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2 O PROJETO DE EDUCAÇÃO MUSICAL DA UFC

5.1 APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS POR ATIVIDADES REALIZADAS

5.1.2 Atividades Criativas em Grupo

5.1.2.1 Violão II impressões sobre a atividade de improvisação

A atividade de improvisação em grupo foi utilizada com duplo objetivo. O primeiro foi o de contribuir para com o desenvolvimento do discurso musical dos estudantes através da vivência musical em grupo. O segundo objetivo foi o de estimular outras interações não necessariamente previstas pelo professor e tentar, a partir da observação do professor e do relato dos estudantes em momentos posteriores, identificar aprendizagens compartilhadas.

Tais atividades consistiam em dois momentos. O primeiro, a Roda de Improvisação, na qual os estudantes sentavam-se lado a lado, formando um círculo e dois estudantes a cada vez tocavam, sendo um estudante tocando um acompanhamento ritmico- harmônico (base) e outro estudante tocando a melodia improvisada. Em um segundo momento, havia a Discussão Coletiva, na qual os participantes comentaram aspectos diversos da experiência musical na Roda de Improvisação.

Relatos sobre a contribuição do colega na superação de limitações foram recorrentes durante as atividades. Os estudantes fizeram alguns apontamentos sobre aspectos técnico-musicais. Abaixo destacamos, especialmente, as falas que abordaram a dinâmica de trabalho nos exercícios.

Por eu ter dificuldade de improvisar, eu gosto mais da harmonia. Pra fazer o lance do arpejo e solando pra mim já é um pouco mais complicado. Mas aí o Estudante 13 falou “rapaz o caminho é por aqui, mais pelo meio” e deu pra fazer. A gente não obteve o resultado que eu queria mas deu pra fluir. (Estudante 01 - 05set16).

É por aí também. A gente teve muito essa troca de informação, como eu tenho um pouco mais de afinidade em relação à improvisação, a gente foi meio que guiando um ao outro. “Vai fazendo mais por aqui [mostrando a região no braço do instrumento], quando tiver nesse acorde aqui e tal…”.  (Estudante 13 - 05set16) Eu gostei porque pelo fato de ser de dupla a gente aprende mais e a questão aqui eu aprendi [risos]. Antes de começar eu não sabia como e ela foi me dando uns toques e tal… então eu acho que isso ajuda muito quando se trata de dois do que só um. Duas cabeças pensam melhor que uma, lógico né? Então pra mim foi o que ficou melhor. (Estudante 12 - 05set16)

Interessante, Professor, que eu acho também assim… justamente que você [Estudante 08] tava falando de ter alguém mais experiente. As vezes a gente tem uma dificuldade de improvisar, até de ter a ideia em si, e aí vê alguém fazer e já pega um pouco daquela ideia, aí outro já faz e a gente acaba juntando tudo. Se torna mais fácil de executar de acordo com a ideia do outro, que os outros estão fazendo. (Estudante 09 - 19set16)

Alguns estudantes mencionaram dificuldades, deixando transparecer certa insegurança em relação ao nível de desenvolvimento dos colegas em comparação ao seu próprio. Aspectos técnicos também se aliaram a esta comparação para caracterizar dificuldades ou desconfortos no processo de trabalho realizado.

Pra mim foi muito difícil porque eu acho improvisar no instrumento um negócio bem complicado. Se os meninos que já tocam há muito tempo têm dificuldade imagine eu, né? Mas… é assim mesmo. (Estudante 02 - 05set16)

O que a Estudante 02 falou… que na hora de improvisar… Assim, sou quase do zero, praticamente, aí é muito difícil pra mim aí eu tava tentando fazer a harmonia e os acordes e escutar ele [o Estudante 11] improvisando, só que o barulho da sala não deixava muito eu escutar tentar fazer algo parecido, que na hora que eu ia fazer acho que faltava um pouco de musicalidade. (Estudante 31 - 05set16)

