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2 O PROJETO DE EDUCAÇÃO MUSICAL DA UFC

5.2 REFLEXÕES A PARTIR DOS DADOS COLETADOS

5.2.2 APRENDIZAGEM

Um dos aspectos primeiros para que se ocorra a aprendizagem é a disponibilidade do estudante para se envolver no processo educativo. Este foi um aspecto reforçado pelo Estudante 16 (“precisa também o interesse de ambas as partes”) e Estudante 02 (“eu acho que estar disposto é uma das coisas mais importantes quando você se preocupar em fazer um trabalho em grupo em aprendizagem por esses modelos”) em 24/08/16 como um dos aspectos prévios para que se ocorra a Aprendizagem Compartilhada. Além da disponibilidade individual, que se configura como o interesse pessoal de fazer algo, é necessário o compromisso pessoal, que seria a disciplina para alcançar aquele objetivo o que é do interesse do estudante.

Quando a Estudante 05 em 30/01/17 afirma “Como eu aprendi? Aprendi não tendo medo de não saber”, esta indica uma disponibilidade para o desconhecido, na qual o sujeito direciona-se ao que não conhece no intuito de tecer novas aprendizagens. Dessa maneira, existem objetivos pessoais de aprendizagem, e estes precisam se encontrar com os objetivos delineados pela disciplina ou ação didática. A forma de “sintonizar” tais objetivos, pessoais e coletivos, ocorre através do Acordo Educativo, que visa estabelecer os pressupostos

e direcionamentos para o ato educativo. O Acordo Educativo consiste em uma espécie de contrato entre o professor e os estudantes. Tais objetivos precisam estar claros para que o processo de avaliação também seja bem compreendido e possa contar com a participação dos estudantes em sua elaboração, inclusive na concepção das maneiras de avaliar.

O estudo diário ativo é um dos aspectos a serem considerados quando trabalhamos com Aprendizagem Musical Compartilhada. O estudo diário, no caso do aprendizado do instrumento, é uma condição básica para um desenvolvimento satisfatório durante os encontros da disciplina. Essa dedicação individual vêm do compromisso assumido no Acordo Educativo e mantido através do estudo diário ativo. Para tal, os conteúdos e abordagens precisam se encontrar com os interesses do estudante para que este se mobilize para as aprendizagens desejadas.

A aprendizagem, portanto, precisa ser compreendida como um processo, um desenvolvimento contínuo em que o aperfeiçoamento não é alcançado magicamente através da interação entre os sujeitos, por exemplo, mas através de um misto entre esforço individual (estudo diário) e inferências em grupo (através dos encontros nas disciplinas).

Uma das condições para que se ocorra a aprendizagem é que o sujeito se mobilize para tal. Assim, cabe ao professor, através de suas ações pedagógicas, a busca em estimular esta mobilização. O Estudante 31 em 30/01/17 descreve uma situação de trabalho com o colega quando “criou coragem” e contribuiu com o que conseguia, assim como quando encontrava dificuldade recebia o auxílio do colega: “Depois descobri que ele tinha dificuldade que eu não tinha e também ajudei ele”.

Como nos referimos anteriormente, um dos aspectos essenciais para estimular a mobilização para a aprendizagem é fazer com que os objetivos pessoais dos estudantes se encontrem com os objetivos vislumbrados pela a disciplina, inclusive utilizando as contribuições dos estudantes para tal. Dessa maneira, os estudantes tendem a se mobilizar para o aprendizado, uma vez que foi despertado o interesse a partir da participação genuína na organização das atividades a serem realizadas.

As reflexões em grupo sobre o processo de aprendizagem podem trazer grandes contribuições ao incorporarem aspectos relevantes da história de formação dos estudantes e professor envolvidos no processo de construção de saberes. O saber de experiência feito, como já destacado por Paulo Freire (1996), constitui uma base importante para

desenvolvimento dos trabalhos educativos. Na perspectiva da Aprendizagem Compartilhada, é a partir deste saber de experiência feito que novas aprendizagens serão construídas.

Uma relação explicitada pelos estudantes foi o preparo dentro da disciplina e a formação docente em música. A Estudante 28, ao refletir sobre a AP II - Violão II, afirmou que “O professor não fez desse modo [avaliação em duplas] pra ser moleza, foi pra ver nossos erros no semelhante, foi pra esperar o outro e ajudá-lo a se sentir seguro, foi pra nos corrigir entre si, foi para sermos professores de nós mesmos e para ser professor de alguém um dia”. Esta percepção revela uma complexa relação de aprendizagem na qual, mais importante do que reter uma informação, é essencial saber o que fazer com este aprendizado. Percebemos na referida afirmação da Estudante 28 que os diversos fatores sócio-culturais e psicológicos que podem influenciar no trabalho educativo como a insegurança, a atenção ao colega, o suporte do outro para avançar sobre uma dificuldade, a comparação e a colaboração entre os pares, o estudante como autor da própria formação e a responsabilidade em orientar o aprendizado de outra pessoa. O Estudante 13 em 30/01/17 destacou novamente essa relação entre a reflexão empreendida na disciplina de violão sob as diretrizes da aprendizagem compartilhada e o preparo docente: “me torna muito mais capacitado para lecionar”.

