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ALTA DO CAPS

5.3. Centro de Saúde da Família Sen Fernandes Távora

Nessa seção iremos analisar algumas características do CSF Fernandes Távora. Assim como nas duas seções anteriores, investigamos como se encontra sua composição de equipe, estrutura física e fluxo de usuários. Também foram explicitados sua proposta de cuidado em saúde mental, o funcionamento do acesso ao serviço, assim como os critérios utilizados pelos profissionais para manter os casos sob responsabilidade da EqSF, ou encaminhá-los aos CAPS ou HSMM15.

O Centro de Saúde da Família Fernandes Távora localiza-se no bairro Henrique Jorge, incluindo em sua área de abrangência este bairro e uma pequena parte do bairro João XXIII, tendo como limite oeste o rio Maranguapinho. Esse território está dividido em 115 quadras, compondo 25 micro-áreas, o que corresponde a aproximadamente 15.000 pessoas sob sua responsabilidade sanitária.

O serviço possui três equipes de saúde da família, com médicos (02), enfermeiros (03), dentistas (03) e agentes de saúde (20). A terceira equipe esteve incompleta desde a implantação do programa saúde da família, tendo ocorrido a contratação de um terceiro médico no período em que realizávamos as últimas entrevistas, posteriormente ao período de observação de campo. Os profissionais relataram ainda a necessidade de mais 05 agentes de saúde para completar as áreas descobertas. Além das EqSF, o serviço conta também com 02 clínicos gerais, 01 ginecologista-obstetra e 02 dentistas em regime ambulatorial. O CSF contava também

com uma equipe NASF, com 06 profissionais: psicólogo, fonoaudiólogo, profissional de educação física, nutricionista e 02 fisioterapeutas.

O CSF possui 01 consultório odontológico, 03 consultórios de enfermagem, 04 consultórios médicos, incluindo um consultório ginecológico, sala de vacina e aerossol, sala de pesagem, farmácia, sala de coordenação, copa, sala de reuniões, sala de recepção/espera com dois guichês de atendimento, 03 banheiros e um alpendre onde são realizadas atividades de grupo. O CSF apresenta vários problemas de estrutura: os três consultórios de enfermagem foram criados pela divisão de uma sala maior por meio da construção de paredes de compensado, financiadas pelos próprios profissionais; a sala de reuniões é formada pelo espaço negativo entre a farmácia, coordenação, copa e pesagem; o espaço de grupo acontece no alpendre nos fundos dos consultórios médicos, onde se encontram as janelas e os exaustores dos ar-condicionados dos mesmos.

O trabalho realizado no CSF inclui atividades desenvolvidas pelas equipes da estratégia saúde da família e pelos demais profissionais de atendimento ambulatorial, que funcionam de forma diferente. Os médicos e dentistas de atendimento ambulatorial realizam apenas consultas e procedimentos odontológicos, direcionados a quaisquer pessoas mediante marcação realizada no próprio centro de saúde. Os profissionais das equipes de saúde da família atendem apenas as pessoas cadastradas em seu território de abrangência, incluindo a busca ativa e o acompanhamento regular de pacientes com hipertensão, diabetes, hanseníase e tuberculose, além de gestantes e puérperas. Essas

pessoas possuem um prontuário específico, chamado “Ficha B”, o que garante a

marcação automática de novas consultas, até a resolução de seu agravo específico (cura da doença, parto, desenvolvimento da criança etc.). As doenças crônicas mantêm o retorno indefinidamente. Os profissionais (com exceção dos dentistas) também realizam visitas domiciliares semanalmente a pacientes acamados ou com alguma outra condição que os torne restritos ao domicílio. São realizadas também visitas regulares pelos ACS, que fazem um controle demográfico dos moradores da área de cada equipe. Esse controle inclui a investigação de alguns aspectos de saúde, especialmente das pessoas cadastradas nas fichas B. Dessa forma, além da marcação de consultas, os ACS realizam uma mediação entre as EqSF e a comunidade, facilitando o desenvolvimento das demais atividades e a escolha de prioridades de atendimento pela equipe.

Iremos discutir as atividades relacionadas à saúde mental realizadas no centro de saúde. Não foi possível na fase de observação participar dessas atividades, pois o apoio matricial havia sido suspenso, e as demais atividades acontecem de forma esporádica,

sem marcação prévia. As informações que obtivemos a respeito destas ocorreram por meio das entrevistas realizadas, e dos relatos de trabalhadores do CSF durante a fase de observação.

