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MECANISMOS DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DE

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 115-119)

A origem histórica do inquérito civil está vinculada à Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), posto que ali nasceu para o mundo jurídico referido instrumento de investigação, fato notório para os conhecedores da matéria.

Até o ano de 1985, contudo, quando foi o inquérito civil instituído por Lei Federal, não dispunha o Ministério Público brasileiro de instrumento de investigação na área cível equivalente ao inquérito policial utilizado na área criminal, apesar de ser este último obviamente presidido por Autoridade Policial.

Diversos membros do Ministério Público Paulista já possuíam entendimento sobre a necessidade de a Instituição criar instrumento que fosse capaz de reunir elementos para uma melhor atuação na área cível, de forma direta e sem intervenções externas.

Tal visão não era meramente filosófica.

Isso porque, mesmo antes da entrada em vigor da Lei da Ação Civil Pública em 1985, o Ministério Público Paulista já vinha ajuizando ações civis públicas/coletivas no trato de casos envolvendo interesses metaindividuais.

A base fundamental para o ajuizamento das ações era a existência da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal n. 6.938, de 31 de agosto de 1981).

No Estado de São Paulo havia ainda a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual n. 304, de 28 de dezembro de 1982), que não vedava tal atuação funcional da Instituição.

O pioneiro caso ocorrido no Estado de São Paulo de que se tem registro é citado por Mazzilli132:

“Vale aqui invocar exemplo pioneiro, ocorrido antes da vigência da Lei n. 7.347/85. Na primeira ação ambiental proposta pelo Ministério Público, de que se tem notícia, em inícios de 1983, o Promotor de Justiça Renato Guimarães Junior requereu na comarca de Campinas uma medida cautelar de protesto, visando a impedir a pulverização de determinado agrotóxico contra uma praga algodoeira. Nessa ocasião, o Ministério da Agricultura pretendia

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efetuar uma pulverização aérea da região mojiana, no Estado de São Paulo, com o agrotóxico ‘Malathion’ (cujo agente químico é o dimetil-ditiofosfato

de dietil-mercaptos-sucinato). O aludido promotor estadual, depois de insistir

na necessidade de prevenir responsabilidades criminais, conseguiu fosse sustada a pulverização, por decisão do juiz José Palmácio Saraiva, da 7ª Vara Cível de Campinas. Posteriormente, acabou-se entendendo que a competência para conhecer da matéria cabia à justiça federal. Não se seguiu à cautelar nenhuma ação principal, seja para apurar responsabilidades criminais, seja para reparar danos ambientais, à luz da Lei n. 6.9638/81 que então já vigorava, pois a pulverização jamais chegou a ser feita.”

Os dois seguintes casos registrados pela doutrina também se deram no ano de 1983, situados em São Paulo.

O segundo caso judicial se deu justamente porque não detinha o Ministério Público instrumento investigatório, como hoje possui o inquérito civil.

Assim, o Ministério Público paulista acabou ajuizando ação cautelar para produção antecipada de provas.

A referida ação fora ajuizada em 28 de novembro de 1983 pelo então Procurador de Justiça Edis Milaré, em conjunto com os Promotores de Justiça Marcos Ribeiro de Freitas e Paulo Affonso Leme Machado na Comarca de Santos – Estado de São Paulo133.

Em tal ação, ajuizada em razão de explosão de uma pedra que viera a cair em tubulação da Petrobrás, ocasionando o vazamento de aproximadamente 1.500.000 litros de óleo que se espalharam por cerca de 60 quilômetros da região, inundando cursos d’água, mangues, bem como o canal e as praias de Bertioga, buscava o Ministério Público que fosse realizada perícia para responder aos seguintes quesitos:

“a) Quais as aves, peixes, moluscos, crustáceos e plantas que vivem no manguezal de Bertioga?

b) Poderia fazer o levantamento aproximado das espécies atingidas pelo derramamento de óleo levado a efeito no dia 14 de outubro de 1983?

c) O habitat dessas espécies foi atingido? Qual a importância desse habitat para as espécies atingidas?

d) Quais as alterações – qualitativas e quantitativas – sofridas pelas espécies? e) Será possível a recomposição ou reparação do dano ecológico referido? f) Em caso de ser positiva a resposta anterior, como se processaria essa reparação?

g) Quais as despesas e trabalhos necessários para a reparação desse dano? h) Poderia indicar entidades oficiais ou privadas que poderiam orientar ou supervisionar a recomposição do local?

