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Notas acerca da possibilidade de restrição aos direitos fundamentais e das implicações

4 NOTAS ACERCA DAS RESTRIÇÕES E DAS CONFIGURAÇÕES AOS

4.2 Notas acerca da possibilidade de restrição aos direitos fundamentais e das implicações

impostos extrafiscais que exprimam finalidades ambientais

À medida que se propõe que o princípio da capacidade contributiva (ou os direitos fundamentais conjugados ao seu conteúdo) poderá(ão) promover restrição ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, necessário não apenas se explicitar o que se compreende por restrições aos direitos fundamentais, como fora realizado até agora, mas também expor por quais motivos se compreende que esse direito em particular é restringível por ela. Conquanto reforce as razões da opção pelas teorias externas dos direitos fundamentais para fins de desenvolvimento desta pesquisa, esta subseção não apenas mantém estrita pertinência com a seção anterior, mas igualmente a complementa (vide 3.3).

Como se trabalha com mais de uma hipótese específica de potencial restrição a direitos fundamentais – notadamente a de que 3-) a capacidade contributiva pode ser reconhecida, a partir do texto da Constituição de 1988, como cláusula restritiva ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, e a de que 5 -) a capacidade contributiva limita a liberdade de conformação do legislador em impostos extrafiscais ambientais, pois os direitos inerentes ao seu conteúdo possuem aptidão em si para que se promova restrição ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado em determinadas situações –, insta se questionar, antes de se adentrar na justificação dessas suposições, acerca da possibilidade geral de restrições aos direitos fundamentais, para, só após, entender como a atuação do legislador encontra-se condicionada pela Constituição.

      

126 Já mencionado, alhures, que o termo intervenções legislativas, designa, nesta pequisa, qualquer ingerência

normativa nos direitos fundamentais, o que corrobora com a perspectiva de Jane Reis Gonçalves Pereira: Cf. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 138.

A questão a ser analisada nas normas de impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental não reside num obstáculo ao exercício do direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado em si, mas num óbice ao exercício dos direitos de propriedade e de igualdade. Nesse passo, importa perceber se essas normas, que promovem a restrição (em algum grau) naqueles últimos direitos, possuem respaldo constitucional, principalmente porque se manifestam por instrumentos normativos de hierarquia inferior, tais como os decretos, costumeiramente usados nessa seara. Assim, para averiguar a dita constitucionalidade das normas de impostos extrafiscais, a capacidade contributiva ganha destaque, pois, pelo prisma das intervenções nos direitos fundamentais até então explicado, defende-se que ela possui aptidão para influenciar num eventual processo de restrição ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado (hipótese 5).

A defesa da influência da capacidade contributiva numa eventual restrição ao direito ao meio ambiente pela legislação tributária reside na compreensão da atividade legislativa como balizada pelo sistema de direitos fundamentais, bem como pela interpretação sistemática da Constituição, que igualmente exerce a função de elemento condicionador da tributação. Soma-se, destarte, o aspecto da jusfundamentalidade à perspectiva econômica e à ética da capacidade contributiva para que se identifiquem, no conteúdo axiológico, dimensões (positivas/negativas) que limitem a atividade legislativa em impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental. Ou seja, responde-se positivamente a análise de se a capacidade contributiva, por resguardar direitos fundamentais do contribuinte, possui aptidão para interferir na persecução dos objetivos estatais quando se faz uso da finalidade extrafiscal dos impostos para atingi-los. A especificação do modo como esse princípio exerce mencionada influência será operada na seção 5 da pesquisa, como mais um elemento de reforço à tese central de que aquele princípio atua na limitação da liberdade de conformação do legislador em impostos extrafiscais de finalidade ambiental.

Considerando-se a ótica da jusfundamentalidade aplicada à compreensão do conteúdo da capacidade contributiva, alguns elementos ganham destaque na relação jurídica de tributação ambiental, a saber: o titular do direito (fundamental) de propriedade ou o contribuinte para cuja situação a igualdade foi ou não respeitada (sujeito passivo); o Poder Público e a coletividade, interessada tanto no (direito fundamental ao) meio ambiente como nas garantias de que as propriedades atendam sua função social e a justiça igualitária seja realizada. Em outras palavras, no caso daqueles impostos, o conflito ocorre não somente entre direitos fundamentais e mais de um interesse geral constitucionalmente tutelado (propriedade

com função social e meio ambiente), mas também entre direitos fundamentais e um interesse estatal em sentido estrito (tributação).

