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Do período colonial à República

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 41-48)

3. DA ORIGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO

3.1 Do Ministério Público no Brasil

3.1.1 Do período colonial à República

As origens do Ministério Público Brasileiro podem ser encontradas no Direito Português.

Podemos separar os períodos históricos de evolução do Ministério Público em três fases: colonial, monárquica e republicana55.

Como não é objeto precípuo deste trabalho a história ministerial, apresentaremos apenas alguns apontamentos considerados relevantes em relação à criação e evolução institucional, principalmente no que tange aos princípios e funções, já que consideramos temas fundamentais para o desenvolvimento da abordagem posterior – atuação do Ministério Público à frente do inquérito civil.

Na fase colonial havia normas que vigoravam, à época, em Portugal e em suas colônias – caso do Brasil –, que continham denominações que poderiam ser hoje consideradas referências à origem da instituição.

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SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público Brasileiro e o estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 42.

55

V. GARCIA, Emerson. Ministério Público, organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 28-39.

Nas Ordenações Afonsinas, nas Ordenações Manuelinas e nas Ordenações Filipinas havia títulos que faziam referência a agentes que se assemelhavam – não apenas pelo nome, mas também por atuar representando o governo da época – ao que hoje temos por Ministério Público brasileiro.

Nas Ordenações Afonsinas de 1447 estava previsto no Título VIII, “Do procurador dos nossos feitos”, e no Título XIII, “Dos procuradores, e dos que nom podem fazer procuradores”; nas Ordenações Manuelinas, de 1514, no Livro I, Título XI, “Do procurador dos nossos feitos” e, no Livro I, Título XII, do “Prometor de justiça da Casa da Sopricaçam”; e, por fim, nas Ordenações Filipinas, de 1603, no Livro I, havia títulos que cuidavam do “procurador dos feitos da Coroa” (XII), do “procurador dos feitos da Fazenda” (XIII), do “promotor de justiça da Casa da Suplicação” (XV), e do “promotor de justiça da Casa do Porto” (XLIII).56

José Henrique Pierangeli, por sua vez, busca a origem do Ministério Público Português em tempos longínquos:

“O primeiro procurador geral da Coroa e Fazenda de Portugal, Dr. João Baptista Ferrão de Carvalho Mártens, encaminhou ao governo lusitano um relatório que foi publicado no Diário do Governo, 175, de 07 de agosto de 1871. Esse relatório, considerado importante pelos juristas portugueses, foi republicado pelo Boletim do Ministério da Justiça de Portugal, 233, p. 5-34, de fevereiro de 1974, sob a denominação O Ministério Público e Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda. História, natureza e fins.”57

Assevera o autor que, sob o reinado de Afonso III, o cargo de procurador do rei torna- se permanente e posteriormente os membros da Magistratura do Ministério Público – que faziam parte da magistratura que servia às finalidades reais – eram chamados a ocupar o cargo por vezes faltante de alguns magistrados no tribunal, devendo analisar o fato como terceiros. Destacavam-se então, de forma inicial e ainda tênue, as diversas atribuições, da Magistratura, dos procuradores reais e dos membros do Ministério Público.

Na Constituição Federal de 1824 não há qualquer menção à instituição.

56

V. RITT, Eduardo. O Ministério Público como instrumento de democracia e garantia constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 119.

57

Entretanto, Garcia58 alerta para dois importantes dispositivos referentes, ainda que indiretamente, à instituição: o artigo 48, que dispunha sobre a acusação criminal, cuja titularidade era do procurador da Coroa, e o artigo 163, que criara o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal da Relação, sendo que para oficiar em tais Órgãos da Corte seria nomeado um desembargador que receberia a nominação de Procurador da Coroa, exercendo a chefia do Parquet.

No Código de Processo Criminal de 1832, surgiu a referencia ao “promotor da ação penal”, mais precisamente no artigo 37 do texto normativo, mesmo não havendo exclusividade da titularidade da ação penal.

Em 03 de dezembro de 1841 veio a Lei n. 261, que estabelecia que os Promotores Públicos seriam nomeados e demitidos pelo Imperador, ou pelos Presidentes das Províncias, com preferência de nomeação entre os cidadãos bacharéis e que gozavam de idoneidade em sua comunidade.

Em 31 de janeiro de 1842 foi editado o Regulamento n. 120, que disciplinaria pela primeira vez um dos critérios – o geográfico – como norteador da criação de cargos e respectiva atuação dos Promotores de Justiça, até hoje extremamente utilizado pelos Ministérios Públicos Estaduais, muito embora esteja sofrendo adaptações em diversos Estados brasileiros, como Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Roraima:

“Artigo 213. Em cada uma comarca haverá um promotor, e dois, quando pela sua extensão, população e afluência de negócios de sua competência, não for um só bastante para dar-lhes fácil e pronta expedição.

Artigo 214. Quando a respeito de uma comarca se verificarem tais circunstâncias, o presidente da província as levará por meio de uma exposição circunstanciada ao conhecimento do governo, que decidirá.”59

Duas leis do ano de 1871 trataram do tema afeto aos Promotores de Justiça, sendo a primeira a Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, e a segunda de n. 2.040, de 28 de setembro de 1871.

