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Essa estratégia consiste em um conjunto de ações do CAPS para manter contato com usuários de sua área de abrangência internados em hospitais psiquiátricos. A equipe do CAPS mantém um contato telefônico sistemático com os hospitais do município, no intuito de descobrir pacientes de seu território que foram internados sem comunicação à equipe. Quando se descobre um paciente internado, seja via esse contato telefônico, pela comunicação da família, ou quando houve o encaminhamento pelo próprio CAPS, a equipe agenda visitas no hospital para acompanhá-lo e fazer contato com sua família. Profissionais tanto do CAPS como do HSMM mencionaram a busca ativa, reconhecendo diferentes efeitos a partir dessa estratégia:

[...] visitas sistemáticas aos hospitais psiquiátricos, visando justamente identificar quem eram os usuários que estavam internados naquele momento e que faziam parte do nosso território. [...] E buscar fazer essas visitas justamente no horário de visitas dos familiares, porque ai já começava-se a estabelecer vínculo, saber das dificuldades, das limitações. [...] Já começar a fazer vínculo e possibilitar a inserção dele, de maneira que ele e a família, sobretudo, pudessem desconstruir muitos valores em relação ao CAPS. Como por exemplo, que é um serviço que não funciona, que o bom mesmo é internação porque tem a medicação, todas essas coisas. Então esse trabalho muito mais socioeducativo do que qualquer outra situação. [CAPS 03]

Nesse caso, o profissional do CAPS ressalta que com a busca ativa era possível iniciar ou fortalecer o vínculo com o paciente ainda internado, de forma a facilitar a continuidade do tratamento após a alta. Além disso, poderia se mudar a percepção do paciente e de sua família a respeito de problemas associados ao CAPS, modificando a disponibilidade para o acesso ao serviço (PENCHANSKY; THOMAS, 1981; TRAVASSOS; MARTINS, 2004). Os valores a serem desconstruídos foram os mesmos que os profissionais do HSMM atribuíram ao CAPS nas entrevistas, ainda que muitas com a ressalva de que estavam apenas reproduzindo o que ouviam de seus próprios pacientes. Enquanto no hospital os valores negativos sobre o CAPS são acatados e reproduzidos, percebemos a busca ativa como uma intervenção da equipe do CAPS de crítica e reavaliação desses valores, identificando as dificuldades de acesso com vistas à

aproximar os pacientes do serviço. Em outras palavras, revela-se a disputa por legitimidade que constrói a demanda (CAMARGO JR, 2010).

Já outro profissional, do HSMM, afirma que na busca ativa percebe a possibilidade de o CAPS distinguir quando um paciente não procurou o serviço após a saída do hospital, iniciando outro tipo de busca – a procura pelo egresso em seu território de moradia:

Então quando o paciente ia receber alta, pela presença deles [dos profissionais do CAPS] aqui, era fácil da gente lembrar, da gente identificar e comunicar imediatamente o serviço dessa alta. Eles já sabiam se o paciente com poucos dias não aparecia lá, eles já faziam busca ativa disso. [HSMM 06]

Com o tempo que isso estava funcionando, o pessoal ia sabendo, os próprios médicos do CAPS iam falando sobre isso, e a maioria das pessoas até, quando alguém se internava, o próprio familiar dava uma ligada, ia lá no CAPS e avisava: "O meu familiar tá internado no hospital de Messejana. Tá internado no Myra y Lopez." Aí o CAPS ficava sabendo e, quando era no dia da visita, fazia a visita àquele paciente, mantinha o contato.[HSMM 06]

Esse profissional refere ainda que, a presença da equipe do CAPS no hospital torna mais provável que a equipe do hospital se lembre de comunicar a alta ao outro serviço, assim como para a família informar a internação. Com isso, produziu-se um canal permanente de comunicação entre os dois serviços, que facilita para o CAPS a manutenção do contato com os pacientes durante e após a internação. Essa preocupação está de acordo com a função do CAPS de coordenar o cuidado em saúde mental, mesmo quando o usuário está em outro serviço. Outros profissionais referem a tentativa de reduzir as reinternações por meio da busca ativa:

