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2 O PROJETO DE EDUCAÇÃO MUSICAL DA UFC

5.2 REFLEXÕES A PARTIR DOS DADOS COLETADOS

5.2.1 ENSINO

Como já abordamos anteriormente, o Ensino consiste em ações de estudo ativo dos estudantes em direção à aprendizagens, processo esse orientado pelo professor. O ensino está inserido dentro de uma campo mais amplo da Educação, que envolve as ações de instrução – apreensão de conhecimentos disponíveis e agregados pela história da humanidade – assim como aspectos de formação geral da personalidade como ética e cidadania. Assim, é impossível tratar de educação sem dimensionar adequadamente para que serve essa Educação, ou melhor, quais seus objetivos formativos: que perfil de ser humano se deseja formar. Dessa maneira, a visão política é inerente ao ato educativo e precisa ser refletida, debatida e

esclarecida em propostas de educação dialógica, como é o caso da Aprendizagem Compartilhada.

Como apontado pelo Estudante 04 ao comentar a AP II- Violão II, as atividades de improvisação em grupo caracterizam-se como Aprendizagem Compartilhada por buscar a interação entre os sujeitos como meio para o desenvolvimento de aprendizagens. Destaca também que esta é uma perspectiva atual quando se pensa a Educação.

O modelo de avaliação aplicado na APII pode ser considerado uma atividade compartilhada, pois contempla a interatividade e valoriza a ajuda mútua, conceito fundamental para o desenvolvimento da educação contemporânea (Estudante 04, comentário APII).

A Estudante 02, ao comentar a APII - Violão II, indica que o Curso de Licenciatura em Música possui uma proposta inclusiva acentuada mas que sente falta da materialização desta inclusão a partir das propostas pedagógicas implementadas no cotidiano.

Nosso curso tem uma proposta de inclusão muito significativa, mas sinto que em muitos casos, acabamos apenas na proposta e não partimos para a prática, uma vez que ensinar coletivamente vai para além de dar aulas para grupos numa mesma sala. (Estudante 02, comentário sobre APII).

Como caracterizamos no capítulo 02 deste trabalho, concordamos com o relato acima transcrito sobre o Projeto de Educação Musical da UFC. Está inserida dentro desse Projeto a ideia de que é preciso pensar dinâmicas específicas de trabalho em grupo que vão além da mera transposição do ensino tutorial em música para um grupo de estudantes. Como indicado anteriormente, o Projeto de Educação Musical da UFC traz em seu cerne o estímulo a vivências coletivo-compartilhadas.

Compreendemos que uma postura político-pedagógica clara se faz necessária quando se trata de Educação e ações didáticas. Dessa maneira, na Aprendizagem Compartilhada, os princípios precisam ser esclarecidos, refletidos e compartilhados com todos os participantes da ação educativa. Neste contexto os sujeitos estão inseridos em um panorama de mudança ou reconstrução da realidade social e, portanto, ao adotar uma perspectiva educativa que visa a formação de um sujeito crítico, ativo, reflexivo, consciente das questões inerentes ao tecido social, necessariamente a ação educativa é uma ação para a mudança, para uma melhoria das condições de vida em sociedade. O sentido desta mudança é destacado pelo caráter político da ação educativa. Educação, no sentido da Aprendizagem Compartilhada, é mudança em ação.

Uma vez que o ensino é uma ação educativa intencional de instrução e formação, o planejamento é uma das etapas essenciais para o desenvolvimento de propostas que tenham como referencial a Aprendizagem Compartilhada. A Aprendizagem Compartilhada, portanto, se caracteriza como uma abordagem didática que busca orientar a imersão dos estudantes no sentido da construção de saberes utilizando-se da elaboração conjunta para ampliar a compreensão sobre objeto de aprendizagem. É possível, em um primeiro momento, entender que a imprevisibilidade inerente à Aprendizagem Compartilhada entraria em conflito com a necessidade do planejamento, sendo esta necessidade uma característica essencial do ensino. No entanto, este aparente conflito se desfaz ao percebermos que um processo educativo formal precisa ter claro seus objetivos, conteúdos e metodologias, enfim seu planejamento e, além disso, para lidar com a imprevisibilidade, inerente à Aprendizagem Compartilhada, é necessário ter um planejamento mais bem estruturado do que numa abordagem bancária, por exemplo. Lidar com a imprevisibilidade em educação significa buscar a expansão de possibilidades, e não percorrer um caminho aleatoriamente.