Na primeira criava-se o cargo de Promotor adjunto para o caso de faltas do titular do cargo e a segunda dispunha que os Promotores Públicos teriam a incumbência de velar pelo registro e proteção dos filhos libertos dos escravos (Lei do ventre livre).

58

GARCIA, Emerson. Ministério Público, organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 29.

59

Contudo, o primeiro tratamento como instituição se deu no Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, que assim assinalara em sua exposição de motivos:

“O Ministério Público, instituição necessária em toda organização democrática e imposta pelas boas normas da justiça, à qual compete: velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier.”60

Posteriormente no Decreto n. 1.030, também de 1890, o Ministério Público veio estabelecido, consoante descrito na obra de Roberto Lyra como:

“o advogado da lei, o fiscal de sua execução, o procurador dos interesses gerais, o promotor da ação pública contra todas as violações do direito, o assistente dos sentenciados, dos alienados, dos asilados e dos mendigos, requerendo o que for a bem da justiça e dos deveres de humanidade.”61

Ambos os Decretos, de autoria de Campos Sales, então Ministro da Justiça, continham elementos constitutivos da primeira feição de caráter institucional, ainda que meramente formais, do Ministério Público brasileiro, daí o porquê de ser o autor considerado patrono do Parquet no país.

Nas precisas palavras de César Salgado, citado em brilhante artigo de Astor Guimarães Dias:

“Vede bem: já não é o simples agente do Poder Executivo, o procureur du roi, mas o representante da sociedade, o órgão da justiça, o vingador público da lei contra todos os infratores. Que noção admirável – sobretudo para aqueles tempos da importância, da finalidade e das atribuições de uma instituição político-jurídica, que os nossos legisladores teimavam desconhecer!

Foi Campos Salles quem revelou ao Brasil o Ministério Público. Essa glória lhe é indisputável.”62

De acordo com Garcia, a primeira norma que empregou, no Brasil, a expressão Ministério Público foi o artigo 18 do Decreto n. 5.618, de 02 de maio de 1874.63

60

DIAS, Astor Guimarães. Introdução à história do Ministério Público do Estado de São Paulo. Justitia, 60 anos, São Paulo, 1999, p. 267.

61

LYRA, Roberto. Teoria e prática da promotoria pública. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 23.

62

DIAS, Astor Guimarães. Introdução à história do Ministério Público do Estado de São Paulo. Justitia, 60 anos, São Paulo, 1999, p. 267.

63

GARCIA, Emerson. Ministério Público, organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 31.

A Constituição Federal promulgada em 24 de fevereiro de 1891, apesar de adotar como forma de governo a República Federativa, transformando as províncias em Estados Unidos do Brasil, não dispunha sobre a instituição, mas tão-somente a respeito da escolha do Procurador-Geral da República entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Garcia novamente traz interessante informação histórica, pois apesar de não haver tratamento institucional no texto constitucional de 1891, certo é que de acordo com a informação trazida a lume, o Estado do Rio Grande do Sul já se avançara ao tempo, e poucos meses depois da promulgação da Carta Pátria, instituiu o que efetivamente seria o futuro Ministério Público brasileiro, como se conclui do texto seguinte:

“À guisa de ilustração, vale lembrar a Constituição do Rio Grande do Sul, promulgada em 14 de julho de 1891, cujo art. 60 dispunha que ‘para o fim de representar e defender os interesses do Estado, os da justiça pública e os interditos e ausentes perante os juízes e tribunais, será instituído o Ministério Público, composto de um procurador geral do Estado, nomeado pelo presidente deste entre os membros do Superior Tribunal, e de promotores públicos, cujas atribuições serão definidas em lei. Haverá um promotor em cada comarca, nomeado pelo presidente do Estado, sob proposta do procurador geral, a quem será imediatamente subordinado’.”64

Em 1911 foi editado o Decreto n. 9.273, que dispunha em seu artigo 158 que o Ministério Público “era o advogado da lei e o fiscal da sua execução, o promotor da ação pública contra todas as violações de direito”.65

No texto Magno, a primeira aparição do Ministério Público, como instituição, deu-se em 16 de julho de 1934, influência obtida da Constituição alemã de Weimar.

O Ministério Público foi considerado no Capítulo VI, nos “órgãos de cooperação nas atividades governamentais”.

O artigo 95 dispunha:

“O Ministério Público será organizado na União, no Distrito Federal e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados, pelas leis locaes. O Chefe do Ministério Público Federal nos juízos communs é o Procurador Geral da República, de nomeação do Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos estabelecidos para os Ministros da Corte Suprema. Terá os mesmos vencimentos desses Ministros, porém, demissível, ad nutum. Os chefes do Ministério Público no Distrito Federal e nos Territórios serão de livre nomeação do Presidente da República

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GARCIA, Emerson. Ministério Público, organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 31.