No caso assim, Professor, nunca toquei nada fui aprender alguma coisa de música aqui, certo? Assim, como os outros já tocam alguma coisa, já tem mais experiência, eu fico bastante inibido, na verdade. Aí quando você faz essa roda aí, e já toca um pouco mais, aí eu fico travado de tocar alguma coisa. Mas eu estou achando bastante interessante porque eu estou começando a entender como é que o som se encaixa. São dois sons diferentes e que se encaixam, eu comecei a entender e tava até conversando com o Estudante 08 um dia desses, eu tava começando a entender de música. Até então eu só escutava o barulho mas não tinha uma organização na minha mente do que seria aquilo, melodia e harmonia, eu não sabia o que era isso. É isso. (Estudante 07 - 19set16)

Sobre a questão se é incômodo, pra mim é incômodo porque é uma coisa que eu não tenho costume de fazer, não tenho talvez tanta habilidade quanto os meninos mas eu entendo que seja necessário até pra desenvolver musicalidade e tudo, mas assim, sendo sincera, uma opinião sincera e eu sou sincera, eu acho que atividade extremamente inibidora pra pessoas que estão começando no instrumento agora como eu, por exemplo. Eu acho muito inibidor você colocar a pessoa pra improvisar

sendo que ela ainda está aprendendo a tocar acordes agora, eu acho. Impressão minha. (Estudante 02 - 19set16)

Eu particularmente no começo me incomoda mas por conta da insegurança. Mas eu acredito que, pelo menos pra mim, é um incômodo extremamente necessário. Porque é a partir desse incômodo que eu vou procurar melhorar. É onde eu vou procurar estudar que eu melhore. Eu acho que ela [Estudante 02] tem razão de que é inibidor, é, porque eu particularmente também me sinto. A mão treme, às vezes, na hora de fazer. E tipo, é um exercício simples mas no caso você tem que… (Estudante 05 - 19set16)

É desafiador também… (Estudante 04 - 19set16)

É desafiador mas você tem que confiar no seu grupo, ali, entende? Todo mundo tem que ter a consciência de que, tipo, a gente tá no segundo semestre mas nem todo mundo está no mesmo nível. Então, se você compreende isso, você sabe que algumas pessoas vão improvisar umas coisas mirabolantes e outras nem tanto. E outra coisa que você [Professor] falou é que dentro do improviso não há erro. Então, por mais pequeno que seja, a questão da improvisação, eu acho que ela é válida. É incômodo, é, mas eu acho que é um incômodo bom. (Estudante 05 - 19set16)

Também houve momentos em que os estudantes compartilhavam percepções sobre a atividade e sobre o próprio saber ali trabalhado. Abaixo o trecho de um destes diálogos durante a discussão sobre a atividade de improvisação com a turma inteira.

Eu não sei se o Estudante 13 pensa que nem eu mas em improvisação eu penso como se fosse uma frase cantada, como se tivesse cantando. Aí vem uma frase na cabeça, aí justamente a questão das alturas, aí é só desenrolar aqui [no violão]. (Estudante 11 - 05set16)

Exatamente. O improviso não está no dedo. Está na cabeça. (Estudante 13 - 05set16) Pra improvisar não tenho dificuldade não. É interessante que troca de experiências, de conhecimento. O que um não sabe o outro tenta ajudar pra melhorar. É isso aí. (Estudante 11 - 05set16)

Eu tava até sentindo falta, assim, veio na hora certa. Porque eu tava até comentando outro dia contigo que ser interessante em certo momento a gente tocar. E essa atividade a gente tá tocando. A gente fica estudando, estudando, mas tocar mesmo… tá dentro dessa atividade. Eu achei, sinceramente, é fundamental. (Estudante 04 - 19set16)

