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A opção pelas teorias externas dos direitos fundamentais: esclarecimentos necessários

3 OPÇÃO PELAS TEORIAS EXTERNAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:

3.3 A opção pelas teorias externas dos direitos fundamentais: esclarecimentos necessários

Anotação necessária diz respeito a um ponto distintivo entre a teoria interna e a teoria externa que receberá maior relevo no desenvolvimento do trabalho, qual seja: a definição do que se conceba por caso concreto. Indicar com exatidão o que se compreende como caso concreto, para fins didáticos de desenvolvimento, mostra-se imprescindível para a compreensão da proposta que se desenvolve, à medida que se intenciona demonstrar que determinadas decisões legislativas acerca de uma colisão de direitos fundamentais também revelam um caso concreto. Compartilha-se da visão de Virgílio Afonso da Silva109, que explica tal situação como sendo também um caso concreto, muito embora menos concreta ou menos similar ao que vulgarmente denota esse termo, ou seja, uma decisão judicial.

Dito isso, pode-se perceber que a opção pela análise das restrições feitas pela via legislativa tanto mantém mais pertinência com a investigação a respeito das interferências que a capacidade contributiva exerce na liberdade de conformação do legislador em impostos extrafiscais de finalidade ambiental quanto ocorre pelo fato de que, quando se trabalha com a tributação ambiental, torna-se muito dificultoso analisar decisões judiciais que tratam acerca das restrições aos direitos fundamentais dada a sua escassez nos Tribunais brasileiros. Mais difícil ainda seria extrair um critério objetivo que fornecesse um parâmetro seguro para aferir       

109A acepção de caso concreto adotada nesta pesquisa é a mesma utilizada por Virgílio Afonso da Silva: “Caso

concreto pode também significar algo menos concreto ou, pelo menos, mais distante daquilo que usualmente se costuma entender por isso, já que aponta, nessa segunda acepção, a uma decisão do legislador acerca da colisão entre direitos fundamentais. Uma tal decisão legislativa, se, por um lado, é mais abstrata que uma decisão judicial, não deixa de ter também sua dimensão concreta, já que o legislador não se preocupa, nesses casos, com a importância geral e abstrata de dois direitos fundamentais, mas sua importância relativa, em uma situação hipotética.”. (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed., p. 140.). Anote-se que Eros Grau, compreende o conceito de caso concreto de maneira diferente: “A concretização implica um caminhar do texto da norma para a norma concreta (a norma jurídica), que não é ainda, todavia, o destino a ser alcançado; a concretização somente se realiza no passo seguinte, quando é descoberta a norma de decisão, apta a dar solução ao conflito que consubstancia o caso concreto. Por isso dizem alguns autores que interpretação e concretização são distintas entre si – o que contesto, para sustentar que inexiste, hoje, interpretação do direito sem concretização. Esta é, pois, a derradeira etapa daquela.”. (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 5ª ed., p.78). Os itálicos constam do original.

se determinadas restrições ocorreram em consonância com as disposições constitucionais que o caso exigiria, haja vista a ausência de padronização ou de uniformização de jurisprudência entre as cortes do País.

Além disso, não somente pela constatação de que, geralmente, as restrições aos direitos fundamentais são realizadas por meio de regras, bem assim pela inferência de que, em matéria tributária, há necessidade de estrita observância das competências e das limitações constitucionais ao poder de tributar para edição de atos normativos, torna-se mais profícua a compreensão alargada do que se concebe como caso concreto.

Ao se cogitar de uma tributação dita ambiental, é muito corriqueiro que, com o fim de promover o ambiente ecologicamente equilibrado, o legislador valha-se da oneração de determinada conduta com o intuito de desestimulá-la, faça o oposto, ou, além disso, utilize-se dos ingressos de receitas para custear alguma ação estatal que se ligue de alguma maneira àquele fim. Em todas essas situações, ocorre uma tendência às restrições de direitos fundamentais de liberdade, de propriedade e de igualdade por intermédio de regras.

Aponta-se também que existem determinadas situações em que não há regras já obtidas como resultado final da colisão, ou seja, como um produto da colisão das normas de direitos fundamentais. Essas situações, que ocorrem com bastante frequência para outros temas que também trabalham com direitos fundamentais, geralmente possuem por solução uma norma individualizada numa decisão judicial, as quais, muito embora relevantes para a compreensão geral da temática da jusfundamentalidade, não contêm a mesma importância para os principais propósitos deste trabalho, haja vista o exposto nos parágrafos anteriores.

