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2 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA APLICADA AOS IMPOSTOS EXTRAFISCAIS

2.2 Capacidade contributiva na Constituição Federal de 1988

2.3.2 Aplicabilidade da capacidade contributiva aos impostos extrafiscais (que exprimam

Por todo o exposto, induvidoso compreender que a capacidade contributiva se relaciona com os tributos extrafiscais ambientais, mas, até então, ainda está explícito como ela pode ofertar parâmetros que busquem resguardar os direitos fundamentais do contribuinte. Perquirir se, de fato, a capacidade contributiva explica tudo e, ao mesmo tempo, não explica nada57, não restaria possível em sede de uma dissertação. Todavia, explicitar de quais modos a capacidade contributiva, ao se relacionar com a extrafiscalidade, pode tornar os impostos extrafiscais ambientais mais adequados à realidade constitucional, mostra-se possível e necessário.

Mesmo o discurso promotor de um direito fundamental como o tablado não pode se prestar a desvalorizar o texto constitucional sob um pretenso argumento de sua valorização, haja vista que existem previsões de limitações diretas e expressas no bojo da Constituição ao legislador tributário que, caso relativizadas e flexibilizadas demasiadamente, acabariam por enfraquecer a ideia mais cara de superioridade constitucional.

Existem limitações constitucionais ao poder de tributar expressas e previstas diretamente no texto constitucional e, por isso, devem ser respeitadas, ainda quando da utilização do fenômeno extrafiscal. Em verdade, a utilização dos tributos com finalidades diversas da arrecadação deve possuir limites que respeitem as previsões da Constituição, ainda quando vise à promoção de um direito fundamental como o do meio ambiente ecologicamente equilibrado. À medida que a imposição tributária extrafiscal extrapola os limites ditados por outros direitos fundamentais e demais princípios constitucionais, há uma verdadeira inconstitucionalidade mascarada pela pretensão de uma maior margem de liberdade de conformação atribuída ao legislador na extrafiscalidade, bem como pela argumentação do fundamento de validade constitucional.

Ademais, caso se admitisse a total inaplicabilidade da capacidade contributiva à extrafiscalidade, poderia ocorrer a admissão correlata duma verdadeira inconstitucionalidade mascarada pela pretensão de discricionariedade da eleição de qualquer critério para dosimetria do tributo que se atrele ao fim buscado com a utilização da via extrafiscal, ainda       

57 Na opinião de EINAUDI, citado por Jose Manuel Rodríguez Muñoz: “«Capacidad contributiva..., este par de

palavras que se escapan de los dedos, se escurren inaprehensiblemente y vuelve a aparecer a cada momento, inesperado y persecutório..., con ese par de palavras se explica todo... ». Se explica todo, y por desgracia, no explican gran cosa”. (MUÑOZ, Jose Manuel Rodríguez. La alternativa fiscal verde. Valladolid: Lex Nova,

que ele não mantivesse relação com algum signo de riqueza. Cita-se, como exemplo, um determinado imposto que tome por base o risco em potencial que uma determinada atividade representa ao meio ambiente, mas, que no exercício da produção econômica, obtenha-se um modo de se o eliminar, de maneira que ele não se atrele mais à atividade. (v.g., risco que, apesar de se relacionar com o meio ambiente, deixou de se ligar com a atividade econômica desempenhada).

Reforce-se que, neste trabalho, não se intenta realizar a desqualificação dos tributos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental, negando-lhes a natureza tributária; pelo contrário, o que se pretende realizar é, sob uma ótica de valorização dos ditames constitucionais relacionados a priori, uma justificação constitucional desses tributos, de modo que não percam sua natureza tributária58. Visa-se, ainda, estabelecer uma medida para harmonizar as tensões estabelecidas entre liberdades, propriedade e meio ambiente, por intermédio de uma releitura de como ocorre a aplicação da capacidade contributiva aos impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental. Dessume-se que o problema não reside, então, em retirar a natureza tributária dos impostos extrafiscais, mas em tornar explícito que mesmo os tributos extrafiscais possuem natureza tributária59.

Dessa natureza tributária decorre o dever de obediência aos limites impostos à tributação, de modo que uma maior margem de atuação dos Poderes estatais não autoriza, ainda que para promover direitos fundamentais, relativizações apriorísticas excessivas de outros direitos igualmente fundamentais do contribuinte albergados pelo conteúdo da capacidade contributiva. Nesse diapasão, uma tributação ambiental cuja fundamentação advém de uma interpretação mediata da Constituição, conquanto possa provocar uma relativização do princípio da capacidade contributiva, deve buscar um mínimo de respeito para que, como exposto anteriormente, não desnature a natureza de tributo e não despreze comandos constitucionais diretamente direcionados às limitações do poder de tributar.