Eu sempre achei difícil a questão de improvisação e eu acredito que muita gente também ache que, tipo, é um desafio. É um desafio porque a gente nunca pára e senta para improvisar, mesmo que seja simples como a gente está fazendo aqui em círculo. Então eu acho que essa atividade vai dar à gente um pouco mais de confiança na hora de chegar em uma coisa um tanto quanto maior e conseguir fazer algo legal, entende. Então eu acho que isso vai dar confiança e, também, querendo ou não, vai gerar a vontade de você ir, procurar saber e estudar mais as escalas, estudar harmonia, pra poder conseguir passear pelo braço do violão tranquilamente então isso vai ajudar nisso, de confiança e intimidade com o instrumento. (Estudante 05 - 19set16)

Acho que também a questão de se soltar, acho que isso é muito importante. Música tem que ter aquela atividade com o instrumento, aquele momento sagrado ali de você baixar a cabeça, fecha os olhos justamente pra isso. Eu acho que essa atividade além de deixar a aula mais interessante, mais legal, permite a gente abrir a mente nesse sentido assim, perder um pouco a timidez, a gente tem vergonha de tocar pro colega com mais experiência e tal. Eu praticamente estou perdendo isso. Estou me sentindo bem melhor, estou conseguindo estudar melhor em casa depois destes

improvisos, essas cadências que a gente estudou aqui, e a coisa tá indo. (Estudante 08 - 19set16)

Durante nossa observação das atividades de improvisação percebemos uma interação muito rica entre os estudantes. Nas primeiras vezes, alguns estudantes ficavam muito preocupados, ansiosos para quando fosse sua vez de improvisar e acabavam por mudarem a atenção da roda de improvisação para revisarem as notas que iriam utilizar e até esboçar um pouco de improviso ali, em volume baixo para não interferir no improviso do colega ainda em curso. No entanto, o professor, que nas primeiras rodas atuou como regente, logo orientou de que era mais importante conectar-se com o discurso musical dos colegas durante o improviso em grupo. Ou seja, tão importante quanto realizar o próprio improviso melódico era ouvir o improviso dos colegas.

As discordâncias também surgiram durante as discussões coletivas sobre a roda de improvisação.

Eu acho isso que ele falou muito relativo. Ele falou que quando pensa em improvisar ele pensa numa frase cantada. Se eu tiver que improvisar cantando eu vou improvisar tranquilamente porque eu faço melhor. No caso se eu for improvisar tocando talvez ele faça melhor porque ele tem mais intimidade com o instrumento. Por isso que eu falo que pra improvisar você tem que ter uma certa familiaridade com o instrumento. (Estudante 02 - 05set16)

Mas a questão não é nem isso não. É mais a questão de saber os sons e saber onde está cada coisa [no violão]. (Estudante 11 - 05set16)

Mas é que aí tem que ter familiaridade com o instrumento. (Estudante 13 - 05set16)

O professor, nesse caso, tentou contribuir como um mediador, inclusive agregando outras reflexões sobre o tema abordado, no caso, o desenvolvimento – ou desinibição – para a improvisação.

Realmente tem que ter a familiaridade com o instrumento, mas eu acho que ele está chamando a atenção é que as vezes quando você tem até uma boa familiaridade com o instrumento, você não consegue improvisar “musicalmente”, vamos dizer assim. Não fica musical, fica um emaranhado, um engodo… porque a pessoa tenta colocar muita coisa e as vezes ela não pensa nisso que eles estão chamando de frase. Eu ouço uma frase como se fosse cantando e toco. O que é isso? Ele consegue traduzir a música que a pessoa está ouvindo internamente e consegue expressar aquilo no instrumento. Isso é muito interessante. Isso é o que Keith Swanwick chama de discurso musical. Nós temos um discurso musical e a gente precisa desenvolver esse discurso. A atividade de improvisação é uma ferramenta muito interessante para desenvolver esse discurso, só que a improvisação que a gente está usando aqui não é aquela do profissional, necessariamente. É uma improvisação que eu chamo de ferramenta pedagógica. Porque improvisar é uma coisa natural. É interessante que, musicalmente, todos tenham essa desenvoltura. Não quer dizer que todos vão ter a mesma desenvoltura ou as pessoas vão improvisar do mesmo jeito. Não é isso. Mas elas vão ter alguma familiaridade de improvisar e normalmente improvisar quer dizer “eu gosto de fazer assim”, “meu jeito de fazer é assim”, mas você só desenvolve esse jeito fazendo. É por isso que eu estava dizendo quando no começo você disse que o começo estava esquisito, que não tava dando certo é porque o