No §1º, do art. 145, da Constituição Federal de 1988, o constituinte protegeu os direitos individuais do contribuinte ao determinar que, para a identificação de seu patrimônio, de seus rendimentos e de suas atividades econômicas, o Estado atue nos conformes da lei. No mínimo, a previsão constitucional possui o condão de excluir determinadas condutas estatais e de ampliar a proteção dos direitos individuais do contribuinte, sem, contudo, possuir o de operacionalizá-la. Dessas razões, extrai-se que, se se conceber que a capacidade contributiva também se aplica aos impostos extrafiscais (que exprimam finalidade ambiental), ocorre uma redução na zona que determina a promoção do direito ao meio ambiente. Percebe-se, assim, mais claramente, a existência de um conflito entre direitos fundamentais e um interesse geral, assim como a de um conflito entre direitos fundamentais e um interesse estatal em sentido estrito. A peculiaridade, contudo, reside na especificidade da finalidade extra à fiscal atinente a tais tributos, pois ela mescla os interesses estatais na tributação (interesse estatal em sentido estrito) com a promoção do meio ambiente, um interesse geral constitucionalmente tutelado, o que acaba por se materializar mediante a restrição de outros direitos fundamentais, como o de propriedade e de igualdade.

Reputada a magnitude dos direitos imbricados na relação jurídica descrita no parágrafo prístino, patenteia-se a necessidade de que se encontrem métodos de aferir como deve ocorrer a atividade legislativa nos impostos extrafiscais de finalidade ambiental. Face à essa evidenciação e também ao ressaltado por Leonardo Martins (“os interesses gerais ou estatais podem estar lastreados na Constituição e também podem se desdobrar em Direitos Fundamentais que justifiquem o aludido cerceamento” 127), tem-se que a necessidade de se conciliar os interesses envolvidos na situação acima descrita se posiciona paralelamente à demanda de que se o faça com a medida que denote o menor grau de cerceamento para qualquer daqueles direitos fundamentais mencionados. O presente trabalho recai, assim, na temática do estudo dos direitos fundamentais e por ela se pauta128. Por isso, analisar se e

como a capacidade contributiva, quando aplicada aos impostos extrafiscais (que exprimam

finalidade ambiental), caracteriza limitação ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, seja ela genérica ou casuística, ou mesmo as duas, revela-se como um dos principais pontos de interesse da pesquisa.

      

127

Cf. MARTINS, Leonardo; DIMOULIS, Dimitri. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 125.

128

Um ponto de vista é o que indica que há uma limitação geral traçada pela capacidade contributiva ao direito ao meio ambiente nas ocasiões em que uma dada hipótese normativa, independentemente de correlação a qualquer situação concreta, determine alguma restrição a esse direito por conta daquele princípio. Por outro lado, quando se admite que a distinção de alíquotas ou a diferenciação de base de cálculo visa a preservar a igualdade e a propriedade para um determinado caso particular, importando, nesse evento em específico, em um menor grau de realização para o ambiente ecologicamente equilibrado, identifica-se a posição de que a capacidade contributiva poderia revelar uma limitação casuística a esse direito.

Admitida a aplicação da capacidade contributiva aos impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental, ainda resta saber se sempre e em que grau aquele princípio se aplica a esses impostos no condicionamento da liberdade de conformação do legislador, à medida que esse princípio poderá fornecer uma diretriz para se verificar a possibilidade de limitações aos direitos fundamentais que colidem nessa relação tributária. A diretriz aludida poderá ser extraída da identificação de algum elemento objetivo que se ligue a alguma situação (des)onerada (por aqueles impostos extrafiscais) e que viabilize uma aferição, ainda que indireta, de maior ou menor mensuração da riqueza envolvida na relação tributária.

