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3 OPÇÃO PELAS TEORIAS EXTERNAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:

3.1 Teorias internas dos direitos fundamentais: considerações gerais

3.1.4 Inaplicabilidade da teoria dos limites imanentes dos direitos fundamentais às

Outra nota necessária refere-se à inadequação da teoria institucional dos direitos fundamentais de Peter Häberle92 como premissa para o desenvolvimento da dissertação. Os principais pontos em que se distancia da proposta em desenvolvimento reside na maneira como a liberdade é compreendida e na repercussão de sua interpretação relativamente à (maior ou menor liberdade na) atividade do legislador em matéria tributária, principalmente no atinente ao contraponto entre liberdade e atividade estatal e necessidade de controle da atividade legislativa.

Uma das premissas deste trabalho é a de que a atuação legislativa em matéria tributária (assim como, em certas ocasiões, a dos agentes do Executivo, especialmente quando se refere à tributação ambiental), possui aptidão para restringir a liberdade individual. Ao passo que a teoria ora comentada compreende a liberdade como impassível de restrição pelo legislador, mas apenas como de possível delimitação, vez que não preexiste à sua atividade, mas interna ao direito como algo institucional, opõe-se ao ponto de vista defendido no trabalho. A divergência se situa no modo de se compreender como a atividade legislativa necessita de controle, ao menos no que tange à concepção defendida nesta pesquisa: a de que a atuação do legislador pode acabar por restringir a liberdade individual por intermédio da tributação quando a utiliza com a finalidade extra à fiscal de promoção do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por essa razão, defende-se que a averiguação da constitucionalidade daquela atuação legislativa também deve ser pautada pela aferição de eventual restrição na liberdade do contribuinte.

3.1.4 Inaplicabilidade da teoria dos limites imanentes dos direitos fundamentais às propostas desenvolvidas na pesquisa

Segundo a teoria dos limites imanentes, umas das vertentes teóricas que adota a teoria interna como premissa de desenvolvimento, os direitos fundamentais possuem seus limites de acordo com o estabelecido na própria Constituição, o que traduz uma diferença essencial em relação às teorias externas, as quais trabalham com a necessidade de restrição a       

92 Para maiores considerações acerca da teoria institucional dos direitos fundamentais, confira-se: HÄBERLE,

Peter. La garantia Del contenido essencial de los derechos fundamentales. Madrid: Dykinson, 2003, p. 71- 123.

esses direitos.93 Nesse contexto, inexistindo uma determinação constitucional dirigida ao legislador, os limites do direito decorrem dele próprio, ou seja, como algo imanente que predetermina a definição de seu conteúdo, criando uma concepção sua a priori.

A partir disso, concebe-se que inexistem restrições aos direitos fundamentais, o que conduz à conclusão de que também não se faz possível a sua colisão, afastando-se, por via de consequência, a necessidade de ponderação. Como já aduzido acima, as teorias internas, por essa razão, trabalham com a estrutura normativa de regras para os direitos fundamentais, bem como com seus consectários, a exemplo das implicações metodológicas de aplicação. Por essa razão, quando se trabalha com a estrutura de regras para os direitos fundamentais, deve-se compreender como determinadas condutas são tidas por proibidas, ou melhor, por não albergadas por essas normas. O que ocorre é que determinadas condutas passam a ser tidas como não albergadas pela proteção, situando-se além dos limites do direito fundamental94. Portanto, enfatize-se, não se trabalha com restrição aos direitos, mas com ausência de proteção, de maneira que, nesses casos, as disposições normativas não constituem restrições.

Observe-se, ainda, que, uma vez impossibilitada a precisão dos limites sob uma perspectiva externa, socorrendo-se, o intérprete, pois, unicamente, da Constituição tida como um todo, a natureza das leis que regulam os direitos fundamentais só poderá ser, por conseguinte, declaratória do próprio conteúdo constitucional, mas jamais constitutiva, sob pena de caracterizar um elemento externo limitador95. A definição dos marcos desses direitos mostra-se, assim, dificultosa, ainda mais quando se dividem os seus limites em: limites do

      

93 A contraposição entre definição de limites, de um lado, e imposição de restrições, de outro, explicita as

diferenças entre os dois enfoques das teorias de direitos fundamentais (internas e externas). Evidencia Virgilio Afonso da Silva que: “a opção pelo termo ‘limite’, como se mencionou anteriormente, é proposital, já que pretende denotar – como salienta o próprio Vieira de Andrade – que, nesses casos, não se deve falar em restrições aos direitos fundamentais ou em colisões entre eles, mas de meros limites que decorrem da própria Constituição.”. (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed., p. 131-132.).

