvador Frontini – ao Presidente da CONAMP (Confederação Nacional do Ministério Público) – Luiz Antonio Fleury Filho, que por sua vez o encaminhou no dia seguinte ao Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel, solicitando-se a apresentação, via Presidência da República, ao Congresso Nacional, o que prontamente ocorreu, recebendo o Projeto o n. 4.984/85.

Os fatores que motivaram o acolhimento do texto elaborado pelos Promotores de Justiça acima citados foram:

– a qualidade, que em muito superava o projeto inicialmente elaborado pelos doutos Professores da Faculdade de Direito da USP, já que previa a ampliação do espectro de interesses difusos que seriam tutelados processualmente pela futura lei;

– a previsão de instrumento de investigação que ficaria ao encargo do Ministério Público – o inquérito civil (também não constante no anteprojeto dos ilustres processualistas);

138

– a força exercida institucionalmente pelo Ministério Público Paulista139.

O projeto encampado – dos Promotores de Justiça Nelson Nery Junior, Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz e Édis Milaré –, diga-se, todos pensadores e atuantes da área de interesses difusos, acabou aceito em quase sua íntegra, retirando-se do texto, por veto do Presidente da República José Sarney, os trechos que continham a expressão ou norma de encerramento genérica “outros interesses difusos”, com a alegação de que careciam de maior debate perante a sociedade, antes de aprovação legislativa.

Os fatores acima indicados podem ser comprovados pelas palavras do Ministro Ibrahim Abi Ackel, na Exposição de Motivos do texto que viera a ser promulgado, originando a Lei da Ação Civil Pública:

“Tenho a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência o incluso anteprojeto de lei disciplinando as ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso.

Originou-se o mesmo de estudo de professores paulistas, discutido com advogados e magistrados, e posteriormente, objeto de debates no 1º Congresso Nacional de Direito Processual Civil, realizado em Porto Alegre, em julho de 1983, e no XI Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos do Ministério Público do Estado de São Paulo, que teve lugar em São Lourenço, MG, e, dezembro do mesmo ano.

O trabalho dos eminentes juristas de São Paulo foi convertido no Projeto de Lei n. 3.034/84, apresentado à Câmara pelo Deputado Flávio Bierrenbach. Neste Ministério os estudos prosseguiram com a colaboração prestimosa de membros do Ministério Público daquele Estado, resultando no anteprojeto que, por nos parecer mais completo e abrangente, adotei, propondo agora o seu encaminhamento à apreciação do Congresso Nacional.”140

Como ressalta Mazzilli141:

“Na época, Ada Pellegrini Grinover sumariou as seguintes razões que se levantavam para negar atribuição privativa ao Ministério Público na tutela cível de interesses transindividuais: a) ‘a independência ainda relativa do órgão, que no Brasil integra o Poder Executivo’; b) ‘as conhecidas reservas que se avançam quanto à idoneidade institucional do Ministério Público, pré- ordenado à tutela do interesse público, para a proteção de interesses difusos, que pertencem a grupos, categorias, comunidades, freqüentemente em

139

O que se evidenciou pela atuação expressiva da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, pela Confederação Nacional do Ministério Público e pela moção aprovada na reunião do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça realizada em Brasília na data de 09 de julho de 1985, visando demonstrar ao Presidente José Sarney a importância da sanção, sem vetos, ao projeto acolhido integralmente nas duas Casas do Legislativo.

140

Ação Civil Pública – 15 anos. Coord. Edis Milaré. 2. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 863-890.

141

contraste entre si’; c) “a falta de especialização do órgão estatal em matéria altamente técnica e tão pouco convencional”.

Baseado em tal projeto surgiu então o inquérito civil, de natureza e finalidade distintas daquela prevista para o inquérito policial, já que dirigido pelo próprio Ministério Público para colheita de elementos que servissem para embasar, à época, a propositura de ação civil pública, cujo controle de arquivamento seria também exercido pela própria Instituição, de forma colegiada.

Aliás, nesse particular (controle de arquivamento pela própria Instituição) a pressão dos diversos segmentos contrários ao Projeto de Lei foi intensa.

Os periódicos daquele período bem deixam isso claro.

Considerando que tais registros históricos não aparecem nas obras que tratam do tema, mas nos remetem à inquietude dos acontecimentos da época cremos devam ser aqui transcritos.

