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Se você perdeu o respeito, para você adquirir de novo esse respeito, esse credibilidade, essa acreditação, demora.

ENTREVISTADO 2:{imitando os usuários} "ah, eu não vou mais não, porque no dia que eu vou ninguém vai!" "ah, eles chegam muito tarde!" [CSF 02]

Cada vez que o trabalho vem e retrocede... [...] Cai no descrédito, né? Porque o que a gente está fazendo é conquistando. Conquistando um novo olhar, junto com os outros profissionais que estão numa dimensão totalmente diferenciada da saúde mental e que, de preferência, [desejam que] ela esteja bem longe do contexto da Atenção Básica. Que esteja distante dali, né? Que aquele cotidiano de ação, de intervenção não faça parte mesmo. [CAPS 03]

Outros profissionais criticaram também o apoio matricial, ressaltando que a estratégia ainda não se encontra totalmente desenvolvida, e não é dominada por todos os profissionais:

Acabou que depois de algum tempo, essas equipes elas acabaram... a tecnologia, a estratégia do matriciamento, acabou ficando restrita a essas pessoas que passaram pela capacitação. [CAPS 04]

Eu soube de alguém, algum dos dois [enfermeiros] aí fez um treinamento. Não sei se foi profundo, se foi superficial. Não sei. [CSF 03]

O que tem acontecido no momento é um trabalho muito inicial e muito superficial, onde alguns... Tem havido alguns contatos com profissionais da área de saúde mental com profissionais da área básica de saúde, onde haveria um treinamento mínimo na área de saúde mental para que profissionais da rede básica possam acompanhar essa clientela que não está dentro do perfil de atendimento no CAPS. Só que isso é uma coisa muito inicial e superficial. [CAPS/HSMM]

O treinamento realizado pela SMS contemplou uma EqSF (apenas médico e enfermeiro) de cada CSF do município, e todos os profissionais dos 6 CAPS que se dispuseram a participar. Foram realizadas quatro turmas do treinamento, com as três primeiras turmas englobando cada uma duas SERs, enquanto que na quarta turma foram incluídos profissionais remanescentes de todas as SERs . Dessa forma, visava-se garantir o contato inicial de uma EqSF com pelo menos um profissional de apoio de seu CAPS de referência. Após esses treinamentos, não ocorreram novas turmas.

Ainda que os relatos dos profissionais do CAPS apontem para dificuldades de compreensão e domínio da proposta de apoio matricial, concordando com os achados de Jorge e cols. (2012) em outra pesquisa realizada na SER IV, não encontramos tal dificuldade no CSF Fernandes Távora. Identificamos uma concordância na compreensão sobre o apoio matricial, e a participação nas atividades de matriciamento não ficou restrita aos participantes do curso. Porém, não podemos afirmar que essa aceitação foi partilhada por todos os CSFs da SER III:

A gente pode dizer equipes que, de certa forma, o trabalho não fundiu. E que não vai poder contagiar outros profissionais, porque isso também é um movimento. Porque a unidade ora está com um povo disposto, ora não estão mais dispostos. Então esse é um movimento. [CAPS 03] Embora muitas vezes acontece que algumas pessoas desses postos não são muito receptivas a isso. "Não, porque vai atrapalhar o andamento do posto", "não, porque vai parar o atendimento para isso". Ou mesmo porque as pessoas tem mesmo uma inabilidade de lidar com pessoas portadoras de transtorno mental. Então vai deixar para escanteio. Mas o ideal era para funcionar assim. Em alguns postos funciona muito bem assim. Em outros posto não. Mas o ideal seria de funcionar assim. [CAPS 06]

Então há resistência, o que eu sei é que há resistência de alguns médicos. Às vezes quem coordena o posto de saúde é uma enfermeira, uma TO, e não tem abertura para atender essa demanda que a gente encaminha. A gente vai muito mais a eles do que eles a nós. Talvez o discurso deles seja o contrário. Porque o deslocamento, há muito deslocamento do CAPS até o posto de saúde. Muito. E muita resistência de não atender esses pacientes. [CAPS 02]