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dentre juristas de notável saber e reputação ilibada, alistados eleitores e maiores de 30 anos, com os vencimentos dos Desembargadores.”66

Distinguiu-se, também, pela primeira vez, a instituição da Magistratura, apesar da equiparação de ambas as classes.

Foram previstas as garantias institucionais como a estabilidade na carreira, e apesar da associação ao Poder Executivo, elaborou-se o que seria o futuro contorno da classe, com a criação dos Ministérios Públicos da União, Estados e Distrito Federal, com ingresso na carreira somente mediante concurso público.

Com o regime militar ditatorial, não houve tratamento do Ministério Público na Constituição de 1937.

Nem poderia ser diferente, pois afinal não havia qualquer órgão independente para aplicação e cumprimento das leis, até mesmo as normas magnas.

Isso porque a Constituição fora alterada ao sabor do então Chefe da Nação, Getúlio Vargas, que dissolvera a Câmara e o Senado, revogando o Texto Máximo anterior de 1934.

Foi com o texto da Carta Política de 1946 que novamente o Ministério Público ganhou força, agora independente dos demais Poderes Estatais, com previsão de garantias como a estabilidade e prévio ingresso na carreira mediante concurso público, situando-o em título próprio – Título III – Do Ministério Público e regulamentando-o em seus artigos 125 a 128.

Entretanto, a Lei n. 1.341, de 30 de janeiro de 1951, ao organizar o Ministério Público da União, novamente cometeu ao Parquet, pelo artigo 34, III e V, a representação da União e a Fazenda Nacional, em lides cíveis, nas quais figurassem como autoras ou rés, o que veio a ser ratificado pela Constituição Federal de 1967, na qual o Ministério Público foi inserido no capítulo do Poder Judiciário e posteriormente vez mais retificado com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 1, de 1969, com a inclusão do Parquet, desta vez, no capítulo do Poder Executivo.

Vieram leis posteriores até que em 1981 finalmente foi promulgada a Lei n. 40 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público –, que definitivamente iniciava o processo de separação do Ministério Público das funções de defesa do Estado, o que acabou ocorrendo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que arrematou, de uma vez por todas, a

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impossibilidade de vinculação da instituição ao Estado ou ao Poder Judiciário, derreando também qualquer tendência de submissão da instituição aos governantes.

Quanto ao arcabouço legislativo institucional – em relação ao qual não há precedentes equivalentes –, faz-se necessária a citação do artigo de Amaro Alves de Almeida Filho, no qual ainda apresenta a evolução histórica do Ministério Público brasileiro, desde os tempos de Colônia até o período da Carta Democrática de 1988.67

Não menos importante em relação à evolução institucional no Brasil, e em especial no Estado de São Paulo, é o já citado artigo de Astor Guimarães Dias, do qual extraímos trecho em que aponta o início do Parquet paulista:

“Oportuno é fazer referência a algumas leis, que no Estado de São Paulo cuidaram do Ministério Público.

A primeira delas é a Lei n. 18. de 24 de dezembro de 1891, que em seu capítulo 2º, seção I, cuida do Ministério Público.

O Ministério Público aparece como auxiliar da autoridade judiciária, consoante o disposto no art. 53, seus membros são meramente de comissão do governo.

Na seção VII, do Título IV, cuida a lei das incumbências do Ministério Público, em art. 71.

Outra Lei da instituição é de n. 2.526, de janeiro de 1936, do governo Armando de Salles Oliveira, que instituiu a carreira do Ministério Público. Tal lei disciplinou quais os órgãos do Ministério Público, as funções do Procurador-Geral, o ingresso na carreira, o regime de promoção, os casos de remoção, e outras providências de interesse para a carreira.

Em 24 de fevereiro de 1939 surgiu o Decreto-lei n. 10.000, promulgado pelo então interventor federal no Estado de São Paulo, Dr. Adhemar Pereira de Barros.

Tal decreto-lei para muitos, entre os quais nos enfileiramos, constitui o diploma legislativo mais importante sobre nossa instituição.”

Mais adiante encerra:

“Esse decreto-lei conforme se observa de seu resumo, cuidou do Ministério Público sobre todos os aspectos, e o único reparo que lhe fazemos é ter mantido no parágrafo único do art. 2º a demissão ad nutum do Procurador- Geral.

(...)

Outra Lei importante sobre o Ministério Público, é a de n. 2.878, de 21 de dezembro de 1954 que dispõe sobre a criação da Corregedoria do Ministério Público, na Procuradoria-Geral da Justiça, além de cuidar do Conselho Superior do Ministério Público, de substituições de Promotores de Justiça, de promoções, da elevação do número de cargos de Promotores Públicos na

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Capital, além de outras providências particulares para o Ministério Público.”68

Tais normas tiveram importância até a efetiva regulamentação estadual pela Lei n. 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), cuja análise será mais à frente realizada.

Finalizada breve visão histórica do Ministério Público no Brasil – relativa ao período colonial até a fase republicana –, passaremos ao texto constitucional de 1988.

3.1.2 Antecedentes históricos à disposição do Ministério Público na Constituição

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 41-48)