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Violeta de Faria Pereira 1 , Cláudia Andreoli Galvão

5. CLUSTERS BRASILEIROS E SUAS TRANSFORMAÇÕES FRENTE À GLOBALIZAÇÃO

Galvão (1999) analisando o complexo manufatureiro calçadista do Vale dos Sinos no Estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil, mostra que esse complexo podia ser considerado um autêntico distrito industrial, por se tratar de uma aglomeração de pequenas e médias empresas, produzindo principalmente um produto específico, em uma área geográfica específica, com um fluxo intenso de informações, alta densidade institucional, contando com a presença de fornecedores de insumos e peças, e fortes valores familiares e sociais. A autora acima referida (Galvão, op. Cit.), coloca que o distrito industrial do Vale do Sinos podia ser comparado aos distritos industriais italianos.

Como a inserção de clusters em CVG pode ter efeitos positivos e negativos sobre sua capacidade competitiva, Meyer- Stamer, Maggi e Seibel (2001) empreenderam um estudo cujo objetivo era analisar os desafios impostos aos clusters industriais frente ao fenômeno da globalização, buscaram analisar os mecanismos pelos quais esses clusters constroem vantagens competitivas locais pelo upgrading de produtos e processos. O cluster cerâmico da região de Criciúma, em Santa Catarina é um três maiores agrupamentos de empresas da indústria de revestimentos cerâmicos no mundo, ao lado de Castellón, na Espanha, e Sassuolo, na Itália.

A indústria cerâmica depende dos fabricantes de bens de capital italianos que oferecem novas opções e estimulam a inovação de produto. A mudança de produto nos revestimentos cerâmicos é acelerada, conduzida pela moda, envolvendo fabricantes de máquinas e de revestimentos cerâmicos, que veem na inovação do produto a principal aliada contra concorrentes. Meyer-Stamer, Maggi e Seibel (2001) relataram os colorifícios têm oferecido assistência ao design e na resolução de problemas no processo produtivo.

Esses autores mostram que na comercialização, inclusive on line, as empresas brasileiras estão à frente das empresas italianas e espanholas, alcançando um alto nível de desenvolvimento na criação de ambientes, conselhos aos consumidores e em show-rooms.

Silva e Garcia (2005) elaboraram em um estudo um paralelo entre dois clusters de revestimentos cerâmicos, um deles na região de Criciúma em Santa Catarina e o outro em Santa Gertrudes, São Paulo, ressaltando as semelhanças e diferenças de estratégias adotadas, analisando o papel da inovação e da busca pela diferenciação do produto através do design. Esses autores relatam que o padrão de concorrência do setor de revestimento cerâmicos organiza-se em torno do preço, da qualidade e da diferenciação do produto e que as empresas de cerâmica precisam levar em consideração resistência, impermeabilidade, funcionalidade e beleza (design) em sua busca por competitividade. Seguem afirmando que os fornecedores de equipamentos e de insumos básicos, principalmente os produtores internacionais de equipamentos (principalmente os italianos) e coloríficos (espanhóis) tem um papel de relevante nas inovações levando a vantagens competitivas importantes, onde as empresas líderes atuam com o mesmo padrão e desenvolvimento tecnológico dos principais centros produtores mundiais. Na concorrência de grandes mercados como o alemão, o americano e até mesmo o brasileiro, a comercialização tende a se concentrar em home-centers e cadeias de lojas especializadas.

Esses autores (Op. Cit.) relatam que abundância de matéria-prima natural, fontes alternativas de energia e disponibilidade de tecnologias embutidas nos equipamentos industriais fez com que as empresas brasileiras evoluíssem rapidamente para produtos cerâmicos de qualidade mundial aumentando a quantidade exportada. Nesse estudo os autores relatam que o tamanho do mercado nordestino e os custos de transportes associados ao baixo valor agregado dos revestimentos cerâmicos levou à desconcentração regional da produção, para a Região Nordeste.

