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Apropriação dos Conceitos Científicos: Função Social da Escola e a Mediação Pedagógica

Capítulo I – As políticas educacionais no Ensino Superior

3.2 Apropriação dos Conceitos Científicos: Função Social da Escola e a Mediação Pedagógica

Diferentemente dos conceitos cotidianos, para apropriação dos conceitos científicos é necessário que aja intenção e planejamento no processo de mediação. Para o ensino desses conceitos, Martins (2011) traz que este em muito se difere do ensino dos conceitos espontâneos, pois transforma as atitudes do sujeito em relação ao objeto e é mediado por outros conceitos em uma complexa conexão interna (p. 222). Tais conceitos se organizam e são apropriados de maneira diferente dos demais.

Nesse processo, a mediação adquire uma nova forma, que sendo intencional e pedagógica, visa o processo de ensino e aprendizagem do conhecimento produzido pela humanidade e essencial para o desenvolvimento humano. Assim, com base na psicologia histórico-cultural, entendemos que o aprendizado dos conhecimentos científicos desenvolve a possibilidade de o aluno ter a compreensão da realidade e desenvolver a sua consciência. Quando esse aprendizado é prejudicado e não se consolida, compromete-se também o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores (Vygotsky, 1993) e, por conseguinte, a

capacidade de pensar dos indivíduos (Martins, 2011, p. 221, Grifo da autora). O aprendizado

formal, a partir da escolarização, leva o aluno a ter acesso a uma gama de informações que vão além do conhecimento cotidiano e, como bem trazido por Faria (2014) citando Martins (2013)

É a serviço do desenvolvimento equânime dos indivíduos que a educação escolar desponta como um processo a quem compete oportunizar a apropriação do conhecimento historicamente sistematizado – o enriquecimento do universo de significações – tendo em vista a elevação para além das significações mais imediatas e aparentes disponibilizadas pelas dimensões meramente empírica dos fenômenos. (Faria apud Martins, 2014, p. 05)

Para a consolidação desses conhecimentos, é necessário que haja qualidade nos processos de Mediação Pedagógica promovidos no contexto escolar, de maneira a provocar nos alunos a vontade de aprender, propondo atividades que confrontem os conhecimentos que já possuem e os levem à novas formulações de pensamento. Segundo Martins (2013), Vigotski afirma que o professor ―ao assumir o caminho da simplificação do ensino, não conseguirá nada além da assimilação de palavras, culminando em um verbalismo que meramente simula a internalização de conceitos‖. (Martins, 2013, p.140).

A Psicologia Histórico-Cultural compreende os processos de ensino e aprendizagem como essenciais para o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores, tanto ao que se refere à apreensão dos conceitos científicos, tão importantes para possibilitar o acesso ao conhecimento construído pela humanidade, quanto à importância no processo de construção do sujeito social no contexto escolar. De acordo com Faria, Venâncio & Camargo (2019)

As atividades de ensino-aprendizagem só podem se concretizar a partir da mediação consciente, ativa e transformadora de signos e instrumentos, que busca atender às necessidades dos sujeitos e influencia sua relação psicológica, conduzindo ao desenvolvimento de formas qualitativamente novas e inovadoras de desenvolvimento. (p.222)

Para tanto, a escola ou a universidade possui papel crucial na formação dos indivíduos assim como na mediação desses saberes, o que nos permite problematizar a sua função social na sociedade capitalista e seus desafios para a formação humana.

A educação formal possibilita o aprendizado dos conhecimentos que estão além da esfera do cotidiano e este aprendizado é possível a partir de ações intencionais de ensino e através de práticas pedagógicas de maneira que,―ao proporcionar que o aluno aproprie-se das esferas não-cotidianas de saber, a atividade pedagógica amplia o campo de desenvolvimento do educando, isto é, produz desenvolvimento‖ (Asbahr, 2005, p. 114).Nesse mesmo caminho, Martins (2013) apresenta como competência da educação escolar ―promover a socialização dos conhecimentos universais, representativos das máximas conquistas científicas e culturais da humanidade, na ausência das quais a captação das leis que regem o desenvolvimento histórico de todos os fenômenos se torna impossível‖ (p. 215). Além disso, Martins & Stoltz (2019) trazem que ―para desenvolver o pensamento generalizante, assim como outras funções psicológicas superiores, é imprescindível o papel do ensino‖. (p. 31).