É importante destacar que o ensino (ação do professor) precisa estar sempre direcionada à aprendizagem (ação do estudante). Com essa afirmação não desconsideramos o potencial de formação que o estudante propicia aos colegas e ao professor e muito menos que o professor não possui o potencial de aprender enquanto ensina. O que desejamos reforçar é que o Ensino em si não garante a Aprendizagem, logo, se faz necessário que haja, dentro do planejamento de ensino, espaço para se considerar outras possibilidades que possam surgir durante o processo de ensino-aprendizagem a partir dos estudantes e que tais possibilidades podem realinhar a ação educativa no sentido de aproveitar melhor os potenciais não vislumbrados quando apenas pensados pelo professor.

Como apontou a Estudante 28 em 30/01/17 ao afirmar “sou uma aluna normal mas com um diferencial: dessa vez eu sei o potencial que tenho que quero atingir a perfeição no próximo semestre”, outro aspecto importante da Aprendizagem Compartilhada é o estímulo à descoberta do potencial próprio por parte dos estudantes. Em nosso contexto de atuação profissional e no campo de pesquisa, é comum encontrar estudantes que, talvez por virem de processos anteriores de inferiorização e inibição de seu caráter criativo no contexto

da educação formal, constróem uma certeza em sua “falta de potencial” que entra em conflito com sua vontade/motivação que o leva a estar ali, naquela situação de aprendizagem. Assim, no contexto da Aprendizagem Compartilhada, um dos aspectos a serem observados e trazidos à tona pelo professor em sua orientação aos estudantes é a desconstrução destas descrenças arbitrariamente constituídas como bloqueios ao aprendizado de maneira a conduzir o próprio estudante a perceber seus potenciais e possibilidades, destacando estes como base para caminhar para novos aprendizados.

Outro aspecto desmotivador que, aliado a uma prática educativa com características bancárias, pode levar o estudante a não se envolver plenamente em atividades de aprendizagem é a inibição frente a um colega mais experiente. Normalmente esta inibição é alimentada por um ambiente competitivo implementado ou não observado pelo professor. Dessa maneira é importante, na Aprendizagem Compartilhada, levar os estudantes a perceber como aspecto motivador o fato de poder contar com um colega mais experiente, uma vantagem no processo de aprendizagem que pode servir de referência para crescer, buscando agregar suas contribuições para novas aprendizagens.

Indicaremos alguns aspectos que surgiram durante nossa pesquisa de campo e que tendem a fortalecer as aprendizagens e seus processos por motivar seus atores a continuar. A segurança de que aprendeu muitas vezes pode contribuir para novos aprendizados. Parte desta segurança passa pela identificação das próprias dificuldades em relação ao conteúdo estudado, assim como as necessidades para avançar em seus aprendizados. Neste aspecto, o professor pode ter um papel muito relevante como orientador dos processos educativos, contribuindo para uma autonomia do aluno frente ao estudo ativo. Esta compreensão da própria dificuldade tende a fortalecer o caráter ativo e de protagonismo do estudante para a organização e condução do estudo ativo.

Na Auto-Avaliação no final do semestre 2016.2 ambas as turmas pesquisadas refletiram sobre vários aspectos que foram trabalhados durante o semestre, indicando, inclusive, quais aspectos ou conteúdos não teriam avançado tanto quanto o desejado. Alguns estudantes também buscaram esclarecer os possíveis motivos.

Como exemplo desta reflexão, os estudantes discutiram sobre o uso de recursos para o aprendizado de música utilizados durante a disciplina, como o programa de computador para editoração de partituras. O Estudante 29 em 19/09/16 destacou que ao se

utilizar do programa para “ouvir” o arranjo que estava sendo composto, era sempre necessário verificar algo no instrumento ou tentar imaginar alguns sons e não só esperar “passivamente” o resultado sonoro a partir do que o computador tocasse. Dessa maneira, o estudante destacou que a atividade de imaginar o som e sempre considerar o efeito que a partitura terá no instrumento real é mais importante do que se contentar com o que o computador tocar, o que pode levar a uma “preguiça”, pois nunca se imagina o som a partir da escrita mas fica-se aguardando que o som seja tocado através do programa de computador.

