• Nenhum resultado encontrado

Da previsão constitucional

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 128-132)

5. DO INQUÉRITO CIVIL

5.2 Da previsão constitucional

Tão relevante foi a conquista com a edição da Lei da Ação Civil Pública que o inquérito civil e também a própria ação civil pública ganharam anos mais tarde, já em 1988, espaço no texto constitucional como sendo funções institucionais do Ministério Público, conquanto vozes contrárias assim não o desejassem.

Dispõe o artigo 129:

“São funções institucionais do Ministério Público: (...)

Se se quer de fato implantar aui um regime de liberdade, cabe ao presidente da República vetar os dispositivos incompatíveis com o ideal que se vinha cristalizando nos projetos apresentados – o artigo 9º e seus parágrafos –, a fim de aprimorar instrumentos aptos a resguardar interesses difusos ameaçados pela prepotência estatal. Não foi à toa que, conscientes dos perigos contidos no bojo dessa prepotência crescente, duas entidades paulistas, a Associação Comercial e o Instituto dos Advogados, se puseram de acordo em estimular a coordenação de ação comeltiva sob o fundamento da teoria dos interesses coletivos – a qual proclama que grupos e coletividades devem contar com a tutela jurisdicional apta a ampará-los contra violações legais em que todos são indistintamente atingidos. É oportuno suscitar essa teoria antes da elaboração da futura Constituição, que haverá de instituir mecanismos judiciais válidos para o combate à estatização (e mesmo à voracidade fiscal), dando ensejo a que afinal, a sociedade subordine o poder público, cuja existência se justifica pela necessidade de servir a ela.”

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”

Em primeiro lugar necessária correção ao que se interpreta do Texto Magno, pois conforme exporemos adiante com a apresentação do conceito, o inquérito civil é um instrumento e não função.

Feita a ressalva, destaquemos a importância da previsão constitucional do citado instrumento.

Essa previsão constitucional se coaduna plenamente com o escopo de garantia de efetividade dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, pois se trata de instrumento que busca a investigação direta, por parte do próprio membro do Ministério Público, a respeito de ameaça ou ofensa a interesses sociais.

Podemos então afirmar que se trata de um instrumento que não pode ser mais excluído do âmago do Ministério Público, sob pena de admitir-se impedimento do acesso à justiça.

A visão histórica a respeito dos mecanismos de atuação do Ministério Público antes da existência do inquérito civil nos permite afirmar que o instrumento é forma de se garantir maior efetividade na busca de uma defesa de interesses materialmente difusos.

E essa efetividade na defesa de interesses sociais encontra eco no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal.

Aliás, se uma das maiores críticas de quase a totalidade dos aplicadores do direito é justamente a sobrecarga de lides diariamente distribuídas ao Poder Judiciário brasileiro, soaria até mesmo absurdo – além de inconstitucional – que alguém pudesse eventualmente pensar em abolir o instrumento investigatório do Ministério Público.

Trata-se de conquista que o Estado Democrático de Direito garantiu à sociedade brasileira, não cabendo admitir-se, nesse passo, retrocesso político.

Melhor explicaremos.

Em primeiro lugar, conforme pudemos verificar no tópico anterior, a ausência de instrumento pré-processual a cargo do Ministério Público fazia com que a instituição tivesse que ajuizar diversas ações cautelares para, muitas das vezes, tão-somente obter acesso a informações e documentos, sobrecarregando desnecessariamente o Poder Judiciário.

Além disso, a atual possibilidade de investigação em muitos inquéritos civis permite que a instituição formalize em inúmeros casos, compromissos de ajustamento de conduta.

Suponhamos que, à ausência do instrumento investigatório, tivesse o Ministério Público que ajuizar ações civis públicas/coletivas para somente depois tentar obter composições em juízo.

Certamente haveria nos dias atuais, um número ainda maior do que o já existente, de ações civis públicas/coletivas ajuizadas pelo Parquet.

Tais considerações, de eminente cunho político, não podem ser olvidadas pelos estudiosos do tema.

Em país que não prima por ações afirmativas ou políticas públicas de alcance coletivo, não se mostra aceitável entender que a instituição incumbida da defesa da cidadania não tenha armas à reversão de quadros socialmente desumanos.