Aliás, servem de argumento para que reafirmemos nosso entendimento sobre a importância do inquérito civil como instrumento de garantia de transformações sociais – o que motivou nosso estudo – importância esta que, para ser realmente compreendida, passa necessariamente por uma visão histórica a respeito do contexto jurídico-político sobre o instituto.

O Jornal “O Estado de São Paulo”, publicado em 20 de julho de 1985, página 10, lançou matéria com o título “Advogados contra artigo da lei do meio ambiente”.142

142

“A Associação dos Advogados de São Paulo encaminhou telex ontem ao presidente José Sarney, solicitando veto ao artigo 9, parágrafo II do Projeto de Lei número 4.984-A/85, da Câmara dos Deputados, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A entidade classifica de ‘inconstitucional’ a possibilidade de o Ministério Público pedir o arquivamento do inquérito civil quando convencer-se de que este não tem fundamento.

Ao disciplinar a legitimação às ações coletivas, o artigo quinto defere sua titularidade ao Ministério Público, à União, Estados e municípios, às autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista e às associações, revestidas de ‘representatividade adequada’. Na hipótese de o Ministério Público opinar pelo arquivamento do inquérito, o projeto estipula que as associações poderão apresentar razões escritas ou documentos até o Conselho Superior do Ministério Público homologar ou rejeitor o pedido.

‘Verifica-se – disse o presidente da Associação, José Roberto Batochio – que, na iminência da homologação do pedido de arquivamento, nada mais restará às associações senão defender sua causa junto aos órgãos superiores do Ministério Público. Ora, isto fere o princípio do juiz natural e o princípio da proteção judiciária. Não pode a lei que expressamente as legitima à ação restringir esse acesso na hipótese de discordância do Ministério Público. O parágrafo segundo do artigo nono é flagrantemente inconstitucional, na medida em que não assegura às entidades representativas a possibilidade de ajuizarem a ação em caso de arquivamento do inquérito civil pelo Ministério Público.’

Segundo a entidade, ‘o parágrafo segundo do artigo nono deturpa por completo a idéia de participação democrática, quando atribui aos corpos intermediários a titularidade de ações coletivas e ideológicas, configurando uma nova forma política de gestão racional de alguns setores da vida pública. Atribuir a

Nota-se que havia clara confusão entre a legitimidade do Ministério Público para a instauração e presidência do inquérito civil com a legitimação dos órgãos previstos em lei para ajuizamento de ações civis públicas.

Pensavam alguns aplicadores e estudiosos do Direito à época, que o fato de dispor a Lei da Ação Civil Pública sobre a possibilidade de o Ministério Público instaurar e arquivar internamente o inquérito civil, obstado estaria o direito de as associações ajuizarem ações civis públicas, quaestio que atualmente se mostraria tal como uma pilhéria.

No Jornal “O Estado de São Paulo” de 22 de julho de 1985 foi publicada matéria de página inteira na seção Legislação, p. 17, contendo artigos de Gilberto de Mello Kujawski – à época Procurador de Justiça (posicionando-se a favor do Projeto) e de Ada Pellegrini Grinover –, à época Procuradora do Estado (contrária à aprovação do Projeto final), cujo título era o seguinte:

“A sociedade aprendendo a se defender: Empresários, juristas e entidades civis se unem para tentar o veto do presidente Sarney a um dos artigos da nova lei sobre ações judiciais contra atos do Executivo. Esse artigo permite ao Ministério Público arquivar ações consideradas ‘inconvenientes’.”

Porque assumiu relevância jurídico-histórica, apesar de não ressaltada nas obras relacionadas ao tema, a contenda merece nossa consideração.

O então membro da ativa do Ministério Público, Gilberto de Mello Kujawski, defendera o projeto esclarecendo as dúvidas que à época surgiram sobre o tema.143

legitimação às associações e depois deixá-las a critério de um órgão do Poder Executivo significa, na prática, suprimir a sua titularidade autônoma, deixando-as à mercê da iniciativa do Ministério Público. Com o que frustram aquelas soluções compostas, articuladas e flexíveis, que devem ser buscadas para a efetiva e concreta proteção dos interesses difusos. E se deixa, no projeto, “o entulho autoritário” tão pouco aderente ao ideário da Nova República’.”

