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As conexões estabelecidas entre o CAPS Prof. Frota Pinho e o CSF Fernandes Távora incluem consultas conjuntas e discussões de caso, ambas realizadas no CSF, e encaminhamentos e contatos telefônicos mútuos. Todas essas interfaces foram

produzidas - ou modificadas, no caso dos encaminhamentos - a partir da implantação da tecnologia do apoio matricial, que ocorreu da seguinte forma:

A partir de 2008, 2009, a rede de saúde mental de Fortaleza, a Secretaria Municipal de Saúde, providenciaram umas capacitações em matriciamento. Tanto para os trabalhadores do CAPS e como trabalhadores da atenção básica. Foram formadas quatro turmas, e essas turmas foram feitas em grupos mistos, atenção básica e saúde mental. Tínhamos aí algumas horas de parte teórica e algumas horas de nível prático, onde a gente ia pra atenção básica e faria o matriciamento lá. [CAPS 04]

O apoio matricial começou através de um curso desenvolvido pela SMS, sendo inicialmente implantado nas unidades de saúde cujos profissionais participaram desse treinamento. O resultado do processo de implantação é avaliado muito positivamente pelo CAPS, pois conseguiram inserir essa estratégia em quase todas as unidades de saúde de seu território:

Já no posto de saúde, na atenção básica, eu vejo assim que está sendo assim realizado eu posso dizer até assim, de alguns matriciamentos que foram feitos, que está indo muito bem. O Anastácio [CSF Anastácio Magalhães] , o Pereira [CSF Francisco Pereira de Almeida] , o Liduína [CSF Santa Liduína] , alguns postos que foram matriciados... Acho que foram 14 postos, dentre eles eu acho que dois ou três assim não aderiram direito ao matriciamento. Mas os demais, está funcionando o matriciamento. [CAPS 01]

Foi uma das únicas regionais a realmente implementar e monitorizar e cair realmente no campo, em relação a tentar encontrar estratégias de matriciamento junto as nossas 16 unidades, com todas as dificuldades, com todas as limitações que se possa imaginar. [CAPS 03]

Nesses dois ou três serviços onde há maiores dificuldades, entendemos que o apoio matricial não acontece, ou ocorre de forma muito precária. Na maioria dos centros de saúde da SER III, o CAPS avalia a implantação como exitosa, o que não significa ignorar que nessas unidades também existam problemas, conforme vários relatos dos profissionais envolvidos. Fazemos a ressalva de que, por termos optado investigar um dos serviços que foi mais bem avaliado pela equipe, o CSF Fernandes Távora, algumas das dificuldades descritas podem não dizer respeito especificamente a esse serviço, pois ao entrevistar profissionais do CAPS indagamos sobre a estratégia matricial de forma geral, ou seja, no conjunto de unidades de abrangência do CAPS.

Descrevermos, portanto, os sucessos e dificuldades do apoio matricial, tendo em vista o que consideramos suas três funções essenciais: assistencial, pedagógica e organizativa. Iniciaremos com a descrição de como funcionou no CSF Fernandes Távora a organização da atenção à saúde mental:

Era a primeira segunda-feira do mês que funcionava aqui no posto com o Dr. [fulano] , psiquiatra. E ele vinha pra cá e aqui a gente fazia uma roda, vinha ele com uma enfermeira que o acompanhava. Ele é preceptor da faculdade, da residência de psiquiatria, lá em Messejana [Hospital de Saúde Mental de Messejana] . Eu aqui e ficava mais dois enfermeiros, o [sicrano] e a [beltrana] , o paciente aqui no meio. Então a gente marcava, agendava 2 ou 3 pacientes, selecionava e dizia "olha, esse paciente aqui, vamos marcar pro [psiquiatra fulano] dar uma olhada". [CSF 05]

Para mim, foi passado assim: vai vir uma equipe, um período por mês, e o que vocês detectarem com o médico alguma necessidade, mudança de conduta ou não domínio da patologia em relação ao médico, aí você vai encaminhar para ir para essa equipe reavaliar, mudar a conduta, ou manter... Resolver. [CSF 03]

