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3 OPÇÃO PELAS TEORIAS EXTERNAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:

3.1 Teorias internas dos direitos fundamentais: considerações gerais

3.1.5 Hipótese 1: capacidade contributiva não figura como limite imanente relativamente

Uma primeira consideração deve ser realizada quanto ao que se compreende por limite imanente para fins de desenvolvimento deste tópico. A doutrina não precisa claramente a distinção entre teorias que adotam essa mesma terminologia: uma delas designa que tais limites, mesmo tácitos na Constituição, existem e devem ser respeitados como uma condição       

98 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed.,

p.166-167. Vide: PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 190.

de coexistência dos direitos fundamentais; outra, já melhor abordada, leciona que os limites de um direito derivam internamente de si99.

Conforme esclarecido, uma das peculiaridades da teoria dos limites imanentes com que se ora trabalha se situa na inviabilidade de imposição de limites advindos de leis para os direitos fundamentais nos casos em que inexistente expressa previsão constitucional para tanto, anuindo-se, contudo, somente com delineamentos ao direito que se posicionam nas fronteiras demarcadas por seu próprio conteúdo previsto na Constituição.

A partir dessa peculiaridade, poder-se-ia fundar robusta argumentação em adversão à hipótese1 - a capacidade contributiva não se revela como um limite imanente, extraído da Constituição, ainda que, em determinadas situações, interfira na atuação do legislador de impostos extrafiscais ambientais – com aptidão para formular uma proposição diametralmente oposta a esta primeira suposição. Repercutem na solução deste imbróglio, contudo, duas possibilidades de compreensão do alcance da expressão sempre que possível100 inserida no §1º, do art. 145, da Constituição Federal de 1988:

a-) ela autorizaria o legislador a restringir direitos fundamentais protegidos pelo princípio da capacidade contributiva, devendo observar a aplicação desse princípio, quando da tributação, apenas em algumas situações;

b-) ela imporia um limite constitucional ao legislador como limite imanente, determinando que sempre deveria haver observância a esse princípio pela legislação tributária como meio de resguardar os direitos fundamentais a ele imbricados.

      

99

“Pero conviene precisar ya desde el primer momento que, en la doctrina alemana se habla también de limites

‘inmanentes’ para designar aquello limites que, sin existir cláusula limitativa explícita, se derivan – según el TCFA reconoció tempranamente, como también lo ha hecho nuestro propio TC – de la necesidad de cohonestar el ejercicio de los derechos fundamentales con otros derechos igualmente fundamentales u otros bienes constitucionales, preservando también estos últimos. Pus bien, es preciso diferenciar, y ello no se hace por general en la doctrina alemana con claridad, entre estos limites llamados ‘inmanentes’ y los verdadeiros limites intrínsecos, internos o inmanentes. [...] Y pues estamos aún a tempo, hay que diferenciar no sólo conceptualmente entre los limites inmanentes stricto y lato sensu, sino que, terminologicamente, con relación a los segundos, ha de preferirse la designácion de limites implícitos (a la Constitución).”. (CAMAZANO, Joaquín

Brage. Los limites a los derechos fundamentales. Madrid: Dykinson, 2004, p. 86-87.).

100 Relevante mencionar a categorização proposta por Marco Aurélio Greco para a expressão sempre que

possível como “sempre que possível sem força”; “sempre que possível fraco”; e “sempre que possível forte”. Sinteticamente, Douglas Yamashita e Klaus Tipke explicam as três espécies propostas pelo outro professor como sendo a primeira denota um dispositivo constitucional inútil; a segunda configura um limite negativo a lei; a terceira ultrapassa o aspecto negativo do princípio e engloba seu aspecto positivo para determinar que sempre seja exigível a capacidade contributiva, só podendo deixar de ser atendida nas situações impossíveis. Ver: YAMASHITA, Douglas. TIPKE, Klaus. Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva, p. 52-53; e GRECO, Marco Aurélio. Contribuições: uma figura sui generis. São Paulo: Dialética, 2000, p. 186-190.

Inicialmente, esclarece-se que a noção de um “sempre que possível sem força”, que expressa a inutilidade daquela disposição constitucional, não se coaduna com a teorização proposta pela teoria dos limites imanentes. De acordo com a concepção de que a capacidade contributiva recebe, a partir daquela expressão, o status de mera positivação constitucional que não expressa nenhum dever de vinculação ao Poder Público, torna-se incoerente concebê- la como um limite imanente.

Já no caso do discurso contido em a-), ao passo que se concebe a possibilidade de restrição de direitos fundamentais pela via legislativa, há aproximação da ideia de capacidade contributiva que se atrela à expressão “sempre que possível fraco”, que identifica, no princípio, um limite negativo à lei. Ocorre que, ainda que seja verdade que exista autorização para o legislador restringir direitos fundamentais protegidos por aquele princípio, tanto que o faz em algumas ocasiões nas quais usa impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental, não importa concluir, como aparenta em uma análise açodada, que a limitação constitucionalmente autorizada situe-se internamente aos próprios direitos fundamentais envolvidos na relação de tributação.

