• Nenhum resultado encontrado

2 O PROJETO DE EDUCAÇÃO MUSICAL DA UFC

5.2 REFLEXÕES A PARTIR DOS DADOS COLETADOS

5.2.4 ASPECTOS MUSICAIS

Nossa pesquisa de campo demonstrou que um dos maiores fatores de estímulo à mobilização de aprendizagens e estudo do instrumento foi o fazer musical. O ato de vivenciar música como autor/ator da realização sonoro-musical desperta o interesse de ir além na formação, além de consolidar e reforçar a importância de outros saberes relacionados ao fazer musical. As atividades de realização musical em grupo possuem grande potencial para a compartilha de saberes, tendo os estudantes espaços para se expressarem e experimentar, além de desenvolverem a criatividade, especialmente quando se propõem a aplicar musicalmente, de maneira clara, um conteúdo abordado.

O Estudante 22 e o Estudante 21 destacaram no dia 30/01/17 a relevância das atividades de criação musical para o aprendizado de música. Na Aprendizagem Musical Compartilhada as atividades de criação musical – especialmente através da composição, arranjo, improvisação e interpretação – constituem parte essencial do ensino de música. Nelas, além questões propriamente musicais, são estimulados o pensamento crítico, reflexivo e contextualizado.

No contexto da aprendizagem de música, a imitação se constitui como uma valiosa estratégia de aprendizado e que pode servir de base para desenvolvimentos posteriores. Ao contrário do que se possa pensar, a imitação não se constitui em um simples processo de reprodução, até porque o próprio processo de reprodução envolve aspectos de compreensão e esforço criativo de refazer algo da maneira mais fiel possível ao original. Dessa maneira, a imitação constitui-se como um passo importante no desenvolvimento do discurso musical e do pensamento autônomo.

Caracterizamos a improvisação musical como uma composição musical que se constitui enquanto acontece. Este tipo de realização musical foi utilizada em nossa pesquisa de campo especialmente com o turma de Violão II. Com ela, buscamos desenvolver o discurso musical dos estudantes através de rodas de improvisação coletiva, de acordo com

Oliveira (2012). Durante as atividades de improvisação musical, buscamos transmitir com clareza os objetivos da atividade a partir de direcionamentos (diretrizes) simples.

Gostaríamos de destacar alguns aspectos musicais que favoreceram a atividade de improvisação como ferramenta pedagógica:

1- notas enfocadas para o improviso baseadas nas escalas que os estudantes já haviam trabalhado, ou seja, material musical com o qual já estão familiarizados;

2- uma base rítmico-harmônica com poucos acordes, para que o estudante que improvisa a melodia se situe musicalmente com maior facilidade.

3- estímulo à experimentação de aspectos musicais como timbre, intensidades, dinâmicas, mudanças de andamento etc.

A roda de improviso, a nosso ver, constituiu-se como um espaço de Aprendizagem Musical Compartilhada pois promoveu a integração entre os sujeitos em busca da consolidação de aprendizagens durante o fazer musical, assim como a construção de novas aprendizagens a partir da própria vivência musical em grupo. Como alguns estudantes destacaram, nas rodas de improvisação constituíram-se espaços de muitas trocas de saberes, nem sempre verbalizáveis, mas saberes musicais que são adquiridos e constituídos a partir da vivência musical. Destacamos alguns aprendizados nas rodas de improvisação, como por exemplo: a construção de ideia de finalização das frases musicais; a atenção aos diversos aspectos da interação com o colega durante o improviso, e não apenas a sua frase musical; a construção de convenções – frases ou gestos musicais balizadores no improviso; a experimentação a partir de conhecimentos trabalhados nas aulas; a desinibição em improvisar com os colegas; a utilização de elementos musicais do improviso dos colegas como motivo para início dos improvisos seguintes; a utilização de contrastes nas frases musicais afim de evitar a repetição e monotonia etc.

Quando refletimos sobre a troca de conhecimentos entre os estudantes na perspectiva do ensino de música destacamos, inclusive, que nem todas estas ideias são

verbalizáveis, pois muitas delas ocorrem através dos discursos musicais. Ou seja, durante as rodas de improvisação, por exemplo, havia momentos em que os estudantes compartilhavam ideias musicais através da própria música realizada, sem necessariamente uma intermediação verbal para tal compartilhamento. Não que seja dispensável esta dimensão da explicação falada mas é importante notar que na interação musical entre os sujeitos em um mesmo espaço, um incontável número de informações são trocadas mesmo sem a necessidade de expressar verbalmente tais conceitos.

