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1. Avaliação da Coerência:

a) Identificar congruências ou divergências a respeito do objetivo e da natureza do objeto da rede por parte de suas unidades mínimas. 2. Avaliação da Continuidade e Complementaridade:

a) Identificar a manutenção de vínculo ou referência a um profissional, equipe ou serviço

b) Identificar a produção de linha de cuidado com diferentes serviços c) Avaliar a articulação de intervenções de diferentes níveis de

complexidade

d) Avaliar a articulação de ações de promoção, prevenção e recuperação e) Identificar a existência de complementaridade nas intervenções de

diferentes serviços

Gestão, controle e autonomia na rede: dimensão Normatividades

As relações estabelecidas entre os pontos de uma rede são intencionais: ocorrem sempre visando algum objetivo. Contudo, além do estabelecimento e manutenção de conexões, é também imanente às redes alguma forma de organização dessas relações, buscando inclusive que objetivos e condutas sejam comuns aos diferentes pontos.

No caso das redes de saúde, é basilar a existência de um conjunto de valores, metas ou imagens ideais que orientem a conformação das redes, para que possam exercer algum nível

de controle em relação às práticas de saúde e à distribuição dos insumos. Conforme Zambenedetti e Da Silva (2008, p.138), o funcionamento em rede “expressa tanto o caráter de

‘fazer circular’ quanto o de ‘controlar’ a partir da articulação dos diferentes serviços situados nos estratos do sistema”. Podemos afirmar que a montagem de uma rede supõe ainda a

antevisão das funções que poderá exercer, incluindo tanto sua forma material, como as suas regras de gestão (SANTOS, 2008).

A rede deve coordenar diferentes ações de saúde, que podem ocorrer em locais ou momentos diferentes, mas devem ter certa harmonia. Além da coerência, já ressaltada na seção anterior, propõe-se que exista um “sistema lógico” (MENDES, 2011) que organize tais ações. Esse controle e planificação podem existir a partir de uma gestão centralizada (ministério ou secretarias de saúde, e suas respectivas áreas técnicas), ou a nível local (quando consideramos a gestão do cuidado pelas equipes). Dessa forma, podemos perceber que a rede é construída a partir do que considerado necessário pelos seus idealizadores e, em alguns casos, pelos seus operadores.

De acordo com Santos (2008), os limites da existência formal de uma rede são determinados pelo alcance de códigos comuns de comunicação, pois esta só consegue se expandir até onde exista alguma identidade. Daí a pactuação de regras de gestão entre os diferentes operadores da rede, de modo que exista um entendimento comum do modo de funcionar da mesma, e a construção de instrumentos de comunicação inteligíveis pelas várias partes. Ainda segundo o autor, essa preocupação gera um efeito homogeneizador, que objetiva a produção de ordem, integração e a constituição de solidariedades espaciais que interessam a certos agentes da rede. Ou seja, ao tentar garantir um tipo padronizado de funcionamento, seria facilitada a ação conjunta de dispositivos diferentes, inclusive quando da inserção de novos dispositivos ou atores na rede.

A padronização do funcionamento exige, além dos códigos comuns de comunicação, a existência de diretrizes que sirvam de referência para situações típicas dos serviços. Essas diretrizes podem funcionar de forma horizontal, normatizando determinadas ações para todos os serviços ou agravos de uma mesma natureza (ex.: todos os serviços CAPS devem atender prioritariamente transtornos mentais graves; todos os pacientes esquizofrênicos que apresentem discinesia tardia como efeito colateral deverão utilizar como medicação clozapina, e não outro neuroléptico), ou de forma vertical, normatizando a conduta de uma condição de saúde em diferentes serviços a partir de indicadores de gravidade (ex.: uma linha-guia para o acompanhamento da esquizofrenia normatizaria o atendimento de pacientes estabilizados em serviços do tipo CAPS ou ambulatório, prevendo para as situações agudas, como crises com

ideação suicida, a internação em leitos psiquiátricos de CAPS tipo III, hospital psiquiátrico ou hospital geral).

Formalmente existem dois tipos principais de diretrizes: os protocolos clínicos, que visam normatizar os procedimentos relacionados a determinada condição de saúde em um serviço ou ponto de atenção; e as linhas-guia (guidelines), que visam padronizar linhas de cuidado ao longo de diferentes serviços ou pontos de atenção. (HARBOUR, 2008; MENDES, 2011) Essas diretrizes são criadas pelos órgãos reguladores dos serviços de saúde, em conjunto com grupos de especialistas, por meio de revisão da literatura do tema e criação de consensos entre experts.

Alguns autores defendem que a existência e adesão a protocolos clínicos e linhas-guia é parte fundamental da avaliação das redes de atenção a saúde (MENDES, 2011). Contudo, há uma grande variabilidade de situações na organização de serviços de saúde no Brasil, com ausência de diretrizes formais a respeito de muitos agravos importantes. Em relação à saúde mental, por exemplo, apenas o tratamento da esquizofrenia possui normatização, tendo sido aprovado no ano de 2013 seu protocolo clínico.

Mesmo não havendo a formalização de protocolos e linhas-guia, é necessário investigar se existem noções comuns aos serviços da rede em relação à forma de acompanhamento e tratamento dos agravos, às responsabilidades de cada componente no acompanhamento. Em nosso modelo analítico, acreditamos que isso é contemplado nas

dimensões “unidades mínimas” e “integração” da rede. Porém, um aspecto ainda não

explorado são as convenções de critérios de entrada e saída em cada serviço, e seu acordo em todos os serviços da rede. Tais critérios incidem também na escolha do locais de encaminhamento, uma vez decidida a saída de uma pessoa do serviço.

Esse passo precede o estabelecimento de diretrizes formais, possibilitando investigar se as indicações para cada serviço são compreendidas da mesma maneira pelos profissionais de dentro e de fora desse serviço. Mesmo na ausência de regulamentações claras e abrangentes, existem “diretrizes informais” que regem o funcionamento da rede, ainda que isso possa implicar em divergências e incoerências que dificultem o trânsito dos usuários, gerando momentos de desassistência.

Apesar do potencial normativo das redes, reconhecemos que estas também possuem outro caráter complementar ou mesmo oposto, de produção de heterogeneidade. É necessário reconhecer que os componentes da rede são diferentes entre si, o que já pressupõe modos diferentes de funcionamento. Porém, tal heterogeneidade não implica apenas no reconhecimento das diferenças, refere-se fundamentalmente à manutenção de certa

flexibilidade (CASTELLS, 1999), para dar conta da singularidade das situações cotidianas (FRANCO, 2006; MAGALHÃES JUNIOR, 2002).

Reconhecendo a necessidade de inovação frente a situações imprevistas, é preciso a manutenção de espaços não totalmente normatizados, mas com potencial instituinte. Então, também seria uma característica da rede a possibilidade de romper com as relações já preestabelecidas para a criação de novas relações adequadas às necessidades da situação atual (DELEUZE; GUATARRI, 1995; FRANCO, 2006). Isso seria possível quando existe uma alta capacidade de conectividade, ou seja, a facilidade de construir novas relações com outros atores ou instituições. Isso geraria, portanto, um efeito de diferenciação (OLIVEIRA; PASSOS, 2009) que permitiria a criação de múltiplas linhas de cuidado, que fogem a uma única racionalidade institucional (GUIZARDI et al., 2006), sendo organizadas por sujeitos- profissionais e sujeitos-usuários. Essa dimensão abarcaria também fluxos e circuitos não formalizados que existem em qualquer serviço de saúde, e que são muitas vezes essenciais para a construção do cuidado.