Ela [a usuária] não pode vir direto. Primeiro porque quando o ACS identifica, ela tem que primeiro passar pelo médico. Ele vendo o estado dela, ai ele encaminha ela pro matriciamento. [...] Ela tem que marcar [uma consulta com o médico] , mas quando a gente vê que o paciente tem um caso bem específico, ai a gente fala com a coordenadora e ela já dá uma ajeitada. [...] Como se fosse uma priorização. Quando não tem, ai ela faz o procedimento normal. Ela vem de manhã pra demanda, passa pelo clínico, deixa o encaminhamento do matriciamento ai e fica esperando ser marcado. [CSF 07]

Percebemos haver uma concordância nas descrições do funcionamento do apoio matricial. Isso revela que foi possível criar um fluxo de atendimento compreendido por todos os envolvidos (os excertos acima incluem ACS, enfermeiro e médico), que inclui ainda uma combinação de agendas entre os profissionais envolvidos, inclusive com a equipe do CAPS. Apesar das dificuldades encontradas na marcação inicial da consulta médica, uma vez obtido esse atendimento, existe um fluxo de acolhimento previsto para as demandas de saúde mental. Isso é importante para produzir uma referência, tanto na equipe como na população, de que o centro de saúde é o local adequado para tais demandas, auxiliando a ESF a assumir formalmente a saúde mental como uma de suas áreas de atenção. Assim, modifica-se a relação que a população, os profissionais e o CSF têm com o sofrimento psíquico.

Observamos mudanças na rotina individual dos profissionais, tanto ao disponibilizarem parte de seu tempo de trabalho para as atividades do apoio matricial, criarem uma agenda comum, e efetuar mudanças nas condutas de encaminhamento externo de pacientes:

O paciente chega, o clínico faz conduta dele, quando for mês seguinte o paciente volta dizendo que não melhorou, 15 dias, que permanece... O médico orienta, ou a continuidade da medicação, para esperar o efeito, ou muda, acrescenta e aumenta a dose, e percebe que o paciente refere que não está havendo uma reposta. Aí, realmente, ele chama a enfermagem, pergunta de quem é a área e diz: "olha, isso aqui eu estou encaminhando para ser avaliado por um psiquiatra". Então a gente já sai dali do consultório, e já coloca na agenda. [CSF 03] E aí depois do atendimento do clínico, se ele não conseguir conduzir o caso, [...] existia uma equipe de matriciamento, que vinha uma vez por mês. E os casos mais difíceis para o clínico a

gente agendava uma vez por mês para ele reavaliar e manter ou mudar a conduta. Era assim que era feito. Atualmente a gente infelizmente só tá tendo o acompanhamento do clínico. Quando ele vê que não consegue manejar, aí ele já vai encaminhando para o CAPS. [CSF 03] Porque no NASF, a gente tem uma psicóloga. Ela, nas vezes que tinha matriciamento, ela participava. Ela fazia parte da equipe do posto. Então assim, vamos supor: hoje tem matriciamento. O matriciamento seria com quem: com o pessoal do CAPS, o psiquiatra que vem do CAPS, o clínico geral da unidade, a enfermeira que faz parte daquela... Vamos supor, o paciente é da área 3, então a enfermeira da área 3 vai participar para estar a par do que está acontecendo, e a psicóloga do NASF também. [CSF 01]

Observamos que, uma vez interrompido o matriciamento, um dos profissionais relatou que o clínico retorna a realizar o encaminhamento de alguns casos, mostrando que a presença do apoio tem uma influência em sua conduta individual. Percebemos ainda que a organização da atenção no CSF incluiu uma profissional do NASF, de modo a estabelecer uma relação também entre NASF e EqSF por meio do apoio matricial. Uma vez que o núcleo também é uma equipe de apoio, é necessário ao NASF criar estratégias de relacionamento com os demais profissionais da ESF, processo muitas vezes dificultoso. Por isso, consideramos um ponto positivo o matriciamento tornar-se um espaço propício também para esse contato.

Em relação ao aspecto pedagógico, consideramos o apoio matricial que deve incluir tanto o desenvolvimento de habilidades técnicas relacionadas ao manejo dos pacientes em sofrimento psíquico, mas também influenciar questões mais subjetivas, como o possível receio ou resistência ao contato com pessoas em sofrimento psíquico. Não foi possível investigar modificações na disposição subjetiva dos profissionais, mas percebemos que as mudanças no aspecto técnico foram reconhecidas e valorizadas pelas EqSF:

ENTREVISTADO 2:Os princípios são muito bonitos. Do matriciamento. Você vem, e todos os