Nesta pesquisa de doutorado o improviso se apresentou a alguns estudantes como um grande desafio, muitas vezes fazendo com que alguns deles desistissem de tocar nas primeiras tentativas. No entanto, com o estímulo do professor e dos colegas, os estudantes experimentaram improvisar e, apesar das primeiras melodias apresentarem dificuldades de compreensão ou expressão, o fato dos estudantes com dificuldades terem atravessado a barreira de realizar um improviso junto com os demais colegas os motivou a arriscarem-se com mais tranquilidade em oportunidades posteriores, quando os improvisos apresentaram um desenvolvimento no discurso musical dos estudantes a partir de frases musicais melhor estruturadas e apresentadas, com maior fluência e experimentação. Mais uma vez reforçamos que o significado do que aqui tentamos retratar sempre sofrerá de limitações nesta descrição por constituir-se de uma tentativa de descrever um discurso musical a partir de um discurso linguístico-literário.

O Estudante 10 em 05/09/17 ao descrever a experiência da Roda de Improvisação destacou a apropriação do conteúdo trabalhado ao perceber-se criador/autor de música: “Teve isso que a gente viu que dava pra fazer na música”. Muitas vezes percebemos esta dificuldade em alguns estudantes ingressantes na Licenciatura de terem receio, como se necessitassem de um aval ou validação de outras pessoas em relação se o que fazem é música ou não. Às vezes a dificuldade é maior, pois há a descrença no próprio potencial de fazer música.

Dessa maneira, uma das atitudes a ser empreendida pelo professor que orienta ações de Aprendizagem Musical Compartilhada é a de estimular os estudantes a ultrapassarem a barreira do receio de fazer música, a vergonha em tocar na frente dos colegas, o medo de errar. O professor avaliará o momento adequado para insistir ou não que seus alunos façam a

improvisação buscando que estes consigam desenvolver-se em atividades de realização musical em grupo.

Considerar a música como um discurso é uma das etapas para tal desenvolvimento. Por não se constituir como uma linguagem, ou melhor, por não possuir códigos bem delineados de informação para uma comunicação baseada em conceitos concretos e significados compartilhados, a música se apresenta mais como uma forma de discurso, ou seja, ela comunica, mas não significados tão bem delineados como é o caso de palavras na língua portuguesa, por exemplo. Uma sequência musical não transmitirá o mesmo significado sintático para todos, como é o caso da linguagem. Assim concordamos com Swanwick (2003) de que a música não é linguagem mas uma forma de discurso.

Utilizaremos o conceito de fluência musical próximo à perspectiva de Keith Swanwick (2003), a qual consiste em manter o discurso musical em movimento, ou seja, dar um sentido musical ao fazer sonoro. Aqui temos um impasse, pois apesar de conseguirmos atribuir avaliações sobre realizações sonoras como “musicais” ou “não musicais”, é extremamente arbitrário tecer uma regra geral aplicável a qualquer realização cultural- musical, e mais, não é possível transcrever em palavras características artísticas especificamente musicais. No entanto, o termo fluência musical nesta pesquisa se refere a momentos em que a realização musical foi plena, ou seja, envolveu os participantes em uma realização artística em que todos partilharam a sensação de realização artístico-musical genuína. Logo, este conceito, apesar de real, é extremamente controverso pois trata de atribuir, ou não, a qualificação “musical” a alguma realização sonora.

Um dos aspectos que contribuem para que ocorra a fluência musical em uma realização humana intencional é a experiência com o instrumento de expressão utilizado: em nossa pesquisa, o violão. Percebemos que os estudantes da prática instrumental violão normalmente ingressam no curso com um entendimento implícito de que para se realizar uma expressão artística de alto valor – lembrando que este valor é atribuído pelos próprios sujeitos envolvidos – seria necessário um alto nível de intimidade e experiência com o instrumento, especialmente no quesito técnico-mecânico de agilidade e conhecimentos dos materiais (harmonia, escalas, arpejos, padrões melódicos etc.). Neste entendimento, apenas após um longo período de estudo intenso do instrumento e a aquisição e desenvolvimento dos aspectos técnico-mecânicos e o conhecimento profundo dos materiais musicais seria possível uma

realização musical fluente. No entanto, a fluência musical, assim como o discurso musical, se desenvolvem de acordo com o envolvimento artístico do sujeito. Desse maneira, é preciso realizar um trabalho de compreensão de que uma realização musical fluente e com grande valor artístico pode ser experienciada desde os primeiros contatos com o aprendizado formal de música. Em pesquisa anterior confirmamos este desenvolvimento da discurso musical em realizações artísticas fluentes em grupos de iniciação musical ao violão (Oliveira, 2012).