Contudo, os processos educacionais, promovidos através das instituições de ensino, tal qual outros âmbitos da vida social moderna, estão imersos em diversas contradições e a mercê de diferentes projetos sociais que perpassaram e perpassam a sua história e daqueles que dela

fazem parte. Por isso, ―é preciso analisar a sociedade e as relações sociais nos quais ocorrem‖ (Martins & Stoltz, 2019, p. 33).

Nesse ínterim, a função social da escola – ou da universidade – é confundida com funções de outras instituições e a escola passa a fazer parte de um grupo de órgãos cujo objetivo é qualificar e capacitar pessoas para o mercado de trabalho. A atividade pedagógica com vistas à formação e ao desenvolvimento humano é deixada de lado para dar lugar ao que Asbahr (2005) chamará de ―atividade pedagógica alienada‖, e essa atividade ―deixa de caracterizar-se como tal e transforma-se em mera operação automatizada de repetir conteúdos infinitamente e reproduzir de forma mecânica o que está no livro didático (p. 115)‖. Asbahr (2005) aqui se refere à atividade docente propriamente dita, porém, não é difícil estender tal análise para o funcionamento da instituição escolar como um todo.

Borowsky (2017) traz que ―entender a função social da escolarização e o trabalho do professor significa compreender na própria atividade pedagógica o movimento de teoria e prática que se estabelece‖. Por isso, compreendemos que os limites impostos aos docentes em suas instituições de ensino, podem afastá-lo de uma prática de ensino promotora de desenvolvimento.

É interessante percebermos que, apesar de aqui as autoras fazerem referência a contextos educacionais do Ensino Básico, o mesmo pode ser percebido no Ensino Superior, uma vez que as situações de ensino e aprendizagem são semelhantes, assim como os atores envolvidos.

A promoção de espaços de aprendizagem, independente do nível de ensino, pode contribuir sobremaneira para a promoção de desenvolvimento. De acordo com Cedro (2013)

Esses elementos que caracterizam os espaços de aprendizagem, contribuem decisivamente para que o ensino possa expandir as potencialidades dos indivíduos, ou seja, desenvolver a sua personalidade como um todo; favorecem o estabelecimento de condições para descobrir e instituir os potenciais criativos dos indivíduos; permitem que todos os participantes se tornem efetivamente indivíduos da atividade de aprendizagem; levam à compreensão de que a aprendizagem e o ensino autênticos ocorrem por meio do compartilhamento das ações entre todos os indivíduos; e concebem que os procedimentos e técnicas de ensino devem atender à diversidade e às particularidades dos indivíduos, não permitindo que os métodos se tornem uniformes e rígidos. (Cedro, 2013, p.06)

Saviani (1944) traz que

O objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (Saviani, 1944, p. 13)

Ou seja, os elementos culturais produzidos pela humanidade necessiam ser mediados e apropriados pelos indivíduos de diferentes maneiras, e as instituições de ensino (nesta pesquisa, a universidade) possui esse importante papel de selecionar os elementos da cultura e descobrir as formas adequadas de mediação.

3.3 A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA E O ENSINO SUPERIOR

O processo de mediação pedagógica se caracteriza pelo planejamento de ações elaboradas que visam propiciar a aprendizagem. Esta aprendizagem pode se tornar efetiva a partir do momento em que aquele que aprende consolida o conhecimento recebido, tendo o professor/mediador/tutor como um agente que possibilite a apreensão do conhecimento pelos alunos (Sforni, 2008;Vygotsky, 1993). Entendendo a importância do conhecimento formal para o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores, quando o processo de aprendizagem não ocorre, podemos considerar que esses alunos estão sendo prejudicados no desenvolvimento da própria consciência da realidade (Campos & Facci, 2017).

