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Essa comunicação ocorre principalmente por telefone, diferindo dos outros contatos telefônicos que descrevemos anteriormente, pois não versam sobre

informações do paciente, e sim sobre o funcionamento do CAPS, conforme mostram os seguintes relatos:

O próprio serviço social se vincula bastante com as outras assistentes sociais dos outros locais, tentando agilizar. Muitas vezes o paciente é encaminhado para o CAPS e a gente, para facilitar a vida do paciente, a gente ligava, falava com a colega para facilitar, para ver se agendava para mais perto, a data. [...] Ou mandava um encaminhamento mais reforçado, com mais detalhes, falando da dificuldade do paciente. [HSMM 01]

Não é que a gente vá, todo mundo que venha buscar aqui medicamento vai levar [...] Primeiro a menina liga, eu ligo, pra saber se tem o medicamento, se tá faltando? Não teve médico? E normalmente, você sabe que essas coisas a gente sabe bem rápido, né? O paciente chega um, chega dois, chega três pacientes com o mesmo medicamento que tá faltando no CAPS X aqui, no CAPS da esquina, é mentira? Não é mentira, normalmente acontece isso e a gente vai duvidar do paciente? [HSMM 01]

Acontece assim, quando tem esses pacientes recorrentes, solicitando receita a todo instante, ou quando um paciente vem o tempo inteiro dizendo que não consegue marcar uma consulta. E aí a gente já fez guia de referencia e não teve contra -referência... Nesses casos a gente acaba ligando para poder realmente confirmar uma informação do paciente. Que só vai ter consulta para não sei quando... Que se ele realmente foi ou se não foi. [HSMM 04]

Percebemos que o contato telefônico é feito para confirmar as informações, alegadas pelos pacientes, da dificuldade no funcionamento dos CAPS e, em menor medida, para tentar facilitar o acesso de algum usuário à consulta médica. Parece-nos, a partir das entrevistas e da observação, que quase sempre é uma conduta reativa, uma vez que acontece em resposta a casos individuais que, já encaminhados ao CAPS, buscam novamente atendimento no hospital, mas em desacordo à proposta de cuidado da instituição, pois não estão em crise franca. Uma vez que a resposta padrão para essa demanda seria de encaminhar ao CAPS, torna-se necessário rever o procedimento.

Posturas reativas justificam-se como respostas a eventos ou agravos não previstos em um serviço ou sistema de saúde (MENDES, 2011). Contudo, essas situações descritas são acontecimentos recorrentes, de forma que deveriam ser alvo de condutas planejadas, visando minimizar seus impactos negativos na continuidade da atenção. Vimos que a conduta de busca ativa produzia alguma recorrência desse contato, porém esta não é desenvolvida por todos os CAPS. E mesmo em relação ao serviço da SER III, a busca ativa parece não ter efeitos que abranjam todos os seus pacientes. No hospital, percebemos maior proatividade e sistematicidade apenas em relação aos pacientes encaminhados para os CAPS do interior, sendo realizado o contato telefônico já no momento da alta:

[...] às vezes nós estamos com um paciente de um CAPS do interior que está internado, [...] o serviço social do hospital entra em contato por telefone com o assistente social do CAPS. Na

capital, o que teoricamente deveria ser mais fácil, já que o hospital se localiza na capital, me parece que há menos contato. Ocorre mais desse tipo que eu falei, de ir só pelo papel. [...] Com o interior é mais fácil esse contato. É mais longe, mas é mais fácil. E um maior compromisso até. [CAPS/HSMM]

Isso acaba sendo feito às vezes, mais pontualmente, em casos individuais que há uma necessidade. No caso, eu tive um paciente lá da enfermaria que era do interior, tomava medicação de alto custo, e a gente fez contato lá, para ver [...] se no interior eles forneciam essa medicação, ou se a gente tentaria manter ele no ambulatório especializado aqui para receber a medicação [...] Mas assim, uma coisa mais pontual mesmo. [HSMM 06]

Quando o encaminhamento se refere a um serviço no interior, existe a preocupação em conhecer o estado da atenção em saúde mental na localidade. Quando é dirigido para os serviços do próprio município, a conduta de encaminhamento pressupõe que os CAPS estão funcionando adequadamente, apesar do relato recorrente, por parte dos profissionais do HSMM, de seu mau funcionamento.