Silva e Garcia (2005) relatam que o cluster de Criciúma (SC) e o de Santa Gertrudes (SP) apresentam histórias e trajetórias distintas e, atualmente, aparecem como competidores, principalmente, no que se refere ao mercado interno. Em geral, a cerâmica Catarinense é mais sofisticada e mais cara que a fabricada em Santa Gertrudes. O cluster de Criciúma é responsável por cerca de um terço da produção nacional e dois terços das exportações (Meyer-Stamer e Seibel, 2002, apud Silva e Garcia, 2005:3640) enquanto o de Santa Gertrudes, responde por cerca de 50% da produção nacional e 15% do total das exportações (Ferraz, 2002, apud Silva e Garcia, 2005:3640). No início da década de 1990, o setor enfrentou uma crise de demanda e mudou a estratégia dos produtores que passaram a modernizar suas empresas, levando ao crescimento da capacidade produtiva a taxas superiores à média nacional, via aquisição, instalação de novas plantas e modernização das pré-existentes aumentando a produtividade.

Esses autores (Op. Cit.) relatam que com relação à comercialização as empresas catarinenses passaram a investir em: showroom, maiores espaços de exposição e treinamento de profissionais de venda. Nas empresas de Santa Gertrudes, onde os preços são a base da competição, a distribuição é realizada por representantes no varejo. Nas exportações o padrão de comercialização é a contratação de representantes comerciais e serviços de tradings. A partir dos anos 1990, a estratégia competitiva baseada em preços foi abandonada devido ao lento crescimento da demanda interna e do aumento da capacidade produtiva das empresas de Santa Gertrudes que tornou os preços não competitivos. As empresas líderes catarinenses perceberam a ameaça dos produtores de Santa Gertrudes cujos preços eram mais competitivos, embora a qualidade de seus produtos e o segmento de mercado em que atuam funcionasse como proteção para suas posições de mercado.

Para Silva e Garcia (2005) a crise dos anos 90 pediu a redefinição das estratégias competitivas por parte das empresas do cluster catarinense, que passaram a buscar novas vantagens competitivas ao alterar, priorizar e investir em estratégias de marketing, de vendas e de distribuição. Além disso, a ênfase no mercado externo ganhou importância, nos dois polos. Vargas e Alberton (2009) analisaram as empresas cerâmicas estabelecidas no cluster cerâmico da região sul catarinense, de 2000 a 2008, através de uma pesquisa com empresas do cluster. Vargas e Alberton (2009) identificaram as modificações decorrentes de novas variáveis como a implantação do gás natural, novas tecnologias (como o grês- porcelanato que foi fundamental na conquista de mercados), a valorização cambial e a expansão da economia da China, que afetaram esta indústria tanto pelo lado da produção quanto pela demanda de produtos.

Os autores ainda relatam que a partir dos anos 1990 ocorreu o aprofundamento da concorrência no setor cerâmico, mas esse processo não se encerrou naquele período, tornou-se uma constante nos anos 2000 que introduziu além das estratégias relacionadas às inovações, também estratégias como a relocalização de fábricas, a aquisição e mudança de capital de empresas. Inovações de produtos, processos e organizacionais começam a ser implantadas, como fechamento de antigas unidades, ampliação e abertura de novas plantas, fusões e aquisições e a importação de bens de produção (fundamentalmente da Itália e da Espanha) e utilização de novos métodos de organização e terceirização. O setor de revestimentos cerâmicos viu-se obrigado, pela retração do mercado interno, a direcionar considerável percentual de sua produção ao exterior. Paralelo a isto, a baixa taxa de câmbio incentivou a presença dos produtos chineses no Brasil, aumentando a concorrência interna e consequentemente baixando a rentabilidade no mercado interno.

As empresas cerâmicas estabelecidas no cluster cerâmico da região de Criciúma apropriam-se de importantes externalidades oriundas de um conhecimento que vêm se desenvolvendo desde os anos 1950, assim o cluster cerâmico da região de Criciúma acabou por transformar-se em uma das mais importantes regiões de desenvolvimento e produção de produtos cerâmicos do país.

Em se tratando do setor têxtil que é importante segmento industrial na economia brasileira. O Brasil exportou em 2006 pouco mais de dois bilhões de dólares em produtos têxteis. O setor participa com 5,2% do faturamento total da indústria de transformação e 17,3% do emprego, se constituindo no segundo maior empregador do Brasil (Sevegnani e Sacomano,

2008, p. 2). Os investimentos em máquinas cresceram em 2006, superando US$ 660 milhões no ano, onde 70% destes investimentos são direcionados a equipamentos importados. (Op. Cit., 2008, p. 2).

O arranjo produtivo de Monte Sião que experimentou um crescimento econômico substancial nos anos 90 com grandes fluxos migratórios e abertura de centenas de novas iniciativas, levando ao excesso de mão-de-obra especializada e excessivo fornecimento de confecções de malha que resultou em queda dos preços, reduzindo-se a remuneração da força de trabalho e o número de empresários.