94

Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia.2. ed, p.132-133. Em Portugal: Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição

Portuguesa de 1976. 3. ed., p. 294-295. 95

“[...] a determinação dos limites imanentes não é realizada a partir de uma perspectiva exterior do direito, mas sim mediante uma interpretação que tenha em conta a totalidade da Constituição. Por isso, as leis que regulam os direitos fundamentais não tem natureza constitutiva, limitando-se a interpretar o conteúdo do direito estabelecido na Constituição.”. (PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais., p. 188.). No mesmo sentido, SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia.2. ed, p. 132: “Com isso, a diferença entre os limites imanentes e as restrições a direitos fundamentais decorrentes de colisões é facilmente perceptível e pode ser traduzida pelo binômio declarar/constituir. Enquanto que, nos casos de colisões,constituem-se novas restrições a direitos fundamentais, quando se trata dos limites imanentes, o que a interpretação constitucional faz é apenas declarar limites previamente existentes.”. Os itálicos constam do original.

objeto, em sentido material; e limites de conteúdo, em sentido jurídico96. Os primeiros exprimem o que se pode incluir na hipótese da norma, a abrangência do próprio direito; os segundos delimitam o conteúdo da proteção.

Torna-se ainda mais clara a afirmação de que, em determinadas situações, certas condutas são tidas por proibidas, ou melhor, por não albergadas pelas suas normas, à medida que, através do resultado do processo interpretativo para a aplicação do Direito, posicionam- se fora dos limites em sentido material, ou seja, além do âmbito ou do domínio abrangido por um direito específico, restando excluídas de sua hipótese normativa.

Para além dos limites em sentido material referenciados no parágrafo anterior, os limites de conteúdo dos direitos fundamentais podem ser extraídos do texto constitucional direta (expressamente) ou indiretamente (implicitamente), mediante interpretação.97 Adverte- se, porém, que mesmo ao se trabalhar com a noção de limites imanentes, afasta-se a concepção de que direitos fundamentais seriam absolutos, uma vez que se poderia argumentar que os limites definidos pela própria constituição inviabilizariam que os direitos de liberdade e de isonomia sucumbissem integralmente ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, pelo que também não se há como admitir a teoria interna para os fins de desenvolvimento da proposta deste trabalho.

Ainda que se busque não se socorrer sempre da forma de controle às restrições de direitos fundamentais chamada proporcionalidade, não se quer, outrossim, afirmar que não se aquiesça com a ideia de restrições aos direitos fundamentais, assim como com a de suas colisões, ou, ainda, que se parta, necessariamente, da premissa de que sempre as suas

limitações decorrem da própria Constituição, implícita ou explicitamente derivadas do seu

texto.

      

96 A explicação de divisão dos limites dos direitos fundamentais em limites do objeto, em sentido material, e

limites de conteúdo, em sentido jurídico, é bem exposta por José Carlos Vieira de Andrade: “Por um lado, num sentido material, enquanto limites do objecto, para indicar o âmbito ou domínio abrangido do direito, isto é, para designar os limites que resultam da especificidade do bem jurídico que cada direito fundamental visa proteger ou da parcela da realidade incluída na respectiva hipótese normativa (a expressão, a imprensa, o domicílio, a fé religiosa, a família, a propriedade, a profissão). Por outro lado, num sentido jurídico, enquanto limites de conteúdo, para delimitar o conteúdo protegido, na medida em que a protecção constitucional não abranja todas as situações, formas ou modos de exercício pensáveis para cada um dos direitos, designadamente no caso das liberdades (como aconteceria se a Constituição os concedesse aos indivíduos para que deles fizessem uso como bem entendessem).”.(ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição

Portuguesa de 1976. 3ª ed., p. 292.). 97

O autor lusitano José Carlos Vieira de Andrade cita como limite imanente expresso, retirado a partir do próprio texto constitucional diretamente, o dever de pagar impostos em relação ao direito de propriedade. Caso se admita a tese do professor português, inviável sustentar as posições defendidas nesta pesquisa, por absoluta incompatibilidade com os fundamentos da teoria interna. Mais uma vez, evidencia-se a necessidade de se justificar a opção pelas teorias externas dos direitos fundamentais realizada na pesquisa. (Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3ª ed., p. 293.).