Aí a gente sai ligando para os hospitais, e perguntando: “aqui é do CAPS. Do CAPS geral da [regional]III, vocês tem algum paciente ai, internados esse mês?” [...] Aí vai ser feita a visita, e realizada a visita também na casa do paciente, domiciliar, logo após, pra que a fa mília se conscientize que ele tem que retornar ao CAPS. [...] A gente está minimizando as internações hospitalares. É isso que a gente está fazendo. [CAPS 01]

E ai a gente consegue ter um mapeamento de: quem são os nossos usuários? Como é que a gente faz para identificá-los? [...] Realmente garantir esse acesso, de maneira que você facilite, que num processo onde eles estejam egressos de hospital psiquiátrico, que eles possam realmente se inserir ao CAPS. E estando aqui que eles não reinternem. [CAPS 03]

Então a gente começou a ter acesso a alguns casos que tavam nessa porta giratória. Que saiam de um hospital e que iam pra outro. E a gente começou a tentar contato com essas famílias, tentar contato com esse hospital pra gente alinhar um discurso e, quando eles saíssem de lá, viessem pra cá de forma mais automática e essa família sabendo que tinha essa alternativa pro tratamento. [CAPS 04]

Novamente é ressaltada a investida na aproximação dos usuários ao CAPS por meio das visitas, facilitando a adesão à proposta de cuidado do serviço. O último trecho

faz referência ainda a “alinhar um discurso” com o hospital, o que evidencia a tentativa de integração normativa (HARTZ; CONTANDRIOPOULOS, 2004) entre as instituições. Esse acordo evita a concorrência entre os serviços, por meio do que Mendes (2011) chama de aliança estratégica, processo no qual “mantendo-se as duas unidades produtivas, os serviços são coordenados de modo a que cada uma se especialize numa carteira de serviços, eliminando-se a competição entre eles” (p.76).

A principal dificuldade observada no CAPS diz respeito aos atendimentos médicos, que conforme descrevemos podem demorar meses para serem agendados. Todavia, um profissional do HSMM ressalta que as visitas institucionais não eram utilizadas para marcar consultas médicas, e que, segundo ela, os profissionais também não se informavam acerca da alta dos pacientes pela própria limitação do atendimento médico no serviço extra-hospitalar:

Eu já presenciei alguns profissionais dos CAPS lá no hospital, visitando paciente. [...] Mas era só aquela visita ali, social, mas não tinha contato com médico, não agendava, não procurava saber quando é que ele ia receber alta... Até porque eu acho que é impossível, eles na atual conjuntura, agendarem consultas assim. Pelo fato de não ter pr ofissional suficiente [HSMM 01]

Nesse caso, o profissional acima se preocupa com as consultas médicas, que não são garantidas pela busca ativa. Refere ainda, em outra passagem, que orientava os familiares a remarcar o atendimento médico no CAPS do paciente impossibilitado de comparecer, pela situação de internação. Nos chama a atenção, contudo, que essa necessidade de remarcação seria resolvida pelo contato do serviço social, caso os contatos telefônicos com o CAPS, citados anteriormente, fossem de fato sistemáticos. Os demais profissionais do CAPS e do HSMM não citaram o uso regular do contato telefônico, ainda que houvesse em alguns casos a comunicação da internação. Outro profissional, que trabalha no CAPS e no HSMM, afirma que nem todos os usuários do CAPS são acompanhados durante a internação:

Eu já vi casos de pacientes do CAPS que eu trabalho que apresentaram um quadro que justificava uma internação, e durante aquela internação profissionais do CAPS virem para acompanhar em conjunto. Como também já vi casos em que a equipe não veio. [CAPS/HSMM]

Além da dificuldade de todos os usuários serem acompanhados, outro profissional comentou de mais uma limitação dessa estratégia, pois em algumas situações mesmo com as visitas institucionais não é possível estabelecer o vínculo com o CAPS:

A gente teve contato com alguns casos [...] de que a família não tinha como contar com aquele usuário em casa. [...] E algumas delas realmente a gente vê que não tem como ser diferente, [...] o impacto daquele transtorno mental naquela família foi tamanho, que realmente não dá pra ser diferente. Então a gente teve que em alguns momentos fazer esse recuo. [CAPS 04]