Outro aspecto da Aprendizagem Compartilhada é a ideia de aprender em ação, ou seja, o aprendizado como uma atividade de mobilização (pessoal) para a construção (ação) de novos conhecimentos, inclusive em atividades de aplicação e revisão de conteúdos já trabalhados. Este caráter dinâmico atribuído à aprendizagem no contexto da Aprendizagem Colaborativa é essencial para a desvinculação do perfil de estudante ideal como aquele que consegue obedecer mais, que não “incomoda”, que não reflete sobre as práticas do professor, perfil este esperado em práticas de educação bancária. Na Aprendizagem Compartilhada, não há um perfil ideal de estudante, mas sim uma diversidade que perfis com potencial para desencadear a riqueza das interações educativas.

Outro aspecto que chamou nossa atenção nos dados coletados foram os diversos relatos de que a prova realizada em dupla contribuiu para a diminuição da tensão ou apreensão de realizar a prova, ou ser examinado. O fato de ter alguém para dividir as dificuldades contribuiu para um bom rendimento geral da turma, inclusive modificando a relação dos estudantes com a avaliação como um momento a ser temido, no qual o professor tenta encontrar o que aluno não sabe para diminuir sua nota, como uma “caça” ao erro.

O estudante deve experimentar o refinamento de seus hábitos de estudo, buscando manter a disciplina e o compromisso mas também compreendendo e refletindo sobre as maneiras como se aprende, e quais são as mais adequadas ao sujeito. Isso será de fundamental importância também na atuação docente, pensando no contexto de cursos de Licenciatura, pois o docente em formação tenderá a estar mais bem preparado para identificar alternativas metodológicas que estimulem a mobilização para o aprendizado de seus estudantes.

Algumas atitudes devem ser cultivadas durante os processos de aprendizagem em regime de compartilha. Uma delas é a de considerar que estar junto com um colega mais experiente é uma vantagem, uma possibilidade de crescimento. O que muitas vezes acontece,

talvez por um espírito de competição que permeia o espaço acadêmico, é a inibição frente a um colega mais experiente. O professor possui um papel importante na ressignificação desta inibição em uma percepção de possibilidades de aprendizado. Perder a vergonha e perguntar para o colega e mesmo ao professor aspectos que parecem óbvios mas que ainda causam dúvidas é uma destas questões.

Também é importante compreender que a motivação para a mobilização para aprendizagens não significará necessariamente o estímulo a prazeres imediatos. A ação para aprender nem sempre será algo simplesmente agradável e prazeroso, por outro lado isso não eximirá o estudante e professor de manterem a disciplina e buscarem alcançar o objetivo de aprendizagem conjuntamente delineado da forma mais interessantes a todos.

Alguns aspectos podem dificultar os processos de aprendizagem. A comparação, quando reforça um caráter depreciativo do sujeito, destacando a inferioridade de uma das partes, pode dificultar a aprendizagem. A comparação é um mecanismo recorrente no cotidiano de aprendizagens dos seres humanos, mas o professor, no contexto educativo formal, precisa evitar que a comparação sirva para depreciar ou diminuir as possibilidades dos sujeitos frente as dificuldades enfrentadas para o aprendizado, evitando assim o fortalecimento do sentimento imobilizador de falta de crença no próprio potencial, aspecto já abordado anteriormente. Muitas vezes os sujeitos podem desanimar por não conseguir algo sozinhos, e a Aprendizagem Compartilhada constitui-se como um ótimo direcionamento pedagógico neste sentido.

Os estudantes podem apresentar dificuldades em se auto-avaliar, como aconteceu com o Estudante 03 em 30/01/17 quando na ocasião da Auto-Avaliação, agradeceu e pediu que o professor emitisse a nota pois ele teria mais condições de o avaliar. No entanto, expliquei que não poderia fazer nada pois não posso emitir uma nota em uma Auto-Avaliação que não seja a minha. Após reforçar a importância da atividade ele mesmo atribuiu-se uma nota. No entanto, foi interessante notar a dificuldade em se auto-avaliar. Dentro de uma perspectiva dialógica, de estímulo ao pensamento autônomo e formação para a autonomia, a auto-avaliação é um dos aspectos formativos essenciais. Nele, o estudante precisa assumir a responsabilidade por seu percurso formativo, o que tende a estimular o sujeito a manter esta responsabilidade nas demais ações de aprendizagem em que se envolver.

Como o estudante 23 declarou em 30/01/17, muitas vezes precisamos encarar uma “experiência desafiadora”. Essa experiência dentro da Aprendizagem Compartilhada transforma-se em aprendizado em ação, uma disponibilidade que se concretiza em imersão para novos sabres.