143

O Poder econômico e a lei ambiental. “(...)

Protestando entre outras coisas, contra o artigo 9º, que faculta ao Ministério Público o poder de arquivar os autos de inquérito civil ou das peças informativas, se convencido da inexistência de fundamento para a propositura da ação. A propósito dessa crítica, o Jornal da Tarde de 16-07-85 reproduz as palavras da professora Ada Pellegrini Grinover, a qual, ouvida em entrevista, assim se manifesta: ‘Isso quer dizer que qualquer ação contrária à atuação do Executivo será vetada, pois como todos sabem, o Ministério Público é órgão do próprio Poder Executivo. A arbitragem do Ministério Público fica estabelecida no artigo 9º do projeto, que deve ser imediatamente vetado, caso contrário fica o dito pelo não dito’.

Estranha exegese! Principalmente na maneira de tratar o Ministério Público, lançando-lhe suspeição injusta e descabida. Gostaríamos de saber por que o Ministério Público seria suspeito em matéria de crimes contra o meio ambiente, mas não seria em relação a outros tipos de crime, contra a pessoa, a propriedade, os costumes, etc. É tempo de colocar as coisas no devido lugar.

Primeiro, é falso afirmar, como se diz, que o Ministério Público é ‘órgão do Poder Executivo’, como se o Ministério Público estivesse atrelado ao Executivo, como servo sujeito a obediência passiva. Não, o Ministério Público não é órgão do Executivo, e sim órgão executivo, o que é muito diferente. Não está subordinado à

Ada Pellegrini Grinover, por sua vez, também foi igualmente incisiva.144

Ora, pela leitura de tais registros, evidente que o anteprojeto elaborado pelos Promotores de Justiça paulistas era realmente mais abrangente e mais importante para a efetiva tutela dos interesses supraindividuais.

Como visto, à época da discussão sobre a aprovação do projeto de lei que disciplinava a Lei da Ação Civil Pública e também o inquérito civil, a turba contra tais institutos foi grande.

Conquanto Ada Pellegrini Grinover não fosse contrária à aprovação de lei que disciplinasse a ação civil pública – já que afinal era favorável à aprovação de texto por ela elaborado em co-autoria com demais ilustres professores de Direito da Faculdade do Largo São Francisco de São Paulo –, nota-se que, acompanhada pelo então Presidente da Associação

vontade do Executivo, mas coordenado à ação deste último, e dotado de autonomia em sua esfera. Tanto que o procurador geral não pode ser removido ‘ad nutum’ pelo governador, protegido que está por mandato de tempo certo, a saber dois anos (renováveis por mais um biênio). E mais – pode dar-se o caso, como já se deu em São Paulo, de o Ministério Público processar o governador em exercício.

Em segundo lugar, indo direto ao ponto, verifica-se que, realmente, no seu artigo 9º o projeto de lei n. 4.984 prevê para o Ministério Público a faculdade de arquivar os autos de inquérito quando inexistir fundamento à propositura da ação. Isso não significa, entretanto, que o Ministério Público seja o senhor único e absoluto da ação civil pública em matéria de danos causados ao meio ambiente ou a valores históricos e culturais. Aquele projeto não restringe a propositura da ação ao puro arbítrio do Ministério Público, mas concede legitimidade concorrente a outras entidades para o mesmo efeito. Assim dispõe o art. 5º: ‘A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação...’.

Em termos práticos, significa o seguinte: supondo que o Ministério Público, convencido da inexistência de fundamento para a ação civil, promova seu arquivamento, imediatamente qualquer associação poderá acionar de novo a autoridade, propondo outra ação por sua própria conta. É verdade que o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei em todas as ações intentadas (artigo 5º, § 1º). Mas como ‘fiscal da lei’ não irá arquivar o inquérito, sob pena de desrespeitar a legitimidade concorrente das demais entidades citadas no projeto (caput do artigo 5º).”

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Interesses difusos e ações coletivas. “(...)

Com emendas apresentadas pelo MP de São Paulo, e a pretexto de uma pretensa extensão da defesa ao consumidor e a outros interesses difusos (sem que se cuide, porém, da forma pela qual se faria a reparação

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 119-128)