Assim, caso se defenda que a capacidade contributiva é sempre aplicável em grau máximo aos impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental, o que se está garantindo é a sua aptidão para traçar um limite genérico ao meio ambiente advindo da proteção ao patrimônio do contribuinte e da necessidade de preservação da isonomia tributária, ínsitas ao seu conteúdo. Essa concepção não se adequa às ideias defendidas, pois, em primeiro lugar, já se repudiou a possibilidade de se limitar genericamente um direito fundamental no plano abstrato e; em segundo, essa concepção de limite genérico parece demandar que se compreenda a expressão “sempre que possível”, contida na redação do §1º, do art. 145, da Constituição, em sua acepção “forte” (vide 3.1.5), pois a partir dela é que se sustenta a tese de que, apenas nas situações impossíveis, é que os impostos não atenderão a esse princípio em sua dimensão positiva. As críticas àquela compreensão do princípio da capacidade contributiva são semelhantes às já traçadas no capítulo anterior, notadamente a de que, aceitando-se que sempre deveria haver observância desse princípio pela legislação tributária como decorrência do dever de resguardar os direitos fundamentais imbricados com ela, inviabilizar-se-ia ou impossibilitar-se-ia praticamente a utilização da extrafiscalidade e tornar-se-ia inconstitucional praticamente a maioria dos impostos extrafiscais, tais como os que atuam na orientação da economia. O último raciocínio conduz a uma contradição entre

dispositivos constitucionais do §1º, do art. 145, com os dos com os conteúdos dos arts. 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, 150, §1º, 153, incisos I e II, e, mais precisamente, com o art. 170, inciso VI, todos da Constituição Federal que expressamente autorizam a utilização de impostos extrafiscais ambientais 

Ademais, como dito antes, os direitos individuais do contribuinte foram protegidos no §1º, do art. 145, da Constituição, determinando ele que, para a identificação de seu patrimônio, de seus rendimentos e de suas atividades econômicas, o Estado atue nos conformes da lei. Portanto, há a possibilidade de a capacidade contributiva propiciar a abertura hermenêutica necessária para que se promova uma restrição na área de promoção do direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado e uma limitação na liberdade de conformação do legislador em impostos extrafiscais (que exprimam finalidade ambiental). Nesse sentido, quando se cuida daqueles impostos, identifica-se o dever de respeito a um limite reflexo advindo de reserva legislativa (“nos termos da lei”), importando na imprescindibilidade de robusta fundamentação constitucional para a fixação da regra abstrata que atue nos âmbitos do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte.

Outro ponto a se destacar é que o Estado se imiscui na zona de proteção de um direito fundamental quando inviabiliza uma conduta nela englobada ou quando determina uma sanção para a realização de uma hipótese abstrata. Nesse último caso, tem-se que a fixação de sanções não revela maior interesse para o estudo das hipóteses analisadas na dissertação, vez que a sua estipulação para comportamentos ambientalmente desfavoráveis violaria o art. 3º, do Código Tributário Nacional. Por outra banda, pode-se argumentar que a sanção também se dá de forma premial129, o que não vilipendia o preceptivo legal previamente mencionado. Nesse ponto, o que mais interessa é saber se a capacidade contributiva será levada em consideração relativamente aos fatores a serem (des)estimulados para se inferir a possibilidade de identificação de algum elemento objetivo que se ligue a alguma situação (des)onerada (por aqueles impostos extrafiscais) e que viabilize uma aferição, ainda que indireta, de maior ou menor mensuração da riqueza envolvida na relação tributária.

Mais relevante, pois, averiguar quais são as circunstâncias da capacidade contributiva a se examinar que interferem na averiguação de se comandos normativos advindos do Estado para que se promova, pelo uso dos impostos extrafiscais, o ambiente       

129

Cf. BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função: Novos Estudos de Teoria do Direito. Barueri, São Paulo: Manoele, 2007, p. 79. Ver também: 2.3.1 desta dissertação.

ecologicamente equilibrado, impossibilitam ou dificultam demasiadamente o exercício de outros direitos fundamentais, mormente os de liberdade, de propriedade e de igualdade130, o que será mais detidamente empreendido na última seção desta dissertação. Para a boa compreensão da proposta, contudo, importa, antes disso, tecer considerações sobre a possibilidade de se reconhecer, a partir do texto da Constituição de 1988, a capacidade contributiva como cláusula restritiva ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado e/ou como elemento de interferência no processo de configuração desse direito. Ou seja, deve-se perceber mais duas maneiras possíveis e específicas de se compreender a capacidade contributiva como fator conformador da legislação dos impostos extrafiscais ambientais.

4.3 Hipótese 2: capacidade contributiva como cláusula restritiva ao direito