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2 O PROJETO DE EDUCAÇÃO MUSICAL DA UFC

2.7 Superação do habitus conservatorial e o Projeto de Educação Musical da UFC

A partir do que apresentamos anteriormente, gostaríamos, ainda, de destacar alguns elementos do Projeto de Educação Musical da UFC que apontam para uma superação do habitus conservatorial tão presente no ensino superior em música no Brasil, especialmente nos cursos de licenciatura.

1. O professor deixa de ser o foco principal do processo educativo.

2. O objetivo do curso vai para além de formar o exímio artista que, por domínio de sua arte, consequentemente estaria apto para ser professor. Em lugar, o objetivo é a formação do professor de música, compreendendo este como um educador do campo artístico e, para isso, precisa identificar-se com a docência em música.

3. As práticas individualistas-competitivas tentam dar lugar a vivências coletivo- compartilhadas.

4. Em lugar da primazia da performance interpretativa de obras já consagradas do repertório chamado de erudito ou clássico, o estímulo sistemático das práticas criativas como caminho para desenvolvimento artístico-musical.

5. Em lugar do virtuosismo ser o objetivo do desenvolvimento técnico, a reflexão e vivências artístico-musicais situadas, contextualizadas, com foco no protagonismo crítico do estudante em formação, assim como do professor formador.

6. Em lugar do repertório dito erudito como única maneira e objetivo interpretativo-formativo, há um privilégio da produção musical brasileira e estímulo a criação artística, inclusive como estratégia pedagógica com vistas à prática docente do professor em formação.

7. Em lugar do forte caráter seletivo e o dogma do “talento inato”, uma postura baseada na democratização do acesso à Educação Musical, acreditando que todos podem expressar-se artisticamente a partir da música e que a Escola Básica é um espaço privilegiado para desenvolver ações educativas com vistas a oportunizar a vivência

artística e o estudo sistematizado de música a todos e a todas.

O violão no contexto do Projeto de Educação Musical da UFC é uma das práticas instrumentais disponíveis, sendo trabalhado desde o suporte para o regente coral até mesmo como foco principal no ensino de música através do instrumento musical. No curso de Música da UFC em Sobral, por exemplo, as disciplinas de Práticas Instrumentais - Violão I a IV (de caráter obrigatório para quem escolher o violão para a disciplina de Prática Instrumental) aborda as possibilidades de execução de acordes e melodias no instrumento, tendo como meta ao final da Prática Instrumental IV a capacidade de escrever e executar arranjos para grupo de violões, a desenvoltura para o acompanhamento harmônico, a execução melódica e uma iniciação ao violão solista. Nas Práticas Instrumentais - Violão V a VIII, os estudantes aprofundam a interpretação do violão solo, assim como a prática duos, trios e quartetos de violão. A estudo do violão não é considerado, neste contexto, o fim último do trabalho, mas um aprofundamento necessário para o exercício da docência, especialmente quando se propõe ao ensino do instrumento musical. Em todas as disciplinas de Violão (I a VIII), são estimuladas a criação musical, tanto com a improvisação, o arranjo e a composição. O foco é o desenvolvimento artístico utilizando o instrumento musical como forma de expressão, destacando sempre o potencial criador do intérprete.

Tendo apresentado o Projeto de Educação Musical da UFC e seus elementos de superação do habitus conservatorial, apresentaremos a seguir uma revisão de literatura sobre Aprendizagem Colaborativa, Cooperativa e Compartilhada, além de utilizar o pensamento pedagógico de Paulo Freire para fundamentar alguns princípios da Aprendizagem Compartilhada.

3 P R I N C Í P I O S D I D Á T I C O S PA R A A A P R E N D I Z A G E M M U S I C A L COMPARTILHADA

Neste capítulo abordaremos a literatura sobre aprendizagem com o foco na interação entre os sujeitos do processo educativo. Em nossas leituras, encontramos especialmente os termos Aprendizagem Cooperativa, Aprendizagem Colaborativa e Aprendizagem Compartilhada. Em seguida, após abordarmos os diferentes tipos de aprendizagem conforme elencados acima e tendo como base o pensamento pedagógico do educador Paulo Freire, delinearemos alguns princípios didáticos para a Aprendizagem Musical Compartilhada.