A capacidade contributiva, por todo o exposto, é um instrumento que visa a solucionar tal problemática, impondo limites ao fenômeno extrafiscal em bem determinadas situações, ainda quando para promoção de direitos fundamentais que colidirão com outros resguardados pela mesma ordem constitucional. Aduz-se, ademais, que a explicação desenvolvida no início deste capítulo concernente à previsão constitucional do princípio da       

58 Cf. AMARAL, Paulo Henrique do. Direito Tributário Ambiental, p. 97.

59 A natureza de tributo é inerente ao mecanismo da extrafiscalidade. Como preleciona José Marcos Domingues:

“a destinação extrafiscal do tributo não altera a natureza jurídico constitucional do instituto e não libera o Legislador para através dele burlar a Constituição e o senso comum de Justiça.”. (DOMINGUES, José Marcos.

tributação segundo a capacidade contributiva do cidadão, consagrado no art. 145, § 1º, da CF/8860, como princípio orientador do Sistema Tributário Nacional,61 que atua de modo específico sobre a produção legislativa genuinamente tributária, igualmente reforça a argumentação desenvolvida nesta subseção do trabalho.

Ao se cogitar de uma extrafiscalidade que não aceite as imposições do princípio da capacidade contributiva, não somente em questões ambientais, mas também em outras, abrir-se-ia espaço para que as situações antes descritas como indesejáveis ocorressem. É nesse sentido que se destaca o dito princípio como um limite à técnica da extrafiscalidade em situações bem específicas. Por esses mesmos motivos, os impostos extrafiscais que exprimem finalidade ambiental necessitam respeitá-la62, com a particularidade de que neles faz-se possível a identificação de algum elemento objetivo que se ligue a alguma situação (des)onerada (por aqueles impostos extrafiscais) e que viabilize uma aferição, ainda que indireta, de maior ou menor mensuração da riqueza envolvida na relação tributária.

Cumpre, todavia, no vertente trabalho, evidenciar de que maneira e em que espécies de impostos extrafiscais é possível se utilizar da aplicação da capacidade contributiva, indo além da concepção do seu método de aplicação como espécie normativa princípio63, para trazer balizamentos à extrafiscalidade mediante um processo de justificação       

60 O texto do art. 145, § 1º, da CF/88 determina que: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”.

61

Alfredo Augusto Becker entende que “o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva é uma

genuína regra de Direito Natural”. (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 2002, p.

491). Hugo de Brito Machado caracteriza a o princípio da capacidade contributiva como princípio de justiça: “Aliás, pode-se mesmo entender que independentemente de previsão constitucional explícita, o princípio da capacidade contributiva deve ser visto como um princípio de justiça”. (MACHADO, Hugo de Brito. Os

princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 85.).

Também define a capacidade contributiva como princípio de justiça Fernando Sainz de Bujanda: “En nuestro

sistema, el reparto de la carga tributaria ha de producirse con arreglo a un criterio de justicia que aparece constitucionalizado; esto es, incorporado a nuestras leyes fundamentales. Me refiero al principio de la capacidad contributiva.”. (SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y derecho: estudios de derecho

financiero. t. III. Madri: Instituto de Estudios Políticos, 1963, p. 414).

62

Cf. SELICATO, Pietro. Capacitá contributiva e tassazione ambientale. In: TÔRRES, Heleno Taveira. (Org.).

Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 256.

63 A aplicação da capacidade contributiva como princípio decorre do próprio texto constitucional, como

esclarecem Douglas Yamashita e Klaus Tipke: “Portanto, na verdade, a expressão ‘sempre que possível’ visa a esclarecer que o art. 145, §1º, não é uma regra, mas sim um princípio, pois consiste num comando de

maximização de eficácia, que pode ser cumprido em diferentes graus”. (YAMASHITA, Douglas. TIPKE, Klaus.

Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva, p. 54). O objetivo do presente trabalho ultrapassa,

contudo, a compreensão de que a capacidade contributiva pode ser cumprida em diferentes graus e pretende demonstrar de que modo isso ocorre nos impostos extrafiscais de finalidade ambiental, não apenas mediante o juízo de proporcionalidade, tipicamente aceito para a aplicação da espécie normativa princípio. Busca-se, pois, indicar a capacidade contributiva como meio hábil a apontar um critério que possui aptidão para desempenhar papel de norteador interpretativo tendente à obtenção de uma maneira de limitar a liberdade de conformação do legislador naqueles impostos de modo supostamente mais objetivo, pautado em critérios aferíveis mediante constatações de situações fáticas. O método sugerido nesta pesquisa para controlar o uso desses impostos, que

constitucional que evite que esse poderoso instrumento indutor de condutas preste-se à consagração de um arbítrio encoberto pelo manto de uma pretensa discricionariedade, ou, pelo menos, de maior amplitude de atuação dos Poderes estatais, fato que poderia implicar em desonerações odiosas ou em onerações juridicamente insustentáveis.

Apesar da relevância do exposto, constatar que, em algum grau, existe a irradiação de eficácia da capacidade contributiva em impostos extrafiscais ambientais revela- se insuficiente para concluir a proposta central desta dissertação, pois necessário se faz demonstrar também de que modo isso ocorre nos impostos extrafiscais que exprimam finalidade de proteção ambiental não apenas mediante o juízo de proporcionalidade tipicamente aceito para a aplicação da espécie normativa princípio, pelo que se empreende uma divisão didática do conteúdo da capacidade contributiva, para, posteriormente, sugerir-se uma classificação aos impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental.