• Nenhum resultado encontrado

3 OPÇÃO PELAS TEORIAS EXTERNAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:

3.2 Teorias externas dos direitos fundamentais

Seguindo a didática apontada anteriormente, antes de se realizar qualquer consideração a respeito das demais hipóteses aventadas nesta pesquisa, pontuam-se alguns conceitos essenciais para a compreensão da matéria, tais como os de âmbito de proteção, de teoria interna, de teorias externas de suporte fático amplo e de suporte fático restrito.

Revela-se importante discorrer acerca da teoria externa, tendo em vista que se utilizam algumas de suas premissas como bases para a elaboração deste trabalho, quais sejam: a de que há dualidade entre o direito propriamente dito e as restrições ao direito; a de que estas não influenciam no conteúdo daquele; a de que existem restrições ao exercício do direito em determinadas situações e que tais restrições merecem controle.

Importa realizar a distinção entre essas teorias externas do suporte fático amplo e do suporte fático restrito, porquanto uma das propostas centrais do presente trabalho reside em precisar se a capacidade contributiva aparece, no caso de uma teoria externa de suporte fático amplo, como mais um elemento no conceito de suporte fático da norma de imposto       

104 Como explicitado nas páginas iniciais deste trabalho e, mais uma vez, com o escopo de evitar uma má

interpretação da sua proposta principal, adverte-se que o objetivo dessas considerações não reside em retirar a importância da utilização da técnica tributária extrafiscal em matéria ambiental. Au contraire, busca-se conferir a ela relevo, à medida que se propõe um grau de adequação entre o seu uso juridicamente justificável e as exigências de maior justificação constitucional no caso de restrições aos direitos fundamentais previstos na Constituição. O que se busca é, além de defender a proposta central referente à capacidade contributiva, aferir a viabilidade de quatro outras hipóteses além da que se intenciona rechaçar nesta seção. A respeito, conferir as seguintes seções e subseções da dissertação: 1; 3.1.5; 4.3; 4.4; 5.2.1.2; 5.2.1.3.

extrafiscal ambiental (e não na norma de direito fundamental), ou seja, como uma etapa ou anterior ou complementar à ponderação entre princípios, figurando como elemento interno à própria fundamentação constitucional, dadas as especificidades da relação jurídica travada, qual seja, a de tributação. A necessidade de distinção entre as concepções que divergem quanto à amplitude do suporte fático também se evidencia quando se trabalha com a adoção do suporte fático restrito para a teoria externa, para verificar se capacidade contributiva é apta a figurar como parâmetro a ser levado em consideração para a “exclusão a priori de condutas de proteção de alguns direitos fundamentais”, como algumas relativas ao do meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo que possa influenciar também no suporte fático das normas de direitos fundamentais, revelando, assim, um suporte fático restrito para elas, o que, em um primeiro vislumbre, não parece acertado.

Além disso, como mencionado na seção 1, outros questionamentos surgem das propostas formuladas e merecem resposta, tais como: a especificidade da relação jurídica tributária é fundamento para a formulação da teoria ora defendida ou há uma absolutização do princípio da capacidade contributiva somada a uma confusão entre elementos conceituais das teorias de suporte fático amplo e restrito, de modo que se toma o dito princípio como um elemento da teoria do suporte fático restrito a interferir no suporte fático amplo para excluir condutas a priori do âmbito de proteção da norma tributária que interfira em direitos fundamentais? Essa indagação torna a exposição seguinte ainda mais relevante.

Diante do exposto, pretende-se averiguar, tanto no caso em que as restrições realizadas nos direitos de liberdade, de propriedade e de igualdade pelos impostos extrafiscais que exprimam finalidade ambiental ocorrem por meio de regras, quanto na situação em que estas ainda inexistem, em que ponto a capacidade contributiva, analisada em conteúdo sob o prisma dos direitos fundamentais, possui aptidão para influenciar essas restrições e em que medida ela se revela como um parâmetro a mais para o controle do uso desses impostos, de molde a atuar como fator limitante à liberdade de conformação do legislador.

Tendo em vista a concordância com as premissas acima expostas da teoria externa, importante enquadrá-la no contexto da ordem constitucional brasileira, principalmente evidenciando sua compatibilidade com as disposições do sistema constitucional tributário, haja vista sua complexidade já relatada anteriormente. Para tanto, explica-se, didaticamente, o que são as teorias externas do suporte fático amplo e do suporte fático restrito, para somente depois se justificar pormenorizadamente a repercussão delas nas hipóteses defendidas na pesquisa.

3.2.1 Teoria externa de suporte fático amplo

Uma das propostas centrais do presente trabalho reside em precisar se a capacidade contributiva aparece, no caso de uma teoria externa de suporte fático amplo, como mais um elemento no conceito de suporte fático da norma de imposto extrafiscal ambiental (e não na norma de direito fundamental), ou seja, como uma etapa ou anterior ou complementar à ponderação entre princípios, figurando como elemento interno à própria fundamentação constitucional, dadas as especificidades da relação jurídica travada, qual seja, a de tributação. Dessarte, indubitável a necessidade de esclarecer sobre o que versa a referida teoria

No caso, pretende-se averiguar tanto como se efetuam as restrições a direitos fundamentais realizadas pela utilização da tributação, notadamente mediante uso de impostos com finalidade de promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, quanto quais são os meios de se as controlar. Na maior parte das situações, como já mencionado, imbricam-se os direitos fundamentais de liberdade e de igualdade, notadamente a propriedade e a isonomia tributária, com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que determina que a análise de como ocorrem restrições a qualquer um deles, dadas as implicações decorrentes da citada natureza jusfundamental, seja averiguada com cautela.

Dessa feita, impende registrar o que se adota para fins de suporte fático neste trabalho. Didaticamente, colhe-se a explicação de Virgílio Afonso da Silva, que o define, no âmbito do direito penal, como tipo; no do direito tributário, como fato gerador; e no direito civil, como hipótese de incidência. Além disso, aponta, para o suporte fático, além dos conceitos de amplo e de restrito, os de abstrato e de concreto, que são a hipótese normativa com sua respectiva consequência, no caso de realização, e a “ocorrência concreta, no mundo da vida, dos fatos ou atos que a norma jurídica em abstrato juridicizou” 105. Ocorre que, para fins de compreensão das propostas deste estudo, mais relevante se mostra a descrição de suporte fático como amplo ou restrito, pois esses conceitos interferem diretamente no encadeamento das ideias anteriormente propostas para a capacidade contributiva dentro da ordem constitucional brasileira.

Entende-se por suporte fático amplo, nesta dissertação, aquele tipo, fato gerador ou hipótese de incidência concebido, em abstrato, da forma mais elástica possível e, para o qual, apenas quando se analisa concretamente uma determinada situação, faz-se possível precisar uma eventual restrição a direito fundamental nele albergado. Nesse passo, impossível       

105

Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. p. 66.

se excluir, a priori, qualquer conduta da abrangência do suporte fático, restando ao intérprete, quando da aplicação do direito, promover eventual restrição justificada a direito fundamental, precisando-se o direito definitivo. Desdobra-se, pois, o direito em a priori e a posteriori (definitivo), o que denota que, ainda que impassíveis de exclusão do suporte fático, certas condutas demandam a restrição de direito fundamental, o qual não se mostra de caráter absoluto.

A partir da definição do conceito alargado de suporte fático, pode-se traçar uma teorização para os direitos fundamentais que o adote como ponto central. Importa distinguir o fato de existirem teorias dos direitos fundamentais que não admitem restrições externas aos direitos do fato de que o conceito de suporte fático amplo engloba uma quase infinidade de condutas, sem que isso ocasione uma relação de identidade entre elas. Ou seja, as premissas são diferentes: na primeira, não se admite tolhimento alheio ao direito em si; na outra, a esfera que engloba os direitos possui o maior raio possível. Assim, nada obsta que exista uma teoria externa de suporte fático restrito, por exemplo.

Para fins de coerência, contudo, uma teoria externa que adote um suporte fático amplo deverá se guiar pela necessidade de restringir externamente direitos fundamentais, mormente quando se compreende que a mais variada gama de situações se encontra acobertada pelo tipo, fato gerador ou hipótese de incidência.

Consagradamente, adota-se, pela estrutura normativa, a teoria dos princípios106 como a base de uma teoria de suporte fático amplo. Tendo em vista a amplitude que aquela espécie normativa possui (flexibilidade, realização em graus, dentre outras especificidades), ela melhor se amolda à distinção entre direitos prima facie e direito definitivo obtido, quer por regras, quer por princípios, a partir de fora do próprio direito, o que, para fins de melhor divisão do estudo, melhor se aborda no capítulo posterior.

Por não se tratar de um objeto especial deste trabalho, inexiste a necessidade de abordar as críticas dirigidas às teorias externas de maneira pormenorizada, contudo, uma reflexão merece ser realizada e até extrapolada. Virgílio Afonso da Silva107 e Canotilho108 advertem para a crítica formulada de que a existência de direitos prima facie pode conduzir a uma “ilusão desonesta”. A aceitação de um suporte fático amplo para os direitos fundamentais       

106A respeito da teoria dos princípios, consultar: ALEXY, Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio

Afonso da Silva. 2ª ed., passim. Para conferir outra perspectiva: POSCHER, Ralph. The principle theory: how many theories and what is their merit?. In: Klatt, New York: Oxford University Press, Forthcoming, 2009. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/Data_Integrity_Notice.cfm?abid=1411181. Acesso em 10 de dezembro de 2012.

107Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed., p.

145.

108

pode gerar a sensação de que existem mais previsões normativas em abstrato de direitos fundamentais do que se pode alcançar na verdade, o que, todavia, contorna-se por intermédio da possibilidade de suas restrições. Sob esse prisma, também se faz possível, particularizando um determinado direito fundamental, cogitar que existem mais previsões normativas em abstrato para esse direito do que se pode alcançar na verdade, ou mesmo que suas restrições sempre tendem à ser indevidas. O intuito da reflexão é alertar para que, mesmo diante da relevância da questão ambiental na contemporaneidade, ela não ampara o raciocínio anterior, haja vista os desdobramentos que a coexistência do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado com os demais jusfundamentais acarreta, em específico o das restrições.

3.2.2 Teoria externa de suporte fático restrito

Consoante asseverado, como as premissas para caracterização de uma dada teoria dos direitos fundamentais em teoria interna ou externa e em externa de suporte fático amplo ou restrito são diferentes, indica-se, como notas distintivas de classificação, a viabilidade do tolhimento ao direito como algo externo, inadmitida pelas primeiras e admitida pelas segundas; assim como a dimensão da esfera que engloba os direitos fundamentais, que, para as segundas, possui maior raio possível. Assim, indubitável que nada obsta a existência de uma teoria externa de suporte fático restrito, por exemplo.

Por suporte fático restrito, tem-se que a abrangência do tipo, fato gerador ou hipótese de incidência não se revela a maior possível, ainda que a priori. Ou seja, mesmo a priori, é possível se excluir algumas condutas como não protegidas pelo direito fundamental, eis que não enquadradas no suporte fático restrito. Isso posto, pode-se inferir que há a conciliação entre a premissa da teoria externa dos direitos fundamentais de viabilidade do tolhimento do exercício do direito como algo externo com a de suporte fático restrito em que algumas condutas são excluídas a priori da abrangência de um determinado direito fundamental.

Por razões lógicas, admitindo-se aquele suporte, o primeiro passo a ser dado em uma eventual restrição passa pela averiguação de se uma conduta se enquadra ou não na área protegida pelo dito suporte fático restrito para, somente empós, em caso afirmativo, perquirir- se acerca da constitucionalidade da intervenção. A tarefa de determinar o que se enquadra ou não no suporte fático de um dito direito revela, contudo, dificuldades. Ainda que os demais direitos fundamentais que convivem em uma relação de tensão ditem alguns parâmetros interpretativos mediante uma análise sistemática, mormente quando considerados outros

aspectos previstos na Constituição, deve-se atentar para uma justificação detalhada das razões por que alguma determinada situação não se adequa, previamente, ao suporte fático em análise. Nesse ponto, a atividade interpretativa recai no preenchimento do suporte fático em si, antes mesmo de se imaginar socorrer-se de algum método que restrinja o direito alheiamente a esse suporte fático, tal como a ponderação com algum outro.

3.3 A opção pelas teorias externas dos direitos fundamentais: esclarecimentos