Outro aspecto importante para o professor é compreender como utilizar a abordagem compartilhada de aprendizagem dentro do seu contexto de trabalho, dado os objetivos das instituições em seus diferentes níveis de organização (escola básica, escola livre, ensino superior) e outras questões organizacionais como quantidade de alunos e tempo de aula. Assim, nos parece pertinente afirmar que o professor é o responsável pela intermediação entre a Aprendizagem Compartilhada e o contexto de inserção, mesmo que sua autonomia em determinados espaços educativos possa ser reduzida.

Sendo a Aprendizagem Compartilhada o resultado de uma abordagem democrática que tem como um de seus pressupostos o estímulo ao pensamento crítico e autônomo, é de extrema importância a participação dos estudantes no planejamento das ações educativas. Além de motivá-los nos aspectos referentes à mobilização para aprendizagens, tal participação contribuirá para um amadurecimento frente a ação educativa e o estudo ativo. Em um curso de formação de professores, esta participação no planejamento se faz ainda mais importante. Em nossa pesquisa de campo este entendimento não foi aplicado com a devida acuidade, devendo ser concretizado e analisado em trabalhos posteriores. Em nossa pesquisa a reflexão sobre os processos ocorreu após a vivência dos mesmos, uma vez que os estudantes tiveram pouca ou nenhuma influência no planejamento das ações educativas. Estudos

posteriores poderão preencher esta lacuna, mas esta percepção já aponta novos aprimoramentos que deveremos implantar no trabalho pedagógico nas disciplinas de Violão.

Em nossa práxis educativa os estudantes dispõem de espaço para avaliar o percurso da disciplina e estes expressam suas opiniões e apresentam sugestões que nos levam a proceder ajustes para os semestres seguintes. Apesar deste processo apresentar uma contribuição para o desenvolvimento e melhoria da práxis educativa, o próximo passo apontado pela presente pesquisa é fazer com que a participação dos estudantes no planejamento da disciplina seja mais ativo, contribuindo para alterações juntamente com o professor a usufruindo melhor das sugestões apresentadas no decurso do semestre.

Para que o planejamento possa agregar as contribuições dos estudantes é importante que os mesmos sintam-se à vontade para colocar suas percepções. Mostrar que a práxis educativa é um processo em constante aperfeiçoamento pode ser um aspecto determinante para esta situação favorável à expressão estudantil. Por exemplo, o Estudante 19 no dia 30/01/17 relatou que uma das atividades mais significativas feitas durante o período que cursou a prática instrumental violão foi quando solicitei uma atividade extra, apenas para alguns estudantes que tivessem interesse de contribuir com o projeto de extensão universitária Oficina de Violão (projeto de iniciação musical voltado para jovens e adultos).

(…) a coisa que [mais me desenvolveu] (…) foi aquela época que tu pediu pra gente transcrever umas músicas fazer tipo um songbook e tudo, que essa ideia assim de compasso, até mesmo a questão da percepção tinha muita coisa que eu não tinha domínio, principalmente compasso composto (Estudante 19, 30jan17).

Para tanto, o primeiro passo seria transcrever canções da música brasileira para a partitura, utilizando o programa de editoração musical gratuito chamado Musescore . Tal 79

tarefa contribuiu para o desenvolvimento e ampliação da percepção musical do de acordo com o depoimento deste estudante. Assim, para os próximos planejamentos, atividades de transcrição e percepção musical podem vir a ser incorporados no sentido de ampliar as possibilidades musicais e didáticas dos estudantes da Prática Instrumental Violão do curso de Licenciatura em Música.