Todos os profissionais citaram o apoio matricial que era realizado pelo CAPS, mas em relação ao que era realizado isoladamente pelos profissionais da EqSF, obtivemos informações muito divergentes dos profissionais. Concluímos que não existe uma posição comum em relação ao que é a proposta de cuidado em saúde mental desenvolvida no centro de saúde. O único ponto de aparente consenso é em relação à existência de consultas médicas voltadas para esse fim:

Existe demanda [de saúde mental]. Até elevada, a gente percebe. E a gente tenta solucionar procurando os médicos clínicos que existem na casa. E aí depois do atendimento do clínico, se ele não conseguir conduzir o caso, existia uma equipe de matriciamento, que vinha uma vez por mês. E os casos mais difíceis para o clínico [...] a gente agendava para o psiquiatra. Atualmente, a gente, infelizmente, só tá tendo o acompanhamento do clínico. Quando ele vê que não consegue manejar, aí ele já vai encaminhando para o CAPS. [CSF 03]

Basicamente [o que existe é] uma consulta para renovar receita. [...] Essa pessoa, ela não tem assim... uma conversa com o psicólogo, para saber exatamente aquele mês que passou, como foi a reação dela. A vida dela. [...] Eu acredito que um clínico geral não é o mais indicado para estar dando esse suporte. Porque alguém que tá fazendo tratamento na saúde mental, não é só a questão do medicamento. [CSF 01]

O paciente chega, o clínico faz conduta dele, quando for mês seguinte o paciente volta dizendo que não melhorou... O médico orienta, ou a continuidade da medicação, para esperar o efeito, ou muda, acrescenta e aumenta a dose, e percebe que o paciente refere que não está havendo uma reposta. Aí, realmente, ele chama a enfermagem, pergunta de quem é a área e diz "olha, isso aqui eu estou encaminhando para ser avaliado por um psiquiatra". [CSF 03]

Normalmente esses [pacientes que chegam com um 'bilhetinho'] são os que eles [do CAPS] dão alta. "Dão alta" aspas, eles dizem: "não precisa mais ficar vindo aqui no CAPS". Eu entendo dessa forma: "vamos abrir espaço pra outros pacientes, porque você tá bem, você tá estável, você pode ser acompanhado no posto de saúde". O 'acompanhado' seria: repetir a receita. Repetir a receita. Porque ninguém tem assistência psiquiátrica aqui, assim de forma continuada. [CSF 05]

Todas as categorias pesquisadas referiram a atividade “consulta médica”, mas

sempre ressaltando as limitações existentes desse procedimento. Foi criticada a exclusividade do tratamento farmacológico, e o consequente direcionamento das intervenções apenas aos sintomas, assim como a ausência de profissionais especializados (psiquiatra e psicólogo) no centro de saúde. Além das falas anteriores, os excertos a seguir também evidenciam esse aspecto:

A Psiquiatria, a Psicologia e a Psicanálise, parecem ser tudo uma coisa só e são coisas completamente diferentes. A Psiquiatria é muito farmacológica, ela trata o sintoma. Já a Psicologia e a Psicanálise, vão atrás das origens dos sintomas. Então tirar o paciente da

depressão com fluoxetina, com amitriptilina, com risperidona, seja o que for, não é tão difícil assim. Agora você saber por que ele tá deprimido ou porque tá com síndrome do pânico, um conflito, alguma coisa... ou uma neurose, uma histeria... Aí são outros quinhentos. [CSF 05] O programa de saúde mental da unidade de saúde, ela é muito restrita em relação ao que se propõe para essa determinada função, para esse determinado específico da saúde, que é a saúde mental. Por quê? Porque é muito esporadicamente que se vem um profissional da saúde mental para fazer os determinados atendimentos à demanda que se tem na unidade. [CSF 04]

Os profissionais reconhecem a grande demanda por psicofármacos, porém sua disponibilidade é regulada pelo número de receituários B recebidos pelo centro de

saúde, chamados de “receita azul”:

[Entrevistador: A demanda por benzodiazepínicos é grande?] Demais! Demais, demais demais demais! Só receita azul aqui era demais... [...] Obviamente alguns pacientes precisam, não só pra saúde mental. Paciente idoso, com insônia, paciente com ansiedade, com sua doença. Mas o uso disso aqui é muito grande. Benzodiazepínico e Viagra é o 'pau que rola'. É o ‘pau que rola’! [risos] Infelizmente... [CSF 05]

