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Fillipe O Feitosa 1 , Jan Wolf 2 , João Lourenço Marques

2. QUADRO TEÓRICO

2.1 Justiça Social é Complexa de ser Alcançada

É possível encontrar na literatura diversas concepções de justiça social e dos meios para alcançá-la. Existem duas dicotomias que, desde logo, criam o pano de fundo para esta discussão concetual: em primeiro lugar, a igualdade de oportunidades pode ser contrastada com a igualdade de resultados (Coleman, 1973); em segundo, os princípios políticos de Rawls da justiça como equidade, contraste com a ideia de estado mínimo proposto por Nozick (Shaefer, 2007). No que diz respeito à distribuição, ou redistribuição, de recursos no contexto do planeamento urbano é fácil perceber como a aplicação destes conceitos se torna ao mesmo tempo complexa e necessária. Complexa porque envolve a aplicação de conceitos teóricos nem sempre fáceis de serem traduzidos para realidade e necessária, uma vez que o objeto de investimento é a verba pública.

Deste modo, como se podem considerar os princípios de justiça apresentados para planear a distribuição justa de equipamentos de serviço público, como escolas, hospitais, delegacias de polícia e demais SIG? Não obstante a preocupação natural com a localização física do equipamento, custo e uso do solo por exemplo, é necessário ponderar as questões de acesso.

Para desenvolver esta temática, a acessibilidade é definida como a facilidade de se chegar a um determinado destino (Duranton e Guerra, 2016). Essa medida compreende dimensões quantitativas como tempo e custo, mas também envolve aspectos qualitativos que são muito específicos de cada equipamento.

A importância de observar diferentes aspectos do espaço urbano e da população no planeamento pode ser observada no seguinte cenário fictício: um hospital instalado num lugar onde não existe transporte público e o acesso a peões é limitado. É possível assumir que houve falha no planeamento e como tal, a instalação do hospital pode ser considerada injusta a partir de um princípio que considera equidade e as capacidades do indivíduo em aceder ao serviço (Sen, 2005). Ainda na ótica das capacidades do indivíduo, é possível levantar fatores socioeconômicos como critérios para determinar distribuições justas. Avaliar quais grupos estão mais expostos a uma maior quantidade de serviços revela as desigualdades pelo território e indica quais grupos possuem não só diversidade de serviços, mas também real poder de escolha. Para Sen, capacidade pode ser entendida como o poder, ou a liberdade, que um indivíduo tem de ser ou fazer (Sen, 2005). Nos casos extremos de muitas opções de serviços e poucos recursos (dinheiro, tempo, saúde por exemplo) ou mesmo muitos recursos mas com a opção de ter somente um restaurante num raio de 2 quilômetros para uma refeição, é possível observar que nestes casos existe injustiça, aplicada no conceito de justiça espacial, na ótica de Sen.

Outros princípios também trabalham com a ideia de equidade, mas numa perspectiva absoluta para garantir iguais oportunidades, uma vez que os direitos e liberdades básicas devem ser assegurados (Nozick, 2003). A visão libertária de justiça social acredita, nessa perspectiva espacial, que a configuração de SIG consequente do livre mercado é a mais justa, uma vez que este é guiado por adultos conscientes que negociam e usufruem dos resultados dessa negociação (Pereira, Schwanen & Banister, 2016). Uma avaliação de justiça nesses termos implica em entender a dinâmica do mercado imobiliário e fazer a avaliação da oferta de amenidades com a de serviços básicos. Um exemplo concreto pode ser comparar a criação de escolas privadas em áreas de demanda que o Estado não intervém, mesmo que parcialmente. Uma das correntes de pensamento que mais influenciam em tomadas de decisão é o Utilitarismo. Principalmente por ser o fundamento ético das análises de custo-benefício (Hausman & McPherson, 2006), largamente usada para definir políticas públicas. Para quem defende esse posicionamento, a distribuição mais justa é aquela que maximiza o bem estar da maior parte da população (Pereira et al., 2016), dessa forma, é necessário que as necessidades da maioria das demandas sejam atendidas.

2.2 Desafios no planeamento urbano

O objetivo do planeamento é estabelecer procedimentos para alcançar um dado objetivo social preestabelecido. É incorreto afirmar, não obstante, que um plano bem elaborado garante o sucesso de um projeto: afinal, é possível observar a quantidade elevada de projetos n que ora não dão resultados, ora dão resultados negativos inesperados (Antônio, 2006), ainda que se garanta o processo de implantação.

O que impede a alocação arbitrária de recursos em políticas públicas é o caráter representativo dos agentes com poder de decisão. Uma vez eleitos, é necessário que implementem políticas alinhadas com a expectativa pública, para evitar o desperdício de verba arrecadada do contribuinte.

Entre a eficiência, a equidade e a aplicabilidade prática, que são três dimensões relevantes para a avaliação de políticas públicas, a questão da eficiência é aquela que tem desenvolvido um quadro teórico e conceitual mais amplamente aceito (Bellinger, 2015). Primeiro, devido a questão da representatividade abordada no parágrafo anterior, mas também por os recursos serem finitos.

Qual deve ser então a melhor forma de gerir os recursos para colocar um plano em prática? Em outras palavras, qual a forma eficiente de alocar recursos públicos?

Eficiência pode ser entendida como o proceder que permite chegar ao melhor resultado minimizando os custos. Mas a ideia de melhor resultado é vinculada aos objetivos da política, ou seja, a alocação de recursos eficiente depende diretamente de quais foram os objetivos definidos. A questão que se levanta dessa colocação é a da importância de se discutir quais são esses objetivos, como são pensados, sob qual perspectiva teórica são fundamentados.

É fundamental adicionar no processo de planeamento as variáveis e restrições que dialogam com tais objetivos. A localização ideal para construção de um equipamento de saúde é diferenciada para para localidades onde há redução populacional e onde há plena expansão da população. Variáveis como percentual da população aposentada, expectativa de vida e potencial econômico da região são importantes para alocação de recursos públicos, inclusive para criar uma expectativa de longo prazo dos planos e das políticas públicas (Mandl, 2008).

A questão da eficiência dialoga com o princípio de equidade. Leventhal critica a equidade do ponto de vista prático, e define a equidade como a necessidade de distribuir os serviços de forma justa e imparcial (Leventhal, 1980). Apesar das

críticas, parece ser razoável afirmar que os planos e políticas públicas devem ser elaborados para toda a população. Oferecer serviços de forma ampla e indiscriminada é, portanto, uma obrigação que deve nortear o planeamento. É possível observar dois desafios que a busca pela equidade levantam, o primeiro trata da discussão sobre o que é justo para todos, o segundo se relaciona com a finitude dos recursos, mencionada na discussão pela eficiência.

Sobre o ponto da justiça para todos os envolvidos, um indivíduo é levado a crer que a situação mais justa, uma distribuição equitativa, é aquela onde os resultados são iguais para todos. Grand apresenta essa ideia como a equidade de resultados e apresenta a dificuldade de equacionar a balança entre o que todos os envolvidos possam entender como resultados justos, pois para oferecer um cenário razoável é necessário compreender o contexto, as circunstâncias da situação inicial e das justificativas para implantação desse plano (Grand, 2006).

Imagine então a complexidade de elencar os contextos de todos os envolvidos para elaboração de uma política pública, criação de um projeto de lei ou a localização de um novo hospital, por exemplo. Seria necessário um esforço homérico para capturar cada uma dessas necessidades e considerá-las na elaboração de qualquer proposta.

3. PROBLEMATIZAÇÃO