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Júlio Londrim Baptista 1 , Jorge Tavares Ribeiro 2 , Pedro Miguel Santos

3. APLICAÇÃO DA METODOLOGIA

A partir dos diversos mapas temáticos de Angola: classificação climática de Köppen (adaptado de Azevedo et al., 1973), carta Étnica (IICA, 1970), Carta Geológica (Carvalho, 1981), Carta Generalizada dos Solos (CEPT, 1968) e Carta Fitogeográfica (Barbosa, 1970); coadjuvados pelas respetivas notícias explicativas e bibliografia complementar, foi elaborado um mapa de síntese de toda essa informação com recurso a um Sistema de Informação Geográfica (SIG) (Baptista, 2015, Baptista et al., 2018).

No SIG foi efetuada uma operação de concatenação do conteúdo dos mapas acima referidos resultando numa base de dados onde se poderá obter a informação temática. Cada polígono resultante do novo mapa (Baptista & Ribeiro, 2016) reúne a informação dos recursos locais. De seguida foram selecionadas 3 áreas localizadas no Sudoeste de Angola (Fig. 3), do litoral para o interior, ao longo do eixo do caminho-de-ferro. A escolha deveu-se aos contrastes geográficos acentuados entre o litoral e o interior a todos os níveis: topográfico, climático, geológico, geomorfológico, pedológico e de coberto vegetal. Do ponto de vista da ocupação humana, para além da diversidade étnica, há igualmente contrastes evidentes em termos de densidades populacionais (baixa densidade na área litoral e relativamente elevada na região mais interior).

Fig. 3. Sudoeste de Angola: mapa relativo à concatenação da informação dos cinco mapas com destaque para as três áreas selecionadas (adaptado de Baptista, 2015).

Estas áreas dispõem de recursos naturais específicos que permitem propor a utilização de materiais construtivos diversos e condições climáticas bem distintas e que sugerem linhas de orientação para projetos também diferentes das seguintes zonas:

PROJECTO 1 - LITORAL SUL, NAMIBE

PROJECTO 2 - PLANALTO INTERIOR, LUBANGO

PROJECTO 3 - BACIA DO ZAMBEZE-CUBANGO, MENONGUE

Como resultado da extensão e diversidade da informação sobre as três áreas de estudo, obtiveram-se três tabelas síntese (Baptista, 2015, Baptista & Ribeiro, 2016) relativas aos recursos e condições geográficas com informação relevante para projeto em arquitetura.

Elaboraram-se os três projetos de habitação (fig. 4), destinados a famílias rurais de cada área, desenvolvendo um programa, com base em informação etnográfica e social atual provenientes de entrevistas e recolha de material de intervenientes na experiência angolana, bem como de outros PED, sobretudo nos domínios do ativismo social, da construção e da arquitetura. O projeto de base assenta numa estrutura com princípios de facilidade de montagem e portabilidade, sem recurso a meios mecânicos elevatórios em obra, permitindo um crescimento modular gradual ao longo do tempo.

Fig. 4. Corte transversal dos projetos no Namibe, Lubango e Menongue.

Verificando-se as diferentes especificidades de cada local, relativas a recursos e constrangimentos, que espelham os contrastes geográficos, os três projetos (um por cada área), obedecem aos seguintes critérios:

 Adaptação climática;

 Utilização dos materiais locais;

 Beneficiação das complementaridades regionais facilitadas pela via-férrea do Namibe: materiais inexistentes numa área poderão vir de outra área, e vice-versa;

 Utilização de tecnologias modernas para otimização dos materiais vernaculares e sua eficácia tecnológica;  Crescimento modular e versátil que facilite a adaptação etnográfica/cultural.

As três áreas também apresentam tipos de clima diferenciados4, tendo sido implementadas estratégias de climatização

passiva diferentes para cada um dos projetos, nomeadamente através da adaptação do programa de arquitetura a várias soluções de ventilação natural, inércia e isolamento térmico.

Relativamente aos materiais de construção locais identificaram-se recursos provenientes da geologia tais como: cal, gesso, calcários, mármores e grés na área do Namibe (projeto 1); granitos no Lubango (Projeto 2) e areias em Menongue (projeto 3). Quanto à pedologia, em Namibe e Menongue, como os solos são arenosos com pouca argila, preconizou-se a produção de tijolos de blocos de terra comprimida. Em Lubango, com solos argilosos, são propícias técnicas de terra crua, como o adobe, e o desenvolvimento de produtos de cerâmica.

Os recursos vegetais são escassos no Namibe mas existem bosques e savanas no Lubango com abundância de gramíneas, que podem ser utlizadas em painéis de revestimento e coberturas, assim como a existência de eucaliptos e pinheiros para estruturas e diversos tipos de design de equipamento. Em Menongue existe uma floresta aberta seca, propícia ao desenvolvimento de produtos de laminados de madeira.

4. CONCLUSÃO

Os contrastes geográficos evidenciam-se na materialização dos três projetos, onde as soluções climáticas e materiais/construtivas espelham, pela sua expressão arquitetónica/construtiva, os recursos específicos de cada zona. Na elaboração dos três projetos foram tomados em linha de conta os recursos geográficos locais, tirando partido das complementaridades regionais como uma mais-valia de potencial económico. Procurou-se também um aumento da eficiência dos materiais tradicionais, adicionando materiais industriais globais comumente existentes no mercado angolano, numa lógica de AT no incremento de competências tecnológicas disponíveis para a população local.

Foram consideradas ainda as soluções construtivas para os diferentes equipamentos de uma habitação unifamiliar, tais como caixilharia, portas, rodapés, bancadas de cozinha e instalações sanitárias e mobiliário, que poderão ser produzidos

4 O Namibe (Litoral Sul) carateriza-se por baixas amplitudes térmicas mensais, regularidade das condições térmicas e higrométricas ao longo do ano e elevada humidade. No Lubango (Planalto interior) as condições climáticas apresentam amplitudes térmicas moderadas, irregularidade higrométrica e pluviométrica e as estações seca e húmida são bem definidas. Em Menongue (Cuando-Cubango) ocorrem amplitudes térmicas muito acentuadas (chegando a temperaturas negativas), e elevada irregularidade higrométrica e pluviométrica com as estações seca e húmida igualmente bem definidas.

em oficinas locais regionais, de carácter familiar. Nos bairros habitacionais das zonas rurais, como por exemplo nas zona do Namibe, a escassez deste tipo de equipamento predomina entre a grande maioria das habitações unifamiliares, mas a existência de pequenas oficinas, carpintarias e serralharias, com potencial para a transformação dos recursos locais, numa lógica de baixa tecnologia industrial, é bastante comum (Domingos Júnior, 2017).

Ficou ainda cabalmente demonstrado que a metodologia desenvolvida é uma ferramenta extremamente útil, não só para o projeto em arquitetura, mas, também em projeto de design, de variados equipamentos, onde se pretenda conciliar o desenvolvimento de produtos com o território, e, como fator de empoderamento das populações locais.

REFERÊNCIAS

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01113 - A CIDADE TROCA DE PELE: CONTRIBUTOS DO DESIGN PARA A