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Os pacientes com esse perfil possuem queixas de saúde mental consideradas

“leves”, que incluem manifestações ansiosas ou depressivas, dificuldades para dormir,

conflitos situacionais (família, vizinhos, emprego), e ainda pessoas cuja demanda de sofrimento não está clara, porém estão buscando fármacos antidepressivos ou ansiolíticos. Tais pessoas não se constituem clientela do CAPS, de forma que se tem tentado garantir seu acompanhamento pela ESF e por terapias alternativas e complementares.

Os pacientes com perfil “matriciamento” são encaminhados para o seu CSF de referência. A SER III possui atualmente 16 CSFs, todos cobertos por equipes de apoio matricial do CAPS. Essas equipes constituem-se de duplas, contando sempre com a presença de um psiquiatra e um profissional de outra categoria. Foram criadas sete equipes: 03 compostas por psiquiatra e assistente social; 03 compostas por psiquiatra e enfermeiro; 01 composta de psiquiatra e psicólogo. Terapeutas ocupacionais e artistas não participam do apoio matricial. Cada equipe fica responsável por dois ou três CSFs, realizando atendimentos conjuntos mensais em cada local. Há ainda um revezamento dentro dos centros de saúde, de forma que em cada visita uma equipe de saúde da família (EqSF) diferente traz casos de seu território para o atendimento. Considerando que os CSFs geralmente possuem 03 ou 04 equipes, o rodízio implica que o atendimento de cada uma delas é realizado a cada 03 ou 04 meses.

Ainda que exista o planejamento das visitas mensais ao CSFs, os profissionais do CAPS relatam dificuldade de manter essa agenda, seja pela indisponibilidade dos profissionais da ESF, do carro para o transporte ou dos próprios pacientes, que por vezes não comparecem às consultas. Identificamos ainda que nem todos os profissionais do CAPS participam do apoio matricial, tendo sido escolhidos profissionais que possuíam identificação com a proposta e afinidade entre si para a composição das equipes de apoio. Esse relato corrobora com a pesquisa realizada na SER IV por Morais e Tanaka (2012), que apontou a identificação pessoal com saúde mental dos profissionais da ESF como requisito de sua efetiva participação no apoio matricial.

A partir da identificação do perfil matriciamento, o paciente é encaminhado do CAPS diretamente para o CSF, e submetendo-se ao seu fluxo específico. Uma vez que o paciente consegue o atendimento na ESF, fica a cargo das EqSF organizar a agenda de prioridades para o atendimento do apoio matricial. Os pacientes recebem um formulário

de encaminhamento, que contém a identificação do CAPS e do profissional que fez o acolhimento, informando as medicações em uso pelo paciente e contendo ainda uma transcrição do trecho da portaria 336/2002 do Ministério da Saúde, que indica que o CAPS deverá atender prioritariamente a pacientes graves. Quando esses pacientes necessitam de medicação em um curto período de tempo, é também agendado um atendimento único com o psiquiatra do CAPS. Nesses casos, não existe a abertura do prontuário do paciente, nem a vinculação com outras atividades do serviço, evitando ao máximo a fixação do paciente no CAPS.

É importante ressaltar que, ainda que todos os pacientes encaminhados para a APS sejam denominados de matriciamento, apenas uma pequena minoria de fato é incluída em atividades de apoio matricial. Conforme veremos em seguida, na descrição das atividades realizadas no CSF, quase todos os pacientes desse perfil são acompanhados apenas pelas equipes de saúde da família, principalmente pelo médico de família e pelo agente comunitário de saúde (ACS). O atendimento conjunto realizado por cada equipe de apoio e EqSF agrega em torno de quatro ou cinco pacientes por encontro mensal, incluindo-se nesse número o retorno de pacientes que necessitam de mais de um atendimento conjunto.