Além disso, a defesa de direitos dos cidadãos, do meio ambiente, dos consumidores, crianças e adolescentes etc. obriga – até em consonância com o princípio da eficiência contido no Texto Magno – que a instituição tenha à sua disposição meios de atuação também eficientes ou efetivos, sob pena de não defender os interesses sociais acima destacados.

Temos feito questão de ressaltar a importância dos avanços normativos que se deram em relação ao tratamento do inquérito civil como instrumento de investigação do Ministério Público porque essa conquista não foi simples, tampouco tranqüila – fato já assaz demonstrado no item anterior –, sendo de tempos em tempos objeto de pressão de pessoas e segmentos da sociedade, diga-se, ligados a interesses ínvios, com a intenção de criar legislação temerária à defesa do Estado Democrático de Direito, reduzindo o espectro de legitimação do Ministério Público na área de interesses metaindividuais, minimizando seus poderes de investigação, dificultando o alcance de resultados sociais, enfim, tornando mais custoso o acesso à tutela coletiva (processual e materialmente), já tão duramente concretizada na prática.

Já tivemos também a oportunidade de ressaltar em capítulo anterior a importância da existência do Ministério Público brasileiro para a garantia de incessante concretização de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

E a previsão constitucional do inquérito civil tem por razão conferir instrumento exclusivo ao Ministério Público para a tutela de interesses metaindividuais, justamente para que a construção da democracia aconteça, ao menos para que essa instituição assim aja.

O objetivo evidente foi fortalecer o instrumento de que dispõe o Ministério Público para investigar ofensas a interesses metaindividuais, colocando-o a salvo dos interesses escusos há pouco mencionados que porventura venham a surgir por meio de alterações legislativas infraconstitucionais, obviamente prejudiciais à tutela coletiva.

A inclusão do inquérito civil no corpo constitucional encerra qualquer dúvida sobre a legitimidade do Ministério Público para a defesa de interesses transindividuais e realça a necessidade de se atribuir à instituição instrumento para que assim possa agir, sob pena de ineficácia do sistema coletivo brasileiro.

Ao se prever na Constituição Federal que o inquérito civil é uma das funções institucionais do Ministério Público confere-se à instituição meio pelo qual, além de outros existentes, exercerá a fiscalização e o controle de ofensas a direitos transindividuais.

É o que precisamente conclui Ricardo de Barros Leonel:

“Juntamente com a ação coletiva, o inquérito civil é um dos meios que se põe a serviço da proteção dos interesses supra-individuais. E o faz por vezes de forma autônoma, como instrumento independente, permitindo não só o prévio esclarecimento de fatos para a formulação da demanda, mas também, em inúmeros casos, o equacionamento da crise verificada no direito material sem a movimentação da máquina judiciária.

Isto comprova sua importância, pois a prévia colheita de informações precisas antes da propositura da ação permite a mais adequada tutela judicial, e evita a formulação de demandas infundadas ou temerárias. A investigação funciona como instrumento para a composição extrajudicial do conflito e obtenção da pacificação social, sem o decurso do tempo e o custo (em todos os sentidos) do processo, fator, aliás, que se agrava considerando a complexidade natural das demandas coletivas, destinadas, a priori, a perdurar por mais tempo e a gerar maiores dispêndios econômicos.”146

José Luiz Mônaco da Silva, citando inclusive outros autores, assim também demonstra:

“Tão útil se mostrou o inquérito civil que, a partir de 5 de outubro de 1988, passou a fazer parte do texto constitucional (ver item 6, Constitucionalização

do Inquérito). E, dada a importância capital do inquérito civil para a sociedade,

Itamar Dias Noronha, depois de formular acerba crítica contra os projetos que tentam restringir as atribuições do Ministério Público, como por exemplo o Projeto de Emenda Constitucional n. 365/96, que pretende suprimir a

146

atribuição do Ministério Público para instaurar e presidir inquéritos civis, só permitindo a mera requisição, defende a tese segundo a qual o art. 129, inciso III,, do Texto Maior constitui cláusula pétrea, insuscetível de supressão por meio de emenda, a teor do art. 60, § 4º, inciso IV, da mesma Carta.”147

Apontemos então a ratio da legitimação do Ministério Público na tutela coletiva, esclarecendo se realmente há necessidade de demonstração de interesse processual para a defesa metaindividual, mais precisamente no manejo do inquérito civil.

5.3 Teoria institucional ou objetiva de legitimação do Ministério Público para o

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 128-132)