Porque quando chegam as receitas azuis aqui no posto, aí a doutora [a coordenadora do CSF] diz assim: "só os dois blocos de receita azul que eu recebo é só para a área da [ACS Fulana]." Só pra você ter uma noção do tanto de gente que recebe receita azul, porque necessita do medicamento porque tem problema. Quando não é depressão, é TOC, é transtorno mental. Sempre tem alguma coisa. É esquizofrenia. Na minha área tem, ela abrange todas as doenças mentais. [CSF 07]

Nem sempre vem a demanda [de receita azul] que ela [coordenadora] pede, né? Porque eles [da SER] acham que é demais. Só que não é, porque não só na minha área, mas na dela, na dela, somos 20 agentes de saúde e existem muitas pessoas que tomam remédio controlado. Ai tudo isso complica, porque se você manda só dois blocos, só são 100 receitas azuis. Se você... Só na minha área eu acho que uns dois blocos não dá nem pro começo. Eu só numa casa ali eu deixo três receitas. Então não dá nem pro começo, está entendendo? [CSF 07]

Como apenas as farmácias-polo de cada regional realizam a dispensação desses medicamentos para a rede, o controle é feito pela quantidade limitada de receituários enviados para cada unidade. Contudo, estimativa parece ser desproporcional à necessidade reconhecida pelos trabalhadores.

Ainda em relação às atividades realizadas no centro de saúde de forma independente ao CAPS, as consultas de enfermagem também foram mencionadas como espaço de acolhida para algumas demandas consideradas leves, cuja escuta impacta positivamente outras condições clínicas:

ENTREVISTADO 1: Então 90% dos problemas básicos, tem ligação com saúde mental. O problema é que antes não tinha acompanhamento de enfermagem, o paciente vinha e fazia o acompanhamento com o médico. Então era só renovação da receita. [...] Antes de implantarem o saúde da família. Quando a gente começou a trabalhar [como ESF], começou a escutar a essas pessoas. Eles eram tão acostumadas com esse tipo [anterior] de tratamento, que se eu passasse cinco minutos com o paciente aqui, ele batiam na porta. [...]

ENTREVISTADO 2: Eles faziam era brigar com a gente: "Tá demorando demais!"

ENTREVISTADO 1: "Tá demorando demais!". Então eu comecei a dizer para eles: "gente, eu tenho que ouvir vocês". Quando eu comecei a ouvi-los, muitos deles melhoraram. Diminuíram a medicação. [CSF 02]

As questões de saúde mental subjacente a problemas clínicos são endereçadas com maior facilidade pelos enfermeiros. Contudo, quando a demanda é declaradamente um problema de saúde mental, existe a imediata solicitação do médico, estando o cuidado a essa demanda dependente da prescrição farmacológica, consoante às falas já discutidas acima. Observamos ainda que, não apenas os profissionais de enfermagem, mas também os ACS criam um espaço de escuta em suas visitas regulares aos domicílios:

Ao chegar [na casa da pessoa], a gente pergunta se está tomando a medicação regularmente, direito. A gente pede para dar uma olhada na receita, "o que o médico falou?". E a gente vai mais para o lado humanístico, mais conversa mais harmoniosa, de sentar... E aí, visto todo o processo da questão da saúde formal, a gente vai para o lado informal, que é "E aí? Como é que está o marido? Como está o trabalho? Os filhos? Tem viajado?" [...] Mais humanística no sentido de você quebrar esse paradigma de ir só em função do medicamento. [CSF 04]

O acompanhamento que a gente faz em domicilio [...] é praticamente morar com eles. Ficar ouvindo, porque a maioria das pessoas que tem esse problema, elas não são ouvidas. Elas são isoladas, né? Então quando a gente chega lá, nós somos o "cano de escape". Então a gente fica lá por horas ouvindo, pergunta se eles estão tomando a medicação correta. O que que eles estão fazendo durante o dia. O que que eles estão se alimentando. Eu, pelo menos, chamo pra sair. Eles não têm coragem de sair. [...] E... Escutar mesmo. Conversar com eles, mesmo. Porque eles não têm atenção. Então eu acho que isso ai também piora muito a doença. Se você não tem uma atenção, né? [CSF 07]