É interessante demarcar que no CAPS o apoio matricial é visto como bastante positivo, mesmo para os profissionais que não compõem as equipes de apoio. Acreditamos que isso se deve à legitimação dos encaminhamentos à APS possibilitada pela existência do apoio matricial. Segundo relatou uma trabalhadora, ao descrever uma

situação anterior de superlotação existente no CAPS: “veio então a grande luz no fim do túnel: o matriciamento” (DIÁRIO DE CAMPO 2). Observa-se que é atribuído ao apoio

matricial a possibilidade dos encaminhamentos de demandas leves serem feitos a Atenção Primária sem que se caracterizassem como negação do atendimento (desassistência) à população. Segundo relatos dos profissionais do CAPS, a atenção primária era (e ainda é, segundo alguns) bastante resistente em relação a assumir o cuidado pelas demandas leves de saúde mental. Contudo, ressaltamos que a organização do apoio matricial ocorreu posterior a outra pré-condição fundamental para o sucesso desse redirecionamento da demanda: a ampliação da ESF, que incluiu um aumento da cobertura em Fortaleza de 8% para 33% no período de 2000 a 2012, indo de 50 EqSF para 349 durante o referido intervalo.

Os pacientes de perfil matriciamento também recebem, ainda no acolhimento do CAPS, um encaminhamento para terapias alternativas e complementares existentes

tanto na SER III como no restante do município, novamente por meio de um formulário específico. Neste formulário consta o endereço de várias atividades, como terapia de resgate da autoestima, terapia comunitária, massoterapia, grupo de idosos, aplicação de Reiki, grupo de prevenção ao suicídio, grupo de perdas e luto, e ainda os serviços de psicologia aplicada de faculdades de psicologia da (UFC, UNIFOR e UECE). Essa sistematização de outras ofertas de cuidados inclui como possíveis parceiros do CAPS várias instituições, incluindo universidades, CSFs, Centros Sociais Urbanos (CSU) e ONGs. Observa-se uma relação, ainda que apenas sob a forma de encaminhamento, com um número significativo de instituições.

Tendo em vista a impossibilidade de incorporar esses pacientes no serviço, uma vez que não apresentam sofrimento psíquico grave, foi criado um ambulatório de psiquiatria no Centro de Especialidades Médicas José de Alencar (CEMJA), localizado no centro de Fortaleza. Segundo a coordenadora do CAPS, há uma proposta da coordenação de saúde mental do município que posteriormente os CAPS AD de cada regional fiquem responsáveis pelo acompanhamento de pessoas dependentes de benzodiazepínicos, porém isto ainda não ocorre atualmente. Dessa forma, os pacientes são recebidos no CAPS, porém redirecionados para o CEMJA caso não seja identificada a presença de sofrimento psíquico grave na entrevista do acolhimento.

Por conta do fechamento do IPC, houve um acréscimo súbito de pacientes com

“perfil matriciamento” no CAPS. Diariamente observamos a procura de em torno de 10

pessoas que eram atendidas no IPC, a grande maioria recebendo apenas medicação ansiolítica. Tendo em vista que a organização da atenção na APS, mesmo com o apoio matricial, não estava planejada para uma demanda dessa magnitude, criou-se no CEMJA um ambulatório especificamente para essa demanda. A central de marcação de consultas é acionada por telefone pelo CAPS, de forma que o paciente é orientado a comparecer ao CEMJA em uma data específica. No período de nossa observação, o prazo para atendimento não era maior do que uma semana, situação dificilmente sustentável em longo prazo. São orientados a buscar o HSMM os pacientes mais insistentes, que, apesar de não serem considerados perfil do CAPS, referem urgência. Ressaltamos que em nossa observação identificamos que os pacientes que referem tal urgência não são necessariamente os que possuem maiores comprometimentos, e que muitos deles mostravam-se incomodados em substituir o atendimento no CAPS ou no IPC pelo atendimento no HSMM, em virtude da maior distância. A equipe com

frequência mostrava-se incomodada com a exasperação de algumas dessas pessoas, associando-a com a dependência desenvolvida aos fármacos benzodiazepínicos.