Como alternativa a uma forma de ensino caracterizada por Paulo Freire (2005) como Educação Bancária surgem propostas baseadas no protagonismo estudantil. A educação bancária é centrada no professor, tido como o detentor do conhecimento e da verdade, com o objetivo de depositar a maior quantidade de informações a serem memorizadas pelos estudantes, ou depósitos feitos pelo professor a serem compensados nos testes. Os professores Johnson, Johnson e Smith ilustram o cenário educativo da seguinte forma:

Imagine que a viagem no tempo é possível e que nós poderíamos colocar indivíduos da idade média nos dias de hoje. Um fazendeiro da idade média colocado em uma fazenda moderna não reconheceria nada a não ser a criação de animais. Um médico do século 13 provavelmente desmaiaria de choque em uma sala de operações moderna. Galileo ficaria perplexo com um passeio no Centro Espacial Johnson da NASA. Colombo tremeria de terror em um submarino nuclear. Mas um professor universitário do século 15 se sentiria perfeitamente em casa em qualquer sala de aula. Enquanto agricultura, medicina, ciência e transportes, assim como manufaturas e comunicações foram todas transformadas e melhoradas, o ensino relativamente não foi. Continuam as mesmas suposições de que ensinar é dizer, aprender é absorver o que o instrutor diz e conhecimento é algo subjetivo (JOHNSON, JOHNSON e SMITH, 2013, p. 2, tradução nossa) . 30

“Imagine that time travel is possible and we could place individuals from the middle ages into present day 30 30

life (Spence, 2001). A middle ages farmer placed in a modern farm would recognize nothing but the livestock. A physician from the 13th Century would probably faint from shock in a modern operating room. Galileo would be mystified by a tour of NASA’s Johnson Space Center. Columbus would shake with fright in a nuclear submarine. But a 15th Century university professor would feel right at home in any classroom. While agriculture, medicine, science, and transportation, as well as manufacturing and communication have all been transformed and improved, teaching relatively has not. The same assumptions continue that teaching is telling, learning is absorbing that the instructor tells, and knowledge is subject matter content”(JOHNSON, JOHNSON e SMITH, 2013, p. 2).

Assim, entendemos que ao desviar o foco educativo do professor para o estudante, muda-se sensivelmente todo o processo educativo, desde seus princípios até a maneira como ocorre a avaliação do mesmo.

Como os estudantes interagem uns com os outros é um aspecto negligenciado pelo ensino. Muito tempo de treinamento é devotado para ajudar os professores a arranjar interações apropriadas entre estudantes e materiais (por exemplo, livros didáticos, programas curriculares) e algum tempo é gasto em como os professores devem interagir com os estudantes, mas como os estudantes devem interagir uns com os outros é relativamente ignorado. Não deveria ser. Como os professores estruturam os padrões de interação entre estudantes tem muito a dizer sobre o quão bem os estudantes aprendem, como eles se sentem em relação à escola e o professor, como eles se sentem em relação aos outros e o quanto de autoestima eles têm (JOHNSON, e JOHNSON, 2015, tradução nossa) . 31

A interação entre pessoas durante o processo educativo necessariamente ocorre, mesmo não sendo um tipo de interação direta, espontânea ou aberta – quando as pessoas conversam entre si sem receberem uma orientação pedagógica para tal. Considerando as diversas possibilidades de interação, inclusive as não-verbais, é preciso esclarecer qual o sentido/maneira/forma de interação(es) necessária(s) a um processo educativo que perceba o estudante como agente central da sua própria formação.

Assim, termos como colaborativo, cooperativo e compartilhado vêm à tona nas leituras sobre educação e educação musical. No entanto, na maioria das vezes, são tratadas de maneiras periféricas, sendo apenas adjetivos vagos para caracterizar alguns aspectos específicos. Há um crescente esforço em tornar as discussões sobre os termos “aprendizagem colaborativa”, “aprendizagem cooperativa” e “aprendizagem compartilhada” mais ricas. Porém, muitas vezes tais termos são utilizados como sinônimos, todavia, é possível encontrar diferentes acepções para cada um destes e assim percebemos que é importante para esta pesquisa buscar caracterizar tais tipos de aprendizagem a partir da literatura disponível.