[...] depois eu passei lá e ela [uma usuária do CAPS] me disse: "Eu continuo? Aquele medicamento já estava muito forte, mulher.” Eu disse: "Mulher, não se preocupe não. Na próxima consulta ela [a médica] vai botar metade. Agora aquele outro não pode deixar de tomar. Porque aquele outro é pra tu ficar essa pessoa maravilhosa que tu está ai." Aí ela começa a achar graça, porque eu digo: "é a pílula da alegria". [CSF 07]

Percebemos que os ACS, por um lado, reproduzem e reforçam o aspecto biomédico do cuidado, orientando e fiscalizando o uso de psicofármacos. Porém, além desse aspecto, eles também se colocam disponíveis de uma forma “humanística” ou

“informal”, tornando-se “cano de escape”. Dessa forma, adotam uma postura que

reconhece e legitima outras dimensões envolvidas no processo de sofrimento psíquico (VECCHIA; MARTINS, 2009), e convida a um compartilhamento dos sofrimentos e dificuldades vivenciados pelos usuários. Assim como observado em outra pesquisa

(JUCÁ; NUNES; BARRETO, 2009), com facilidade os ACS conseguem captar o sofrimento social associado ao sofrimento psíquico.

Ainda que não possuam nenhum tipo de treinamento específico para lidar com essas demandas, nem exerçam essa escuta de uma forma técnica, a disponibilidade pessoal para escutar as dificuldades de seus usuários já demonstra uma proposta de cuidado diferente da atenção farmacológica. Essa proposta aproxima-se da reconquista de alguns espaços sociais, conforme essa fala sobre um usuário que não saía nunca de casa, e era estimulado pelo ACS da área:

Ele conseguiu votar, porque faziam três anos que ele não votava. Ele conseguiu pegar um ônibus e ir votar [...]. Ele me disse: “eu me senti tão feliz, porque eu encontrei todos os meus amigos de infância". Porque onde ele vota é onde ele mora va quando ele era criança. [...] E eu disse: "Olha aí que coisa boa, que você está perdendo? Você está perdendo o convívio com seus amigos. [...] Você precisa ver outras coisas, respirar outros ares. Até mesmo pra sua melhora”. [CSF 07]

No caso dos ACS, percebemos que ainda que estes sejam aculturados na lógica biomédica hegemônica nos serviços de saúde, possuem ainda práticas que se aproximam, ainda que intuitivamente, do modelo psicossocial defendida pela reforma psiquiátrica. E os próprios ACS por vezes percebem a presença dessas duas lógicas diferentes, conforme o relato a seguir, do mesmo profissional que anteriormente falava

da “pílula da felicidade”:

Eu... Acho assim, se eu pudesse eu faria de tudo para eles não tomarem nenhum tipo de medicamento, entendeu? É que nem um drogado. [...] Quem usa drogas mesmo, ele entra numa clínica pra fazer um tratamento, ai ele tira a droga e bota os benzos [benzodiazepínicos], não é isso? Então ele tirou uma droga pra botar outra. Então ele está saindo de um vício pra entrar noutro. Então pra mim isso não é cura. Isso são trocas de drogas. Então eu acho que pra ele se curar ele deveria fazer de outra forma. Ser acompanhado, escutado, fazer grupos de terapia , e não tomar medicação! [CSF 07]

O estímulo às atividades externas, e o uso de outros recursos da comunidade foi relatado brevemente também por outro profissional, de nível superior:

Não é um trabalho psicoterápico, mas um trabalho de acompanhamento. Tentar encaixar esses pacientes em algumas atividades da comunidade. Aí você tem que descobrir se na comunidade tem as terapias comunitárias, se tem os grupos de convivências, por exemplo, dos bombeiros... Há as questões religiosas, se a pessoa pode participar de algum grupo religioso. [CSF 02]

Ainda em relação aos ACS, além do contato humano, informal, e da marcação de consultas e fiscalização do uso dos remédios, suas atividades incluem também a coleta de dados para levantamentos epidemiológicos:

Então existem pessoas que fazem o tratamento não só no posto, mas que também a gente faz a visita. E essa visita, é um controle para a rede municipal e até mesmo para o ministério da saúde. [...] Nessa visita a gente tá coletando informações para alimentar o sistema de saúde. Ou seja, de todas aquelas pessoas, quantas pessoas tomam medicamento de controle especial? Toma medicamento receita azul? Essas pessoas estão fazendo tratamento? Onde estão fazendo tratamento? Estão realmente indo às consultas? Como é que tá sendo a vida daquelas pessoas? O medicamento tá fazendo efeito? Então todas essas perguntas são respondidas a partir do momento que a gente faz essa visita. Independe dessa pessoa vir para o posto ou não. [CSF 01]

Observa-se que, por meio dessas visitas, há um acompanhamento mínimo das pessoas com demandas de saúde mental, independente de sua participação em atividades no centro de saúde. Ainda que essas informações não sejam utilizadas diretamente pelos CAPS, ou mesmo pelo CSF, nos parece essa ação dos ACS teria grande potencial a ser utilizado na busca ativa de casos que estão com distantes do acompanhamento nos serviços de saúde.

