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2 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA APLICADA AOS IMPOSTOS EXTRAFISCAIS

2.2 Capacidade contributiva na Constituição Federal de 1988

2.3.1 O contexto indireto da extrafiscalidade ambiental em matéria de tributação

Face às considerações anteriormente expendidas, pode-se concluir que retirar totalmente a aplicabilidade da capacidade contributiva dos impostos extrafiscais (que exprimam finalidade ambiental) acarretaria enfraquecimento da supremacia constitucional, à medida que surgiria a possibilidade de imposição de restrições indevidas à propriedade e à liberdade do contribuinte, direitos fundamentais diretamente albergados pelas limitações contidas no sistema tributário constitucional brasileiro47, diretamente resguardados pelo conteúdo do princípio da capacidade contributiva e diretamente previstos no texto constitucional, em seu Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”).

Chama-se atenção, portanto, para a maneira como são realizados o resguardo e a promoção daqueles direitos em sede constitucional. Consoante já mencionado, a Constituição, ao resguardar as liberdades e a propriedade, bem como ao promovê-las, o faz de maneira

direta; a extrafiscalidade, por indicação do texto constitucional, ao promover e resguardar o

direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, realiza-o de maneira indireta.48       

46 Para compreensão da capacidade contributiva como elemento caracterizador da natureza do tributo, salienta-se

a opinião de Antônio Lópes Diaz: “Para que esas detracciones coactivas puedan considerarse como tributos,

además de presentar una estrutura tributaria, no deben violar los elementos característicos del tributo que son: un presupuesto basado en la idea de capacidad económica y su función de contribución a las cargas públicas”.

(DIAZ, Antonio López. Las modalidades de la fiscalidad ambiental. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de (Org.). Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba: direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 29.). Mencione-se, ainda, a concepção de Hector Villegas, que também compreende a capacidade contributiva como integrante da caracterização jurídica do tributo. Cf. VILLEGAS, Hector. Curso de direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 87.

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Sobre a influência que a propriedade desempenha nas limitações constitucionais ao poder de tributar, Hugo de Brito Machado aduz que: “A garantia constitucional do princípio da propriedade privada impõe a existência do tributo, mas impõe também limitações ao exercício do poder de tributar. Assim é que, além das limitações constitucionais ao poder de tributar, já de todos conhecidas, expressamente estabelecidas no texto da Constituição, podem ser enunciadas outras limitações, que neste se encontram implícitas.”. (MACHADO, Hugo de Brito. Direitos fundamentais do contribuinte, p. 134) No mesmo sentido: Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema

constitucional tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 74.

48 A lembrança de que a capacidade contributiva se liga diretamente a direitos fundamentais é feita por Diogo

Tavares: “Pela estrutura desse pressuposto subjetivo, constata-se que ele objetiva proteger direitos fundamentais caros à humanidade e, no caso brasileiro, expressa e ostensivamente previstos na Constituição Federal, quais sejam: o direito a uma vida digna, que propicie não só a subsistência do particular, mas também a concreta possibilidade de ele desempenhar as liberdades que lhe são asseguradas (de trabalho, de locomoção etc.); e o direito de propriedade, de fruir daquilo que auferiu nas suas atividades e que lhe permite, justamente, ter a mencionada vida digna. Esses direitos são protegidos de maneira direta pela capacidade contributiva como pressuposto subjetivo, porque o seu conteúdo é, justamente, o de impedir que a incidência tributária prejudique- os ou limite-os. É evidente ser possível defender que a extrafiscalidade também visa a promoção dos direitos fundamentais. Todavia, essa promoção, a nosso ver, é indireta, pois o incentivo ou desincentivo por meio da tributação estimulará os particulares a, por sua vez, adotarem condutas que vão ao encontro das finalidades

Com efeito, liberdades e propriedade são resguardadas da tributação de diversas maneiras, quer pelas limitações constitucionais ao poder de tributar, quer pela capacidade contributiva enquanto princípio, quer, ainda, implicitamente, na Constituição. O ambiente ecologicamente equilibrado, apesar de estar expressamente previsto na Constituição, só recebe a tributação como instrumento propulsor de maneira indireta, por interpretação do art. 170, VI, da Constituição Federal de 1988, bem como por irradiação de seu art. 225.49