Alguns profissionais descreveram esse contato telefônico ocorrendo de forma constante, divergindo dos demais relatos e do que conseguimos presenciar no período de observação:

Sempre ou quase sempre a gente vê serviço social daqui com contato com serviço social do CAPS: Olha, tem um paciente aqui que tá precisando de agendamento do atendimento e vamos agendar porque assim que ele sai ele vai, existe o contato”. De repente o serviço social

de lá liga aí diz: “olha, nós estamos sem Haldol Decanoato. Estamos sem esse medicamento

que o paciente tá tomando”, aí a gente faz intercambio nesse sentido. [...] Existe uma certa

troca de algumas coisas. [HSMM 02]

A gente tinha um contato de, digamos, o paciente chegou no acolhimento, a assistente social já pegava e fazia um contato direto com o CAPS da Messejana, da Regional VI e já dizia "olha, nós temos uma paciente assim, faz acompanhamento aí, esse paciente está com consulta marcada para tal dia, ele vai ser atendido? Ele não vai ser? O médico tá faltando? O médico tá de licença?". Tem essa articulação, tem essa preocupação também. [HSMM 08]

Outro instrumento que visa a comunicação entre os serviços, ocorre no uso da contrarreferência escrita. Um único profissional, do HSMM, mencionou o uso desse recurso para obter informações dos profissionais do CAPS:

Na hora a gente faz num receituário comum, [...] encaminhando o paciente para atendimento [no CAPS]. Aí no final a gente pede para que seja devolvido para gente uma data, caso precise de medicação até o dia da consulta. Só para a gente ter um respaldo de que o paciente realmente foi ao CAPS. [...] Se realmente o cara foi lá em janeiro e só vai conseguir marcar consulta para ele em março. Aí o CAPS devolve a contra referencia par a a gente, dizendo "olha, foi agendado para março, mas precisa ajustar dar o remédio até lá." Então a gente faz essa medicação até a data da consulta que veio nessa contrarreferência informal. Na verdade, não existe uma ficha. É um receituário comum, onde a gente acaba fazendo esse encaminhamento. [...] Todo mundo tem o hábito de fazer, mas não é uma orientação da direção, por exemplo. [HSMM 04]

Nessa situação a contrarreferência cumpre duas funções: em primeiro lugar, possibilita que a consulta realizada no pronto-atendimento não ocorra completamente desconectada dos demais serviços de saúde, pois a conduta do médico – prescrever medicação – é ajustada para o contexto de atendimento no outro serviço. Isso auxilia na organização da demanda junto ao CAPS, sem que o usuário fique momentaneamente desassistido. A outra função diz respeito à confirmação da veracidade das informações sobre o CAPS relatadas pelo usuário:

E muitas vezes acontece do paciente que vem só para pegar receita. Ou são dependentes de benzodiazepínicos. E aí eles dizem "Ah, já fui no CAPS três vezes e não tem médico!" E em alguns lugares a gente sabe que tem. E aí a gente pede só para ter essa resposta. Mais para garantir que o paciente vá, do que esperando uma resposta mesmo. [HSMM 04]

Ainda que o profissional refira que “todo mundo tem o hábito de fazer”, a contrarreferência escrita não foi referida por nenhuma outra pessoa, nem testemunhamos o procedimento em nossa observação-participante. Contudo, os contatos telefônicos cumprem a mesma função, sendo a principal forma de contrarreferência.

Pelo que notamos nos relatos e observação-participante, tanto o procedimento escrito como o contato telefônico geralmente ocorrem pela necessidade de maior organização e disponibilidade das consultas médicas nos CAPS. Ainda que a recorrência dessa preocupação evidencie a centralidade dada pelos profissionais ao tratamento medicamentoso, no campo da saúde mental, demonstra também a série de dificuldades que esse modelo enfrenta na atual disponibilidade de psiquiatras no CAPS. Alguns profissionais defendem que a dificuldades de alguns pacientes seria resolvida se a marcação de consultas médicas pudesse ser realizada no contato entre os serviços: Por exemplo, eu estou no acolhimento e eu estou com um paciente [...] que não precisa de uma internação. [...] Então esse paciente precisaria de que? De que o serviço social do hospital entrasse em contato com a equipe do CAPS e já deixasse agendada uma consulta para eles. Só que acontece como: o serviço social tenta o contato. Quando é atendido, [...] a recepcionista não pode agendar, porque tem que esperar que o médico disponibilize um dia para atender esse paciente. Então o que se faz? Manda o paciente para casa com o protocolo e o próprio paciente vai lá sem nada agendado, ele vai com um papel em mãos, somente. [...] Uma coisa é você sair com uma garantia, e outra coisa é você sair com um papel para fazer uma tentativa, onde você vai passar por uma triagem e ver se você consegue marcar uma consulta. [HSMM 08]

Quando o paciente sai do hospital apenas com o formulário de encaminhamento, enfrenta ainda uma série de obstáculos de acesso, alguns dos quais não estão presentes nos serviços de pronto-atendimento, como a emergência do HSMM. Dessa forma, a percepção de que o acesso “é mais fácil” na emergência faz com que um tipo de demanda considerado inadequado permaneça buscando constantemente ao hospital.

Nesse caso, percebemos que o CAPS tem seu lugar legitimado junto aos profissionais do hospital não enquanto uma estratégia substitutiva, mas como um serviço complementar, uma vez que é solicitado para auxiliar na organização da demanda do serviço hospitalar. Percebemos a reprodução da mesma lógica de complementaridade que rege as outras especialidades em saúde, como no caso da relação entre ambulatórios e hospitais de especialidade e serviços de atenção primária (MENDES, 2011).