No início dos anos 2000, no entanto, Monte Sião experimentou um segundo salto econômico, caracterizado pela reestruturação produtiva. As iniciativas não estruturadas tenderam a desaparecer e as pequenas empresas familiares, aumentaram os investimentos em design e moda, oferecendo produtos diferenciados a novos nichos de mercado e, ocasionalmente, fornecendo peças para grandes marcas e redes nacionais. Monte Sião conseguiu superar seus problemas por meio da reestruturação produtiva, seguindo as tendências e os contatos com o setor de moda de Paris e Milão. Com roupas de tricô em novos materiais e tecidos sintéticos (viscolycra), a cidade manteve os fluxos de turistas e comerciantes durante períodos tradicionalmente menos ocupados, garantindo a manutenção da atividade econômica e o crescimento sustentado.

O objeto de estudo de Sevegnani e Sacomano (2008) é o setor têxtil de vestuário do Cluster do Circuito das Malhas. As pesquisas realizadas em mais de 20 malharias evidenciaram a pujança econômica do cluster. O objetivo desse trabalho foi estudar as estratégias industriais no Cluster do Circuito das Malhas, no processo produtivo e nas máquinas e equipamentos, estudaram também como a tecnologia influencia as estratégias industriais e as competitivas.

O cluster do circuito das malhas de tricô, estudado por Sevegnani e Sacomano (2008), encontra-se parte no Estado de São Paulo e parte no Estado de Minas Gerais e é composto pelas cidades de Amparo (SP), Serra Negra (SP), Socorro (SP), Lindóia (SP), Águas de Lindóia (SP), Monte Sião (MG) e Jacutinga (MG). A maioria destas cidades são, também, estâncias hidrominerais, fazendo parte do circuito das Águas, e são visitadas por turistas durante o ano todo, aumentando o comércio na região. O tricô tem como produto final: blusas, agasalhos e jaquetas masculinos e feminino, vestidos, coletes masculinos e femininos, cardigans, cacharréis, conjuntos de blusas e casacos, sobretudos femininos, saias, camisas polo masculina e até mesmo boinas. As malharias do cluster abastecem as lojas da própria cidade, as das cidades vizinhas e São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e região Sul do país. Há muitas malharias que funcionam nas próprias casas dos moradores, que fabricam malhas prontas ou tecidos para malharias maiores.

O cluster têxtil possui representação da indústria de máquinas têxteis mundial, atuando na esfera das vendas, da manutenção, da instalação e do treinamento de mão-de-obra.

Uma estratégia muito comum utilizada nesse cluster é a aliança de negócios com grandes magazines que orientam as malharias sobre os modelos de malhas a serem produzidos, bem como exigem qualidade nas malhas produzidas pelo cluster. Muitas malharias utilizaram como resposta à abertura do mercado a terceirização, melhor negociação com fornecedores e redução de custos de produção, sendo que algumas malharias demitiram funcionários e venderam equipamentos, outras não resistiram e fecharam.

Muitas malharias no cluster trabalham com peças simples de tricô, sem detalhes, vendidas ao público de menor renda, mas esse nicho enfrenta a concorrência chinesa de baixos custos, o que fez muitas delas encerrarem suas operações ou as tenham transformando em fornecedores de malharias maiores. Algumas malharias investiram em modernização de máquinas, treinamento de funcionários, informatização dos processos produtivos. Adquirindo máquinas com tecnologia mais avançada, fabricando produtos de maior qualidade, maior quantidade de detalhes e aumento de produtividade, gerando maior valor agregado, minimizando custos e maximizando lucros.

Os autores concluíram que houve grandes mudanças no cenário brasileiro industrial após a abertura econômica ocorrida na década de 90. Isso demandou muita habilidade das malharias, no sentido de buscar novas maneiras de produzir para se diferenciar, sobreviver e continuar atuantes no mercado. Algumas pereceram ou reduziram seus tamanhos a pequenas malharias que atendem às grandes ou vendem seus produtos enfrentando a competição chinesa.

A produção de calçados no Brasil, particularmente, a do arranjo calçadista do Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, é responsável pela maior fatia da produção brasileira de calçados destinada a mercados no exterior. Costa (2009) empreendeu um estudo para tentar elucidar a direção que seguiram os ajustes empreendidos por empresas brasileiras de calçados e instituições vinculadas ao setor, particularmente no arranjo produtivo do Vale do Sinos. O argumento central desse autor é de que frente aos novos desafios competitivos é preciso considerar não só aspectos de sua organização industrial, mas também a história de sua inserção no mercado internacional e os fatores que têm determinado a dinâmica competitiva dessa atividade.