Um dos objetivos da Aprendizagem Compartilhada, segundo apresentamos no capítulo 02, é desfazer as relações de dominação estabelecidas no contexto de uma educação bancária, propondo uma estrutura mais democrática de participação na qual os estudantes são

Musescore é um software livre, o que faz com que sua utilização possa ocorrer sem ônus para as instituições, 79

estimulados a se mobilizarem para o aprendizado tendo o professor como um orientador dos processos de estudo ativo. Assim, aspectos que contribuem para a passividade permanente do estudante são reformulados para contribuir no processo de formação de um sujeito da própria aprendizagem, ativo e crítico da realidade que está inserido. Práticas competitivas devem ser desestimuladas dentro do contexto da Aprendizagem Compartilhada por não serem compatíveis com a ideia de ajudar o outro a crescer, mas de superar o outro. Como apontou a Estudante 02 no dia 24/08/16 e nos comentários da APII do Violão II, o ensino formal e especialmente a Universidade tendem a se constituir de um espaço de estímulo à competição.

(…) a gente é ensinado desde a educação básica a não trabalhar assim [de maneira compartilhada]. (…) Você não se preocupa em dividir o que você sabe com o outro, você quer ser melhor do que o outro, que isso te põe num status, funciona como uma hierarquia, assim, sabe? (Estudante 02, em 24ago16).

[na universidade] a competitividade é estimulada o tempo todo pelas notas, e consequentemente, pelo IRA.(Estudante 02, comentário APII).

No contexto dialógico da Aprendizagem Compartilhada, o professor e os estudantes são sujeitos de aprendizagem, como apontou do Estudante 05 no dia 30/01/17: “(…) a aprendizagem compartilhada mostra que de uma maneira ou de outra, tanto aluno quanto professor são aprendizes”. No entanto, o professor nem sempre considera que os estudantes possuem a mesma inteligência que o professor no sentido em que Rancière (2015) expõe, ou seja, muitas vezes não considera que os estudantes compartilhariam das mesmas potencialidades de aprendizado e desenvolvimento que o professor. No entanto, ao compreendermos que docentes e discentes possuem as mesmas potencialidades para o aprendizado torna-se possível um diálogo mais aberto e franco no qual o professor ouve e efetivamente considera o ponto de vista dos estudantes e, também, se considera como sujeito em processos de aprendizagem.

Sendo o Ensino um dos componentes da Aprendizagem Compartilhada, por defender claramente valores democráticos e práticas dialógicas, ele também possui a característica de incentivar atitudes de empatia – ou identificação com o outro. Uma delas é o respeito ao outro e gerenciamento das diferenças, como já apontado anteriormente quando abordamos a Educação Dialógica freiriana. Outra dessas atitudes é o desenvolvimento do que na Aprendizagem Cooperativa é considerado habilidades sociais, que envolvem a maneira de se colocar uma proposta ao grupo, a forma de ponderar sobre algum aspecto, a maneira de saber criticar sem desrespeitar ou desvalorizar os colegas envolvidos. Também é importante o

estímulo à expressão do pensamento dos estudantes frente às questões vivenciadas em sala de aula.

Compreendemos que o refinamento dos hábitos de estudo também é um dos focos da Aprendizagem Compartilhada. Por exemplo, um dos objetivos principais da auto-avaliação realizada com os estudantes em nossa pesquisa foi chamar-lhes a atenção para o caráter protagonista que eles possuem nos processos que envolvem a sua própria formação. A expectativa didática é que, a partir de uma conscientização de seu protagonismo e responsabilidade para com a sua própria formação, o estudante desenvolva e refine suas práticas de estudo ativo e autônomo.

O professor tem um papel fundamental na abordagem dos conteúdos junto aos estudantes de maneira a estimular a mobilização para aprendizagens a partir de uma perspectiva inclusiva e democrática, dentro do contexto da Aprendizagem Compartilhada. A utilização do material musical produzido pelos próprios estudantes, por exemplo, configurou- se nesta pesquisa como um aspecto relevante para uma metodologia que busca o desenvolvimento do aprendizado de maneira compartilhada. Outro aspecto também importante neste estímulo a mobilização para a aprendizagem é a maneira de avaliar. Considerando o momento da avaliação como uma verificação na qual busca-se saber se os objetivos de aprendizagem estão sendo atingidos, a atividade de avaliação pode ter vários formatos para além da prova individual. Atividades de avaliação realizada em grupos podem auxiliar nesta verificação da aprendizagem de uma maneira menos intimidadora para os estudantes. Outras atividades podem servir de instrumento de avaliação para além da tradicional prova escrita e arguição oral, como atividades de grupo, apresentação de realizações musicais a partir de produções dos próprios estudantes, além do ato de apresentação pública em espaços diversos, como outras escolas, abrigos de idosos, hospitais, praças, teatros, para citar alguns espaços que já foram utilizados pelo curso de Música da UFC em Sobral.