Todavia, não se pretende, com o raciocínio anterior, afirmar que o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado restou indiretamente protegido pela Constituição. Diversamente disso, reiterou-se em variadas ocasiões ao longo do trabalho que sua proteção ocorre de modo direto em vários dispositivos constitucionais50. O que se objetivou com as considerações antecedentes foi meramente elucidar que a proteção ambiental obtida mediante utilização da extrafiscalidade decorre de uma maneira indireta de se a obter, sem existir previsão expressa na Constituição de quais medidas efetivamente devam ser adotadas para tanto. Por essa ausência de especificação constitucional de quais medidas devam ser adotadas para garantir mais efetividade ao direito ao ambiente, sem pormenorizar quais condutas devam ser (des)incentivadas pela tributação extrafiscal, as quais, mesmo que promovam finalidades constitucionais, só garantem sua efetividade mediatamente, é que se fala em contexto indireto da extrafiscalidade ambiental no direito brasileiro. A efetividade do meio ambiente é garantida indiretamente pela realização de condutas (des)incentivadas pela tributação; por outro lado, propriedade, igualdade e liberdade são diretamente resguardadas dessa mesma tributação por disposições constitucionais expressas. Assim, mesmo que a previsão constitucional de utilização da extrafiscalidade em matéria ambiental seja expressa, a        

constitucionais, as quais, estas sim, garantem o exercício ótimo daqueles direitos. Dessa maneira, a partir do momento em que a capacidade contributiva como pressuposto, em sua faceta subjetiva, protege de maneira mais imediata e direta os objetivos consagrados na Constituição, a tributação, mesmo a extrafiscal, deve obediência a esse conteúdo do princípio”. (TAVARES, Diogo Ferraz L. A capacidade contributiva na tributação extrafiscal. In: DOMINGUES, José Marcos. (coord.). Direito tributário e políticas públicas, p. 106.).

49 Em intepretação do art. 170, VI, da CF/88, dizem Fábio Gonçalves e Janssen Murayama, é que se pode inferir

que a tributação desempenha uma função auxiliar na proteção do ambiente, já que o termo “tratamento diferenciado” poderá se referir a diversos outros setores do Direito que não ao Direito Tributário. Ademais, o

caput, do art.170, e os seus demais incisos, a exemplo dos incisos II e IV, resguardam as liberdades e a

propriedade diretamente. Eis a manifestação daqueles autores:“É bem verdade que o dispositivo não prevê expressamente que o ‘tratamento diferenciado’ será efetivado mediante uma carga tributária distinta, mas o simples fato de o dispositivo ter sido modificado no bojo da Reforma Tributária serve como mais do que um indício de que instrumentos tributários destinados à defesa do ambiente serão criados em um futuro muito próximo.” (GONÇALVES, Fábio G.; MURAYAMA, Janssen Hiroshi. Releitura do princípio da capacidade contributiva sob a ótica do direito tributário ambiental. In: GONÇALVES, Fábio F, et. al. Direito tributário

ambiental, p. 32.).

50 A defesa do meio ambiente espraia-se pela Constituição. Cf. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 256: “Também a esse princípio a Constituição desde logo,

especialmente em seu art. 225 e parágrafos – mas também nos seus arts. 5º, LXXIII; 23, VI e VII; 24, VI e VIII; 129, III; 174, §3º; 200, VIII e 216, V – confere concreção.”.

obtenção da efetividade do ambiente é garantida de maneira indireta, apenas pelo (des)estímulo a condutas com ele correlatas. Por outro lado, ao mesmo passo que propriedade, igualdade e liberdade são diretamente resguardadas da tributação em diversas disposições constitucionais expressas, inclusive as atinentes à capacidade contributiva, a promoção do ambiente é obtida indiretamente pelo (des)incentivo de condutas.

A importância do assunto ultrapassa, contudo, a inferência do mencionado caráter indireto e recai no fato de que somente pela interpretação teleológica de diversos dispositivos constitucionais é que se chega à ilação de ser possível um tratamento tributário diferenciado em relação às questões ambientais. Transparece, assim, indiretamente, o contexto da extrafiscalidade ambiental em matéria de tributação e as dificuldades dele decorrentes51.

Ou seja, a extrafiscalidade em matéria ambiental decorre, mediatamente, da determinação do caput do art. 170, da CF/88, de que a ordem econômica fundar-se-á na defesa do meio ambiente52. Impossível uma compreensão completa da matéria sem a interpretação conjunta daquele dispositivo com o do art. 17453, o qual exige do Estado o papel de agente regulador para o exercício da função incentivadora. Além disso, nada obstante a Emenda Constitucional n.º 42, de 19 de dezembro de 2003, com o propósito de permitir um tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e dos serviços e de seus processos de elaboração e de prestação, tenha alterado o inciso VI, do art. 170, da CF/88, e tenha respaldado o uso da extrafiscalidade ambiental, não pormenorizou meios de o fazer.