A sensação de que há uma “resistência” dos profissionais da atenção primária

surgiu de forma bastante intensa nos relatos dos profissionais. Sabemos que a adesão a uma nova tecnologia, que exige mudanças em processos de trabalho já estabelecidos pode fracassar por vários motivos. Dificuldades organizacionais do CSF, excesso de demanda nos mesmos, desacordo ou incompreensão com relação à proposta, são todos

fatores possíveis. Contudo, os profissionais do CAPS que relataram as dificuldades de implantação foram quase unânimes em descrever os empecilhos como resistências pessoais das EqSF ou de suas coordenações. Esse fator já havia sido identificado na pesquisa de Morais e Tanaka (2012), também realizada em Fortaleza, onde a adesão dos profissionais da APS foi identificada como prática voluntariosa e por identificação pessoal à saúde mental. Um profissional do CAPS ressalta que depender apenas dessa disponibilidade é insuficiente para o sucesso da estratégia:

Agora não pode ser de algumas pessoas, você está compreendendo? Ela tem que ser uma dimensão de estatuto de política pública. [... ] E a gente tem que, a gente não vai trabalhar isso de fato forçando os profissionais, obviamente. Tem que ter estratégia. Eles ganham produtividade pra atender tantas gestantes, tantos diabéticos, né? Mas não tem nenhum incentivo para, por exemplo, trabalhar a questão da saúde mental. [CAPS 03]

O incentivo financeiro é utilizado com frequência pelo Ministério da Saúde para estabelecer prioridades no campo da saúde, seja para serviços, profissionais ou intervenções específicas. Porém, logo em seguida esse mesmo profissional corrige seu próprio discurso, assinalando que não é apenas uma questão monetária:

Se bem que a gente não pode pensar nessa lógica, né? Que o atributo financeiro vai fazer eles atenderem. Mas sabe o que é? É porque, na verdade, isso é tudo uma questão de uma lógica de cuidado muito pesado, de estigma, de preconceito. De um peso muito grande que a saúde mental tem em termos da loucura. O medo, o temor, o medo do desconhecido, o medo de certa forma... [CAPS 03]

A percepção desse profissional, provavelmente advinda de sua experiência pessoal com os profissionais da atenção primaria, vai ao encontro dos achados de uma pesquisa avaliativa do apoio matricial realizada em Campinas. Ao realizar um grupo focal com profissionais de equipes de referência, encontraram que:

Foi marcante nesta narrativa a expressão da angústia ao entrar em contato com o sofrimento, e também um certo medo em relação à necessidade de lidar com os pacientes considerados da Saúde Mental. Avaliam que sua formação não contribui para que possam intervir no campo da Saúde Mental. (FIGUEIREDO; ONOCKO CAMPOS, 2009)

Acreditamos que algumas dessas resistências pessoais podem ser modificadas uma vez que profissionais temerosos ou despreparados entrem em contato com o campo da saúde mental sob a tutela ou supervisão de um profissional mais experiente, conforme previsto no apoio matricial. Porém, essa sensibilização só pode ocorrer uma vez que houve uma adesão inicial à proposta. Dessa forma, consideramos necessária

uma estratégia de sensibilização para o apoio matricial para facilitar sua efetiva implantação. O mesmo profissional, das falas anteriores, conclui que:

Trocando em miúdos, o matriciamento acontece a reboque dos nossos processos. [...] Tanto quanto a gente tiver disposto a ir lá, a ir lá, a ir lá, a tentar, tentar, reunir, mobilizar, sensibilizar, e levar porta na cara, a ouvir não e “mimimi”. Entendeu? É do tamanho da nossa ousadia. E da nossa disposição. [CAPS 03]

Com isso, percebemos que, após o treinamento, a única estratégia de sensibilização ficou a cargo dos próprios profissionais das equipes de apoio. Da mesma forma que a resistência de alguns profissionais é vista como um elemento subjetivo, a insistência e determinação de outros profissionais, aspectos também subjetivos, parecem ser a única contramedida atualmente disponível ao desenvolvimento do apoio matricial.