Quando indagamos sobre que tipo de casos percebe-se essa impossibilidade, o profissional afirma que algumas pessoas não conseguem frequentar o ambiente do CAPS, sendo atendidos recorrentemente no hospital, a cada crise:

A gente tem um caso desse aqui que é muito simbólico. O usuário, no primeiro surto que ele teve, quase mata uma criança. Um sobrinho que morava na casa, [...] que na época tinha dois, três anos. [...] Pra essa família foi uma coisa muito traumática. Então ele cumpriu medida protetiva, no manicômio judiciário e de lá saiu e foi pra o hospital. [...] Então essa família tentou de todo custo que ele ficasse, se mantivesse interno, mas não tinha mais como fazer isso. Então a família organizou lá uma casa separada [...] e ele fica lá dentro. [CAPS 04]

Ainda que a situação ideal fosse do retorno de todos os pacientes ao convívio familiar, situações como essa revelam a complexidade e singularidade das demandas no campo da saúde mental. Por isso, é essencial a possibilidade de construir linhas de cuidado singularizadas (MAGALHÃES JUNIOR, 2002), a partir da necessidade de casos que escapam às possibilidades tradicionais de cuidados. Linhas-guia padronizadas (HARBOUR, 2008), ainda que utilizem a melhor evidência disponível na literatura para basear as escolhas de serviços e procedimentos, não possuem a flexibilidade necessária para abarcar todas as situações de cuidado.

A construção de novas linhas de cuidado, conforme a busca ativa tenta produzir entre CAPS e hospital, não ocorreu isenta de tensionamentos e desafios. Em alguns hospitais a credibilidade da estratégia de busca ativa foi conquistada ao longo de sua implementação, enquanto que para alguns profissionais do HSMM sua importância foi reconhecida com maior facilidade:

A enfermeira e a assistente social que fazem a visita. Ela faz a visita e repassa as informações para o restante da equipe. Por que os médicos não tem um mínimo de condição para fazer essa visita. [...] Eu acho que pelo menos isso acontecendo, já era alguma coisa. Não dá para se encontrar com todo mundo, mesmo... [HSMM 01]

Manter essa sistematicidade [das visitas da busca ativa], foi algo que foi visto por alguns hospitais de maneira muito interessante. Bem-vinda. Bem-vinda entre aspas, né? Porque em muitos hospitais, nós tivemos muitas dificuldades de inserção. [...] Teve que muitas vezes esperar a hora da visita pra entrar com quem entra como familiar. Não como profissional, como quem está fazendo visita institucional. E não viabilizavam essa lista de acesso. [...] Mas a gente estava lá pra cavar essa articulação, pra ver qual era o profissional, de certa forma, que teria mais habilidade, pra criar uma alteração... [CAPS 03]

Em relação a essas dificuldades de adentrar o ambiente hospitalar, o entrevistado conta que foi preciso insistência para ter o espaço reconhecido e legitimado dentro das instituições, e que para isso foi preciso buscar auxílio em diferentes trabalhadores, até obter a aceitação da equipe de profissionais de nível superior:

Eu acho que a equipe foi tentando de toda forma. Até com porteiro. Muitas vezes o profissional de nível superior responsável... {expressão de aversão ou desgosto} [...] Então muitas vezes o grande parceiro era o porteiro, que dizia: “ah não, mas eu tenho aqui a relação dos usuários". Ia ver o bairro de onde ela vem... [...] O recepcionista, o auxiliar de enfermagem. Então eu acho que o trabalho é esse, [...] de cavar esses espaços. E depois veio o reconhecimento da importância. Esse mesmo hospital, por exemplo, é... teve uma grande parceria agora com no seu fechamento. [CAPS 03]

Percebemos no relato que a busca ativa também facilitou o estabelecimento de outra interface com o hospital, por meio do trabalho de desinstitucionalização dos pacientes após o fechamento de um hospital psiquiátrico. Porém, o momento inicial não foi de integração normativa, mas da resistência da instituição hospitalar de promover uma parceria, vista como nociva. Na relação entre CAPS e HSMM, a aliança estratégica seja apenas aparente, pois não tem como objetivo último evitar a concorrência, mas sim fortalecer um serviço alternativo e substitutivo ao hospital.