De fato, quanto maior o desenvolvimento técnico-musical ao violão, maiores as possibilidades de criação artística. No entanto, no contexto da Aprendizagem Musical Compartilhada, o discurso e a fluência musicais são percebidos e desenvolvidos deste o início dos trabalhos didáticos com os estudantes. Cabe ao professor neste contexto, a partir de sua experiência pessoal e do aporte técnico-teórico, refletir e orientar a vivência artística – no sentido amplo do termo – dentro do espaço da sala de aula com os seus estudantes. Dessa maneira, os aspectos de democratização, estímulo à capacidade criadora e pensamento crítico irão para além das questões especificamente educativo-pedagógicas e permearão a formação artístico-musical. No contexto da Aprendizagem Musical Compartilhada o professor não é um instrutor de conceitos técnico-musicais apenas, mas um agente de mobilização de aprendizagens em contextos de expressão artística a partir de vivências musicais fluentes no espaço das aulas, encontros de compartilha educativo-artística.

No contexto da aula de música em grupo, espaço de grande potencial para a Aprendizagem Musical Compartilhada, para que ocorra a interação dos participantes do processo educativo (estudantes e professores) é preciso construir algumas afinidades entre os envolvidos para que, a partir de uma convivência estimulante e da identificação com o colega, seja possível fortalecer tais laços através da vivência artístico-musical em contextos educativos. O professor possui um papel fundamental na promoção deste espaço favorável à aprendizagens em função da construção de afinidades entre os sujeitos. Suas orientações, tanto na construção do Acordo Educativo com os participantes quanto nos direcionamentos cotidianos a serem realizados, constituirão elementos-chave para a constituição de afinidades necessárias para o andamento das atividades e a mobilização dos sujeitos para aprendizagens em contextos coletivos.

Tais conceitos apresentados acima, como fluência musical e afinidades construídas em contextos coletivos de aprendizagens, contribuem para que a prática musical

em grupo não se constitua em uma transposição de técnicas de instrução de contextos tutoriais para aulas em grupo, reconhecendo e utilizando as potencialidades do contexto coletivo de aprendizagens. A orientação no desenvolvimento da fluência musical e de afinidades entre os sujeitos deve contribuir para que os estudantes sintam-se acolhidos e à vontade para, por exemplo, realizar experimentações artístico-musicais, expor suas dificuldades com mais clareza e tranquilidade, construir conjuntamente estratégias de superação destas dificuldades reconhecidas pelos próprios sujeitos de aprendizagem, sentir que o grupo fornecerá o suporte necessário para o desenvolvimento de momentos de criação.

Alguns aspectos podem dificultar a realização musical em grupo. Citarei alguns destes aspectos percebidos durante a pesquisa de campo a partir da observação do pesquisador e da fala dos participantes.

Um dos aspectos dificultadores constitui a idealização da criação musical na qual o resultado do sujeito nunca é satisfatório de acordo com ele próprio. É como se houvesse uma descrença na capacidade pessoal para realizar uma criação artística aceita pelo grupo de trabalho, então o estudante cria, a cada atividade, um novo padrão que distancia o sujeito da apreciação crítica de sua própria produção como um constante desenvolvimento. No caso de nossa pesquisa, nos parece que uma idealização do improviso referenciado nos improvisadores profissionais fez com que alguns estudantes demorassem a se envolver com o próprio improviso, mas paulatinamente reconhecendo e desenvolvendo o seu próprio discurso musical, que se constitui a partir de suas possibilidades técnico-musicais e de seus referenciais artísticos.

Esta idealização do improviso traz consigo outro aspecto dificultador para as aprendizagens: a ideia de que o improviso é um dos “últimos” estágios de aprendizagem musical. Alia-se a este entendimento um distanciamento do próprio estudante do que seriam estes últimos estágios de aprendizagem musical, distanciando-o assim da possibilidade de improvisar. Isto é um erro. Em pesquisa anterior (Oliveira, 2012) explicitamos como a improvisação musical é importante para o desenvolvimento do discurso musical do sujeito desde a iniciação musical ao violão. Dessa maneira, é muito importante a atuação do professor ao orientar o processo de construção do discurso musical do estudante, demonstrando a prática da criação musical como um componente formativo. Cabe ao professor, no contexto da Aprendizagem Musical Compartilhada, orientar as atividades

educativas no sentido de desmistificar a criação musical, aproximando os estudantes da criação para o desenvolvimento de seus discursos musicais.

5.3 PRINCÍPIOS DA APRENDIZAGEM MUSICAL COMPARTILHADA NA