Outra atividade relata no centro de saúde foi o uso de grupos, como uma atividade do NASF, porém sem uma adesão satisfatória:

Nós tínhamos um grupo, que era mantido pelo NASF, que trabalhava a parte medicamentosa dos pacientes que eram atendidos pela saúde mental. Aqueles pacientes que necessitavam de um medicamento de receita azul. Esses pacientes vinham e a gente tinha um encontro. [CSF 04] Aqui já houve uma tentativa até de fazer um grupo de terapia comunitária com uma psicóloga. [...] Então os pacientes que estavam nesse grupo, eles eram pessoas que tinham dificuldades de trabalhar em grupo. [...] Mas com pouco tempo acabou, as pessoas pararam de frequentar o grupo. [CSF 02]

A partir dessas informações, concluímos que não existe uma proposta coesa e organizada em relação ao cuidado em saúde mental. Ainda que o apoio matricial viesse acontecendo regularmente no período anterior à nossa observação, percebemos que a maior parte da demanda não é acompanhada por meio deste, mas sim pelo conjunto de atividades difusas que descrevemos há pouco. Percebemos que os profissionais mostravam-se até receptivos às demandas de saúde mental, reconhecendo inclusive sua grande prevalência associada a outras condições clínicas. Porém, a ausência de uma proposta coletiva acerca do que fazer com essas pessoas torna a atenção bastante fragmentada, sem o trabalho comum da equipe para resolução dos problemas.

Acesso ao CSF, normatividades e fluxo interno dos usuários

Nessa seção descreveremos como funciona o acesso ao CSF, identificando as demandas que são consideradas responsabilidade do serviço, e os critérios utilizados

para a decisão de admissão ou encaminhamento. Apresentaremos também o fluxo interno dos usuários de saúde mental no serviço.

Em relação ao acesso, percebemos que algumas pessoas com demanda de saúde mental buscam espontaneamente o CSF, outras são encaminhadas pelo CAPS, mas a principal via parece ser por meio da identificação de alguma demanda por parte dos ACS:

Eles vêm espontaneamente, já com a medicação que já vêm usando. Às vezes nunca tinham procurado a unidade, são recém-residentes na área. Ou aqueles que tinham o acompanhamento no CAPS e o CAPS desmamou para a unidade. [CSF 03]

A demanda [de saúde mental] é imensa... A gente fica surpreso porque a cada dia vem surgindo mais. Principalmente quando os CAPS começaram a desmamar os pacientes, que estavam lá, foi que aumentou. E também, hoje nós temos quase 100% de cobertura de agentes de saúde nas microáreas, acho que tem aparecido também por isso. Cada vez que se organiza o sistema, aparecem mais problemas. [CSF 02]

Às vezes a agente de saúde traz o caso: "Eu fui visitar uma pessoa, residente, recém- residente..." Eles traziam, eles sempre fazem a ficha A, que tem o cadastro dos novos moradores e dos antigos. Então quando ele ia fazer, percebia que tinha paciente com distúrbio mental na casa. [CSF 03]

Então é uma... Proporção em cadeia. Como assim? Eu descubro, sou agente de saúde, repasso para o enfermeiro, que ele avalia o caso e repassa para o médico. Ele é repassado pra... O médico e assim, vai, né? Um processo. Ai ele pede pra vir, fazer o acompanhamento e assim vai, né? [CSF 07]

A gente faz a visita da nossa microárea e ao detectar um paciente com esses status clínicos, a primeira coisa que a gente faz é saber se ele é acompanhado, aonde é acompanhado, por quem... E fazer esse levantamento, saber desse acompanhamento. Se o paciente não é atendido em nenhum nível, [...] aí a gente faz o encaminhamento para vir até a unidade [...] para viabilizar o encaminhamento para um local mais específico. [CSF 04]

O trabalho dos agentes comunitários, por manter um contato constante com