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GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela dos interesses difusos. Coord. Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Max Limonad, 1984, p. 237-240.

i) Haveria possibilidade de indicar-se o tempo previsto para os trabalhos de recomposição das áreas atingidas?

j) Existem pessoas que se ocupam profissionalmente, direta ou indiretamente, na extração ou comercialização dos produtos do mangue atingido? É possível inventariar esse prejuízo ou prejuízos?”

Vemos que os quesitos formulados na referida ação cautelar, apesar da excelente técnica, somente foram elaborados em ação cautelar antecipatória de prova, com pedido consistente em vistoria ad perpetuam rei memoriam, por causa da ausência de instrumento de investigação na área de interesses metaindividuais a cargo do Ministério Público de então.

Houvesse o inquérito civil e certamente o Ministério Público não teria lançado mão do ajuizamento de uma ação para o fim investigatório acima verificado.

Demonstramos com tal passagem a importância do inquérito civil.

Aliás, quando da visão sobre a atuação do Ministério Público no Uruguai na fase investigativa teremos a oportunidade de melhor visualizar esta importância.

Em tempos anteriores à Lei da Ação Civil Pública, tal como visto acima, o Ministério Público tinha de ajuizar ações para que determinadas investigações tivessem efetiva apuração.

Tais registros históricos servem para que realcemos o avanço conquistado com a criação do procedimento investigatório que hoje está a cargo do Ministério Público – em favor da sociedade brasileira –, conquanto pela característica da dispensabilidade – que será adiante analisada – muitos autores e até mesmo aplicadores do Direito se olvidem de ressaltar. A terceira ação ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo também foi promovida em Campinas, na data de 16 de dezembro de 1983, pelo Promotor de Justiça Renato Guimarães Junior.

A ação principal (cominatória), distribuída por dependência à ação cautelar preparatória de interdição de porto de areia clandestino ilegalmente explorado por uma mineradora denominada Ouro Preto, visava proibir a atividade poluidora de extração de areia dos morros à beira da margem do Rio Atibaia e continha também pedido de reparação dos danos causados ao meio ambiente e indenização pelos danos causados ao sistema de abastecimento de água da população campineira134.

Esses três casos ocorridos antes da vigência da Lei n. 7.347/85 já apontavam forte inclinação de vários Promotores de Justiça por uma especialização e atuação voltada à área de

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interesses difusos, o que bem pode ser percebido pela qualidade das iniciais das ações acima apontadas, especialmente porque, apesar de elaboradas há mais de 20 anos, primam pela extrema valia de conteúdo.

O que fizeram esses desbravadores paulistas foi a abertura de via de acesso a uma Justiça, até então pouco pensada pelos ilustres aplicadores do Direito no Brasil.

Em tópico anterior tivemos a oportunidade de indicar as principais Leis brasileiras que influenciaram a criação do sistema coletivo, permitindo o ajuizamento de ações “coletivas”, mas certamente a efetiva atuação do Ministério Público na defesa de interesses transinvididuais se deu com a vigência da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, que trouxe ao cenário jurídico um sistema de reparação por meio de ações coletivas, prevendo a responsabilização objetiva por danos causados aos “bens ambientais”, legitimando o Parquet à referida defesa.

Referida lei obrigou os aplicadores do Direito e, posteriormente, os próprios legisladores a reconhecer a necessidade de um tratamento positivo de referida esfera de interesses, conforme veio a ocorrer com a elaboração da Lei da Ação Civil Pública, com a promulgação da Constituição Federal e com a posterior redação do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor.

No documento FERNANDO HENRIQUE DE MORAES ARAÚJO (páginas 115-119)