Costa (2009) analisou como empresas e instituições do setor calçadista se ajustam para fazer frente ao ambiente competitivo gerado pelas pressões oriundas do surgimento de novos concorrentes que se beneficiam de custos mais baixos de produção, devido aos custos de mão-de-obra. Costa (Op. Cit.) fala da presença agressiva da China e outros países asiáticos no comércio internacional, que com produtos baratos têm despertado a apreensão de empresas, trabalhadores e governos de diferentes países. Costa (Op. Cit.) relata que a produção de calçados no Brasil até o final da década de 1960 esteve associada ao mercado interno, com níveis de sofisticação compatível com a renda per capita relativamente baixa. A dimensão continental do país e o tamanho da população, por sua vez, permitiram a sobrevivência de uma estrutura

industrial de certa magnitude que somadas à difusão da arte de fabricação de calçados constituíram uma organização produtiva formada por pequenas e médias empresas, em aglomerações no espaço geográfico. Nesse cenário destaca-se o Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, e Franca, no estado de São Paulo, que exibe até então, manufatura com marcadas características artesanais, fabricando os seus próprios componentes.

Esse autor relata que a partir do final da década de 1960, a produção de calçados se expande no mercado externo, incorporando baixos salários e oferta abundante de mão-de-obra, bem como aos incentivos fiscais e financeiros e taxa de câmbio favorável, junto de ações de agentes locais na promoção do setor, e a presença de uma estrutura produtiva mínima que garantiu a efetividade da produção. Já acesso aos mercados foi garantido por missões comerciais e realização de feiras realizadas por empresários e pelas lideranças do setor.

Costa relata (Op. Cit.) que a partir dos anos 1990, a indústria passa a se defrontar com pressões competitivas oriundas do surgimento de novos concorrentes que se beneficiam de custos mais baixos de produção, devido à vantagem comparativa do preço de sua mão-de-obra, assim torna-se cada vez mais problemática a sua sustentação no exterior. Costa (Op. Cit.) segue relatando que de 1990 até 1999 o setor de calçados brasileiro entra em uma fase de declínio, devido à forte valorização da taxa de câmbio em decorrência do programa de estabilização da economia (Plano Real) e juros elevados, onde o resultado é uma perda de competitividade dos calçados brasileiros nos mercados interno e externo. Esse autor segue relatando que o país assistiu à penetração de calçados chineses em seu mercado doméstico e à demissão de milhares de trabalhadores, particularmente no Vale do Sinos, o que levou o setor a adotar uma estratégia de ajuste, mesclando modernização produtiva, demanda por proteção comercial e deslocamento de unidades de produção em direção ao Nordeste brasileiro em função dos incentivos fiscais, financeiros e do custo da mão-de-obra.

Costa (Op. Cit.) relata que a participação no seu principal mercado, os Estados Unidos, tem declinado diante da produção oriunda da China, assim, a competição com base em preço torna-se cada vez mais difícil diante das melhores condições oferecidas pela China e outros países asiáticos.

Para Costa (Op. Cit.) as grandes empresas têm continuado em sua estratégia de deslocar unidades fabris para o Nordeste brasileiro, mas buscam também atuar com marca própria, se diferenciar no mercado mediante o desenvolvimento de design, diversificando mercados no exterior e têm procurado vender diretamente para o importador final via subcontratação. A deslocalização para o Nordeste mostrou-se positiva, os investimentos tiveram um efeito multiplicador na competitividade da cadeia de calçados, criando melhores condições para a produção e difusão de tecnologias modernas. Contudo, segue afirmando Costa (Op. Cit.), transitar de um padrão de competição em que o custo é o fator de competitividade para um outro que solicite novos conhecimentos e recursos, bem como exploração de novas oportunidades, requer o estabelecimento de novos tipos de relacionamento e maior aproximação. Esse autor enfatiza que a adaptação ao quadro de mudanças também ocorre com as pequenas e médias empresas, embora encontrem maiores dificuldades em função de suas limitações financeiras e de organização, já percebem a importância de incorporar o design como uma ferramenta e já colocam alguma produção com sua marca em países da América Latina.