começo é esquisito, o começo dá mais “errado” do que certo. Mas tem uma hora que a coisa vai encaixando, aí você repete, aí você começa a curtir e começa a gostar de ouvir o que tá funcionando. Aí aos poucos, da próxima vez, você já vai usar um pouco daquilo que você aprendeu a fazer nesse próximo improviso e a coisa vai crescendo. É nesse sentido. Aula que vem a gente vai fazer em grupo e algumas dessas coisas que ficaram soltas, tanto das facilidades quanto das dificuldades, a gente aproveita e coloca nesse grupo também. O objetivo é o que? A partir dessa percepção múltipla das coisas, em cima dos vários olhares sobre a improvisação que a gente consiga ter uma visão mais ampla da coisa, ou seja, uma visão melhor sobre aquilo. (…) Eu estou improvisando a fala pra vocês, não é? Em cima do meu discurso. Eu tenho um discurso e eu estou improvisando a minha fala. É interessante que a gente tenha essa desenvoltura musical, de ter um discurso musical e conseguir fazer isso musicalmente. Não é simples, assim como o que eu estou fazendo e a gente consegue fazer não é simples, mas a gente desenvolve, esse é um caminho. Certo? (Professor - 05set16)

Podemos citar, com base na observação do professor e das falas dos participantes, alguns conhecimentos e competências foram construídos e desenvolvidos durante as rodas de improvisação como: o uso de escalas de acordo com a tonalidade; a ideia de construção de frases musicais; a utilização de notas de passagem e cromatismos em frases melódicas; o uso de motivos rítmico-melódicos no improviso; a maneira fluente de iniciar e finalizar os improvisos melódicos, diminuindo a “quebra" de fluência musical entre os improvisadores, a capacidade transmitir segurança ao improvisador melódico a partir da base rítmico- harmônica, evitando excesso ou falta de volume (intensidade) nos acordes; a capacidade de variar a condução rítmico-harmônica de maneira a induzir o improvisador melódico a mudar o caráter de seu improviso; a capacidade do improvisador melódico induzir o violonista responsável pela base rítmico-harmônica a mudar o caráter de seu acompanhamento; a maneira de, a partir da sua função (improvisador melódico ou base rítmico-harmônica) estimular a criatividade do colega ao buscar contrastes ou destacar aspectos musicais específicos na interpretação musical do colega, como uma acentuação rítmica ou um motivo melódico, por exemplo.

Todo esse complexo de trocas musicais entre os participantes ocorreu, primeiramente, a partir da mobilização dos mesmos para se envolverem e perseverarem durante a realização musical, vencendo a inibição pessoal e tornando-se disponível a interagir com os colegas. Em segundo lugar, percebemos que a roda de improvisação foi estimulada pela orientação do professor ao apontar diretrizes claras e compreensíveis para participação das rodas de improviso, além de destacar os potenciais dos estudantes, reforçando com apoio verbal durante momentos em que os estudantes demonstraram desânimo ou ficarem insatisfeitos com os primeiros resultados de seus improvisos. Por fim, a própria disposição do

grupo – todos com visão privilegiada dos colegas, ninguém à frente de ninguém – e o caráter da atividade de improvisação, que exige um forte direcionamento das atenções para a interação com os colegas.