Anote-se, ainda, que, ao passo que se concebe o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado como um direito de incontestável relevância dentro do sistema constitucional brasileiro, ganha relevo o desenvolvimento de reflexão proposta no item 3.2.1 relativa a uma interpretação ainda mais extensiva da já extensiva “ilusão desonesta” mencionada anteriormente. O hiperbolismo de sua importância abstrata em relação aos demais direitos jusfundamentais, além de desvirtuar as bases da teoria externa com suporte fático amplo, conduz sim a essa sensação falaciosa fundada em uma falsa expectativa110 de que se vive em um Estado que não respeita a amplitude desse direito fundamental, ocasionando, por isso, a possibilidade de pensamentos que busquem restringir em demasia os demais direitos fundamentais e que compreendam alguns deles como paradoxalmente albergados por uma teoria de suporte fático restrito, enquanto outros quedam respaldados pelo       

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Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed., p.145-146.

suporte fático amplo. É essa contradição que se visa dirimir com este trabalho, principalmente no plano da tributação ambiental quando se usa dos impostos, buscando-se obter, a partir da capacidade contributiva, um critério apto a desempenhar papel de norteador interpretativo tendente à obtenção de uma maneira de controlar o uso dos impostos extrafiscais de finalidade ambiental de modo supostamente mais objetivo (pautado em critérios aferíveis mediante constatações de situações fáticas), que se funda na possibilidade de extração de algum elemento objetivo que se ligue a alguma situação (des)onerada (por aqueles impostos extrafiscais) e que viabilize uma aferição, ainda que indireta, de maior ou menor mensuração da riqueza envolvida na relação tributária.

Alerta-se, mais uma vez, para a necessidade de averiguação do caso concreto com fins de obtenção do direito definitivo a ser aplicado ao caso. No que tange a este trabalho, há ainda a tentativa de contribuição acima mencionada, qual seja, a de ofertar, em relação às situações em que o Estado se vale da tributação ambiental pelos impostos extrafiscais, um critério anterior ou complementar à ponderação, que, caso inexistente, poderá implicar em que não se cogite nem mesmo da necessidade de efetuar alguma ponderação, mas sim na de declarar a violação de preceitos do sistema constitucional tributário que importam em inconstitucionalidade da norma dos ditos impostos. Superada essa etapa, procede-se ao processo que solucione eventual colisão entre os princípios postos em análise pelo intérprete.

Mais outro esclarecimento há de ser feito: em nenhum momento se refuta a teoria dos princípios, o sopesamento ou a ponderação. Pretende-se, neste trabalho, agregar mais um elemento que, além de servir de parâmetro para reduzir a subjetividade interpretativa, também se preste a limitar a liberdade de conformação do legislador no âmbito restrito do uso de impostos na tributação ambiental. Trata-se de um parâmetro que permite mais elevado grau de fiscalização no processo de argumentação que restrinja direitos fundamentais, viabilizando um maior controle intersubjetivo.

Há de se frisar que o critério proposto deve ser aplicado exclusivamente em uma tributação que vise a promover uma finalidade mantedora de identidade com um direito fundamental, haja vista a ampla possibilidade de restrição aos direitos fundamentais de liberdade e de igualdade. No caso, elegeu-se o direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, para fins didáticos, dado o seu caráter emblemático e relevante na Constituição Federal de 1988.

Liga-se a proposta, intrinsecamente, a uma busca pelo aumento do grau de segurança jurídica111 no Brasil, não se restringindo à análise do método de aplicação dos direitos fundamentais. Daí dizer que não se está a realizar uma ferrenha crítica ao sopesamento e à ponderação. Pretende-se, em verdade, acrescentar uma reflexão à maneira como se estrutura o sistema constitucional tributário, em especial no que tange à extrafiscalidade ambiental dos impostos, para, a partir disso, ofertar a proposta metodológica sobre a qual se vem discorrendo.