Ao tratar de ensino não podemos deixar de discutir o aspecto organizacional de gerenciamento do tempo, aspecto este que pode desestimular, em alguns casos, o uso de ações de Aprendizagem Compartilhada no ambiente escolar: ações em colaboração demandam tempo e, ao mesmo tempo, existem variáveis que não podemos prever em relação à interação entre os sujeitos e que podem também interferir no tempo disponível pela instituição para

determinada atividade educativa. É necessário gerenciar este tempo pois o sistema de ensino formal funciona de acordo com horários e muitas vezes a flexibilidade de remanejamento de aulas é inexistente. Dessa maneira, também é necessário considerar que as atividades precisam ser realizadas dentro de um espaço razoável de tempo que consiga atender às necessidades de aprendizagem dos estudantes e a rigorosidade dos horários a serem obedecidos.

Ao mesmo tempo, ao tratar de Aprendizagem Musical Compartilhada, o desenvolvimento musical com um instrumento e o desenvolvimento de habilidades musicais demanda tempo e precisa considerar experiências de aplicação e aperfeiçoamento. O professor tem um papel fundamental no gerenciamento e orientação destas questões junto aos estudantes e a instituição de ensino, aproximando os alunos de condições mais coerentes com os objetos de conhecimentos abordados.

Une-se ao gerenciamento do tempo, tanto da instituição quanto o tempo de aprendizado dos estudantes, a seriedade inerente ao preparo profissional no contexto dos cursos de Licenciatura em Música. Este contigenciamento relacionado ao tempo muitas vezes implicou, durante nossa pesquisa de campo, em não poder aprofundar algumas ações de criação ou mesmo ter que postergar a realização de uma reflexão com o grupo sobre uma atividade específica. Apesar do objeto de estudo, a música, costumeiramente remeter a aspectos de prazer, lazer e confraternização – aspectos constituintes dos contextos culturais mais diversos que envolvem a produção artística em música –, o professor também orienta a formação de um perfil – ou habitus – profissional, que precisa lidar, assim como ele próprio, com variáveis nem sempre favoráveis para a atividade docente. Dessa maneira, as questões organizacionais também fazem parte das questões pedagógicas abordadas pelo professor no contexto dos cursos de licenciatura na formação constante do profissional da educação, inclusive em componentes curriculares mais específicos como a prática instrumental violão.

No contexto da Aprendizagem Compartilhada, a atuação como orientador, por parte do professor, se inicia com a seleção inicial dos conteúdos e metodologias para o ensino. Refletir e desenhar caminhos de como aproximar os estudantes dos objetivos de ensino já caracteriza um primeiro passo do professor no papel orientador. Mesmo que tais caminhos possam ser reavaliados e redesenhados a partir do contato e contribuições

estudantis, o ensino de qualidade baseado na abordagem da Aprendizagem Compartilhada não prescinde de uma preparação didática sólida por parte do docente.

No andamento das atividades de ensino, o papel fundamental do professor é orientar o estudo ativo dos estudantes, tanto em grupo quanto individualmente.

O estudo é a atividade cognoscitiva do aluno por meio de tarefas concretas e práticas, cuja finalidade é a assimilação consciente de conhecimentos, habilidades e hábitos sob direção do professor. A atividade cognoscitiva não pode ser considerada simplesmente como a manipulação de objetos, vivências de situações concretas, memorização de regras e fórmulas ou resolução de problemas e tarefas. Essas atividades externas somente têm relevância se, gradativamente, forem transformando-se em atividade interna, como instrumentos de pensamento (LIBÂNEO, 2013, p.113).

Utilizamos o termo Estudo Ativo como uma maneira de afastar a ideia de estudo como a simples memorização de informações, aproximando a ideia de estudo à uma imersão cognoscitiva que prepara e conduz a aprendizagens. O estudo ativo se amplia para além da relação entre professor e aluno, sendo que os colegas passam a ter importante papel neste estudo ativo dentro do contexto da Aprendizagem Compartilhada.