Torna-se deveras complexo precisar em que medida os direitos de liberdade e de propriedade não encontram proteção constitucional no caso de utilização de competência tributária pelo Estado para fins de promoção do meio ambiente sadio. Aferir até que ponto a atuação do Estado não ultrapassa os limites daqueles direitos, bem como determinar o que é ou não protegido, principalmente quando se elenca outro direito fundamental como um fim a ser perseguido na edição de normas, revela-se tarefa problemática. Ou seja, a abordagem acerca da delimitação da liberdade de conformação do legislador sob a ótica dos direitos fundamentais restaria mais árdua. Aparentemente, ante a imprecisão do mencionado limite, abre-se margem a um maior alvedrio tanto do legislador como do administrador em matéria tributária, fato que torna mais difícil a eleição de um critério objetivo que vise a controlar a atuação desses Poderes em matéria de tributação ambiental e a análise de como a capacidade contributiva, concebida pela ótica dos direitos fundamentais, interfere naquela delimitação.

Concordar com aquele raciocínio legitima que o Estado, com o intuito único de promover o ambiente ecologicamente equilibrado, possa adotar condutas exageradas, a exemplo das confiscatórias ou anti-isonômicas (v.g., isenções despropositadas), sem se preocupar com direitos de propriedade e de liberdade, os quais, pela dificuldade de precisão dos limites imanentes, não estariam protegidos em decorrência de circunstâncias fáticas e jurídicas envolvidas no caso. Ademais, poder-se-ia, abstratamente, conceber que, em determinados casos, a capacidade contributiva restasse completamente alheia à relação jurídica por não se enquadrarem os direitos fundamentais albergados por ela no sempre definitivo âmbito de proteção deles, de maneira que se respaldaria a existência de exações que recaíssem sobre fatos geradores que não revelassem qualquer expressão de conteúdo econômico.

O que se busca, ao longo do desenvolvimento da proposta, é extrair um critério mais objetivo do sistema tributário nacional que vise a conferir uma maior possibilidade de controle no caso de utilização dos fins extrafiscais dos impostos para promoção do direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado. Propõe-se, destarte, que, para os

impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental a identificação da capacidade contributiva pode ser feita de modo peculiar: mediante extração de algum elemento

objetivo que se ligue a alguma situação (des)onerada (por aqueles impostos extrafiscais) e que viabilize uma aferição, ainda que indireta, de maior ou menor mensuração da riqueza envolvida na relação tributária. A partir daquela identificação, facilita-se a visualização do grau de restrição de direitos fundamentais como o de liberdade, o de propriedade e o de igualdade pela (im)possibilidade de mensuração objetiva de algum critério econômico que se

liga à situação (des)onerada para promoção do meio ambiente. No caso de concordância com a teoria interna, a proposta apresentada resta, além de inviável, refutada, por não aceitar essa teoria a ideia de restrições com que se trabalha, mas apenas a de limites.

3.1.4.1 A especificidade da proposta de J.J Gomes Canotilho

Inicialmente, deve-se dizer que a especificidade da proposta de CANOTILHO para os limites imanentes recebe tratamento pela doutrina brasileira98, que a distingue daquela de mesmo nome exposta anteriormente. O que a faz diferente é a compreensão que esse autor possui do que sejam os limites imanentes.

Para o doutrinador português, os limites imanentes surgem como produto de um sopesamento que se fez necessário diante de uma colisão de direitos fundamentais, opondo-se diametralmente à noção da teorização anterior em que se parte da premissa de inexistência de restrições aos direitos fundamentais, haja vista a inexistência da possibilidade de limitações a si externas, o que, igualmente, não se compatibiliza com o sopesamento, com colisões e nem com a ideia de restrições a posteriori. Ademais, o professor lusitano admite a existência de princípios constitucionais, o que, mais uma vez o afasta daquelas ideias referidas no tópico anterior, à medida que, para a teoria alhures exposta, a única estrutura normativa possível é a de regras.

Nesse passo, sua teoria mais se aproxima de uma teoria externa dos direitos fundamentais e melhor se adequa à hipótese 5, que recebe tratamento mais detalhado na seção 5.2.1.2 desta dissertação. É que essa hipótese, ainda que sob outra perspectiva, toma em consideração os mesmos elementos adotados pelo autor, a exemplo da necessidade de uma situação concreta e da possibilidade de restrição a posteriori de um direito fundamental.

3.1.5 Hipótese 1: capacidade contributiva não figura como limite imanente relativamente