Soma-se à previsão constitucional para a intervenção do Estado através da tributação com viso à proteção do meio ambiente uma outra justificativa que, igualmente à referida, encontra respaldo doutrinário na incorporação do uso das sanções premiais como meio de indução de condutas do contribuinte, por intermédio de incentivos fiscais, entre outros institutos tributários que se adequem à finalidade de proteção ambiental perseguida pela tributação.54

      

51

Não é somente da Constituição Brasileira que se realiza a inferência de que a extrafiscalidade acarreta problemas no fenômeno tributário. Em Portugal, identifica-se a idêntica possibilidade de seu uso e de “naturais dificuldades”. Vide FERREIRA, Eduardo Manuel Hintze da Paz. Ensinar finanças públicas numa faculdade

de direito. Coimbra: Almedina, 2004, p. 269: “A opção pela fiscalidade ecológica introduz-nos, de pleno, no

domínio da fiscalidade extra-financeira, em que a manipulação dos instrumentos tributários se afasta, em muito, do objectivo de simples recolha de receitas, o que gera naturais dificuldades.”.

52 Informa Eros Grau que: “O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do

ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego.”. (GRAU,

A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 256.).

53 Assim dispõe o Art. 174, da CF/88: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o

Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”.

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A teoria funcionalista do direito é defendida por Norberto Bobbio, o qual explica que: “A função de um ordenamento jurídico não é somente controlar os comportamentos dos indivíduos, o que pode ser obtido por

Ganham destaque os vieses preventivo – extraído mais imediatamente dos princípios da prevenção e da precaução ambientais – e compensatório – obtido a partir do princípio do poluidor-pagador –, com a ressalva de que se revela incompatível, contudo, pelo próprio conceito de tributo, com o sancionatório55.

Com efeito, os modos de o Direito Tributário intervir em favor de um ambiente ecologicamente equilibrado consistem não somente na instituição de novos tributos, mas também no estabelecimento de tratamento mais oneroso na medida do impacto das atividades econômicas gravosas ao ambiente, paralelamente a um tratamento mais favorável, do ponto de vista tributário, aos que desenvolvem atividades econômicas que ajudam a evitar ou a reduzir os danos ambientais ou que fomentam preservação do meio ambiente56.

Em que pesem as considerações expendidas, uma fundamentação constitucional da tributação ambiental não pode pautar-se tão-somente no dever estatal de incentivo de condutas ambientalmente adequadas, sem que leve em consideração os demais preceitos constitucionais concernentes à tributação, o que determina, para fins de respaldo das ideias desenvolvidas nesta dissertação, que se compreenda a (im)possibilidade de aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos extrafiscais cujo uso exprima finalidade de proteção ambiental.

       

meio da técnica das sanções negativas, mas também direcionar os comportamentos para certos objetivos preestabelecidos. Isso pode ser obtido, preferivelmente, por meio da técnica das sanções positivas e dos incentivos.”. (BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri, São Paulo: Manole, 2007, p. 79).

55 José Caslta Nabais indica que o modelo sancionatório é insuficiente para repressão das condutas

ambientalmente desfavoráveis: “Com efeito, esta não pode se bastar com o modelo exclusivamente sancionatório, assente em proibições de comportamentos antiecológicos que ultrapassem certos valores limite (Grenzwertmodell), antes requer a sua combinação e articulação com um modelo (des)incentivador de comportamentos [...].”(NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos, p. 201).

56 A defesa da (des)oneração tributária para determinadas condutas ambientalmente favoráveis, aliada a alguns

dos meios empregados para tanto, pode ser percebida na seguinte passagem: “É intuitivo que a desoneraçao tributária, seja por meio de isenções totais, parciais, permissão de deduções, enfim, qualquer redução específica da carga tributária a ser suportada por determinada atividade, tende a estimular o desenvolvimento dessa atividade. Isso porque é bastante óbvio que se torna atrativo para o contribuinte exercer determinada atividade (ou exercê-la em certo local), se esta atividade (ou seu exercício neste local) é menos onerado do que outras atividades (ou do que a mesma atividade em outros locais). O outro lado da moeda, obviamente, é representado pelo fato de que uma maior oneração de determinada conduta tende a desestimulá-la, uma vez que faz com que ela seja menos interessante do que outras que sofrem uma menor incidência tributária e, conseqüentemente, são menos gravosas para o particular.”. (TAVARES, Diogo Ferraz L. A capacidade contributiva na tributação extrafiscal. In: DOMINGUES, José Marcos. (coord.). Direito tributário e políticas públicas, p. 93).

2.3.2 Aplicabilidade da capacidade contributiva aos impostos extrafiscais (que exprimam