Outro motivo para se pactuar com essa teoria (teoria externa de suporte fático amplo) é a aceitação de direitos prima facie tomados em um conceito amplo. Um dos pontos mais importantes do trabalho reside na maneira como os direitos de propriedade, de liberdade e de igualdade podem ser restringidos pelo legislador em impostos extrafiscais de finalidade ambiental, daí o interesse em averiguar a interferência da capacidade contributiva, concebida sob a ótica da jusfundamentalidade, na liberdade de conformação legislativa, o que ocorre, com mais intensidade, por evidente, quando aqueles direitos se inserem em um espectro mais amplo112. A relevância se dá, ainda, para facilitar a compreensão do que são direitos prima facie e do que são direitos definitivos. Tal distinção faz-se importante para a demonstração de que, muitas vezes, a tributação recai apenas sobre direitos de liberdade, de propriedade e de igualdade prima facie, mas que, quando realizada uma análise mais acurada, não se mostram como direitos definitivos de liberdade, de propriedade ou de igualdade. Nesse contexto de busca pelos direitos em definitivo e pelas situações em que se os pode restringir, é que se pretende inserir a capacidade contributiva como mais um critério apto para desempenhar papel de norteador interpretativo tendente à obtenção de uma maneira de controlar o uso dos tributos extrafiscais que exprimam finalidade de proteção ambiental de modo supostamente mais objetivo (pautado em critérios aferíveis mediante constatações de situações fáticas), que se funda na possibilidade de extração de algum elemento objetivo que se ligue a alguma situação (des)onerada (por aqueles impostos extrafiscais) e que viabilize uma aferição, ainda que indireta, de maior ou menor mensuração da riqueza envolvida na relação tributária.

      

111 Acerca da segurança jurídica no Direito Tributário, Cf. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre

permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011.; TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica. Metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012./ COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. (Coord.). Segurança Jurídica. Irretroatividade das decisões judiciais prejudiciais aos contribuintes. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

112 Sobre a aceitação de uma teoria do suporte fático amplo, Virgílio Afonso da Silva explica que: “a

conseqüência automática é a aceitação de um direito amplo de liberdade”. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da.

Nota distintiva, contudo, apresenta-se no caso de aceitação do suporte fático restrito para o desenvolvimento da teoria proposta. Aceita-se que, por mais amplo que se revele o direito de liberdade, de propriedade ou de igualdade, existem certas condutas que não são albergadas pelo suporte fático daqueles direitos. O mesmo raciocínio é valido relativamente ao direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, quando se trabalha com a noção de suporte fático restrito neste trabalho, toma-se a ideia desenvolvida por Pieroth e Schlink113 de que, para se conhecer qual o âmbito de proteção de um direito fundamental, há a necessidade de uma compreensão sistemática que tome em consideração os demais direitos fundamentais e as demais determinações contidas na Constituição, de maneira que é sob essa ótica que se aborda a capacidade contributiva como fator limitante da liberdade de conformação do legislador em impostos extrafiscais ambientais. Nesse ponto específico, toma-se a noção de que a capacidade contributiva pode atuar como um princípio estrutural do sistema constitucional tributário de molde a ofertar um parâmetro que auxilie na delimitação do âmbito de proteção dos direitos fundamentais de liberdade, de propriedade e de igualdade, ainda quando se cogite de uma tributação extrafiscal que se valha dos impostos para sua instrumentalização.

Assim, para a hipótese que trabalha com o suporte fático restrito, o primeiro passo do controle das restrições reside em precisar o suporte fático do direito em análise sob o prisma de como a capacidade contributiva reflete, no sistema constitucional brasileiro, os direitos de liberdade, de propriedade e de igualdade, e, por conseguinte, limita a liberdade de conformação do legislador em impostos extrafiscais ambientais. Por exemplo, uma vez evidenciado que inexiste a capacidade contributiva no tributo extrafiscal, torna-se clarividente que há uma intervenção indevida no âmbito de proteção dos direitos de liberdade ou de igualdade, ao passo que o gravame estatal recai sobre uma conduta impassível de tributação. Ou seja, a um só tempo, define-se que existem direitos de liberdade, de propriedade e de igualdade albergados na relação jurídica e também que eles são violados pela imposição tributária.

      

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A crítica à teoria do suporte fático desenvolvida por Pieroth/Schlinck é feita em: SILVA, Virgílio Afonso da.

Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed., p. 159-162. Anote-se, ainda, a tradução

da obra de direitos fundamentais daqueles autores para a língua portuguesa. Cf. PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Trad. António Francisco de Sousa e Antônio Franco. São Paulo: Saraiva, 2012.

4 NOTAS ACERCA DAS RESTRIÇÕES E DAS CONFIGURAÇÕES AOS