Aqui se sustenta uma noção oposta à trazida por José Carlos Vieira de Andrade, que traz como exemplo de limites imanentes expressos, “por exemplo, no caso do dever de pagar impostos em relação ao direito de propriedade”101. Defende-se a ideia de que o direito de propriedade e a tributação são condicionados mutuamente, mas que nem um nem outro se revela como limite imanente. É que tanto a propriedade condiciona o Estado, a exemplo do que se extrai das expressas previsões constitucionais que denotam um fator extrafiscal ao ITR e ao IPTU102, quanto o uso da tributação, igualmente, condiciona a propriedade que não recebeu função social.

Surge, então, um paradoxo lógico que quebra o caráter reflexivo das normas de direitos fundamentais103, pois o raciocínio criticado não considera a segunda dimensão reflexiva dos direitos fundamentais, à medida que se esquece de considerar que a propriedade deve possuir uma função social e que, por isso, existe um dever do proprietário para com a       

101

Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3ª ed., p. 203.

102 Aqui se faz menção aos arts. 153, §4º, inciso I, e 182, §4º, inciso II, todos da CF/88. 103

O caráter duplamente reflexivo das normas de direitos fundamentais é explicado por Leonardo Martins da seguinte forma: “São reflexivas, porque há, em primeira linha, identidade entre o criador e destinatário da norma: Estado. [...] a decisão sobre a constitucionalidade da medida (ou omissão) estatal em relação a um conflito repercute na solução desse conflito, satisfazendo a pretensão de uma parte e impedindo, de forma reflexiva, a satisfação da pretensão da outra. Esse é o segundo significado do termo reflexivo das normas de direito fundamental” (MARTINS, Leonardo; DIMOULIS, Dimitri. Teoria dos direitos fundamentais. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 135-136.). O itálico consta do original.

coletividade e não apenas para com o Estado, o qual pode se utilizar da tributação como um limite à propriedade que não atenda à função social. Aparentemente, admitir o raciocínio de tributação como limite imanente importa em equalizá-la com função social da propriedade, para se compreender que ambas revelam limites imanentes ao direito de propriedade. Ademais, esquece-se também da primeira dimensão do caráter reflexivo das normas de direitos fundamentais, pois parece deixar de observar que a propriedade figura como limite à tributação imposta pelo Estado, tal como se infere da Constituição pela previsão de algumas imunidades, de regras determinadas de competência, ou, como se quer defender, da necessidade de observância da capacidade contributiva como um fator que conforma a liberdade de atuação do legislador de impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental como elemento externo ao próprio direito. Em adição a isso, a existência desse “limite recíproco” que se extrai de diversos comandos constitucionais, aparentemente, liga-se à noção de bens conflitantes ou de colisão de princípios que demanda a ponderação, inaceitável sob a ótica da teoria interna.

Tendo em vista o explicado no início deste tópico com o intuito de evitar uma confusão terminológica quando do uso da expressão “limites imanentes”, evidencia-se que a melhor forma de se explicar essa “limitação recíproca” parece ser encontrada nas teorias do suporte fático amplo, que admitem essa noção de limitações externas ao direito, o que será desenvolvido nos tópicos seguintes, mais precisamente no 3.2 e, de modo ainda mais específico, no 3.2.1 e subsequentes.

No que tange à proposição contida em b-), aparentemente, há uma relação entre ela e a expressão “sempre que possível forte”, que ultrapassa o aspecto negativo do princípio e engloba seu aspecto positivo para determinar que sempre seja exigível a capacidade contributiva, só podendo deixar de ser atendida nas situações impossíveis. Não se há como admitir, contudo, que a capacidade contributiva desvele um limite constitucional ao legislador como limite imanente, determinando que sempre devesse haver observância a esse princípio pela legislação tributária como meio de resguardar os direitos fundamentais a ele imbricados. É que, assim, além de inviabilizar ou de impossibilitar praticamente a utilização da extrafiscalidade, tornar-se-ia inconstitucional a maioria dos impostos extrafiscais que atuam como orientadores da economia, por exemplo. Isso conduz a uma contradição interna na formulação contida em b-), à medida que denota sua incompatibilidade com os conteúdos dos arts. 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, 150, §1º, 153, incisos I e II, e, mais precisamente, com

o art. 170, inciso VI, todos da Constituição Federal, que expressamente autorizam a utilização de impostos extrafiscais ambientais104.

O que se acaba de afirmar no parágrafo precedente, somado ao já aduzido quanto ao conteúdo da hipótese 5, torna induvidoso que, para se tomar a capacidade contributiva e os direitos fundamentais a ela inextrincáveis como promotores de restrição ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, deverá se adotar uma teoria que admite restrições externas aos direitos. Em relação à formulação 4 levantada no estudo, destaca-se a maneira como se concebe a necessidade de observância da capacidade contributiva nos impostos extrafiscais ambientais sob o ponto de vista de uma limitação interna ao próprio direito ao ambiente ecologicamente equilibrado ou, sob o ponto de vista externo, como algo advindo da estruturação da hipótese de incidência tributária (para a norma que trabalha com impostos extrafiscais ambientais) e alheio ao direito ambiental, fato que também faz incontroverso que se trabalha com as teorias externas e as críticas gerais à teoria interna.