Para discutir a Mediação Pedagógica, Vygotsky debate o processo de escolarização formal como forma de interação entre a compreensão de Conceitos Cotidianos e Conceitos Científicos. Tal mediação – diferentemente das demais que ocorrem no decorrer do desenvolvimento humano, mediando o sujeito e a sua relação com o mundo – dá-se de maneira planejada, buscando articular o conhecimento prévio trazido pela criança, com os conhecimentos científicos, historicamente produzidos pela humanidade.

Acreditamos que os dois processos – o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e dos conceitos não- espontâneos – se relacionam e se influenciam constantemente. Fazem parte de um único processo: o desenvolvimento da formação de conceitos, que é afetado por diferentes condições externas e internas, mas que é essencialmente um processo unitário, e não um conflito entre formas de intelecção antagônicas e mutuamente exclusivas. (Vygotsky, 1993, p. 94)

A aproximação do ―outro‖ como mediador, pode inserir o sujeito em um novo mundo de informações que este ainda não possuía, de maneira que, como apresentado em Fontana (2005), aprender se apresenta como um processo contínuo de descobertas mediadas. O papel do professor/tutor/monitor é daquele que irá mediar os conhecimentos de acordo com a Zona de Desenvolvimento Proximal do aluno, compreendendo a ZDP, segundo Vygotsky (2001), como:

A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (Vygotsky, 2001, p.112)

Melhor dizendo, o mediador trabalhará a partir dos conhecimentos já apropriados pelo estudante com o objetivo de mediar a apropriação de novos conhecimentos. Martins (2011)

propõe uma avaliação em torno da proposição vigotskiana de ―nível de desenvolvimento real‖, trazendo que, tal proposição

[...] carrega consigo um problema cuja resolução incide sobre a qualidade da prática pedagógica: o que ela faz com aquilo que a criança já sabe – quer esse saber seja resultado das experiências prévias da criança, quer tenha sido adquirido por ação do ensino escolar. Assim, Vigotski considerou que as finalidades do reconhecimento desse ―nível‖ no trabalho pedagógico não se limitam à mera constatação daquilo que a criança é capaz de realizar por si mesma, mas no fornecimento de elementos que orientem o trabalho na área de desenvolvimento iminente. (p. 224, grifo da autora)

Dessa forma, compreendendo que o processo de ensino-aprendizagem possui diversos atores envolvidos e o papel do mediador colabora para o processo, o uso de melhores estratégias de ensino diz de maiores possibilidades de aprendizado, o que possibilita melhores índices de sucesso nas disciplinas escolares. Martins (2011) ainda traz que há vínculo entre ―o nível de desenvolvimento real e a área de desenvolvimento iminente representado pela

complexificação da tarefa do ensino, no qual a referida área se apresenta como superação do

nível de desenvolvimento real na direção da formação de conceitos‖ (p. 225, grifos da autora). Para tanto,

[...] um ensino apto a organizar-se levando em conta o nível de desenvolvimento real e a área de desenvolvimento iminente requer uma sólida formação de professores, que os instrumentalize teórica e metodologicamente para a assunção da complexa tarefa representada nos processos de ensino e aprendizagem. (Martins, 2011, p. 225-226)

Acreditamos que o olhara partir da perspectiva da Teoria Histórico-Cultural contribui para esses processos educacionais no Ensino Superior, pois, entende os sujeitos do contexto universitário como fazendo parte de uma relação dialética em que constitui e é constituído pelos processos ali desenvolvidos. Esse olhar acerca dos processos educacionais no contexto do Ensino Superior possibilita que o aluno tenha uma formação qualificada, assim como promove o desenvolvimento pleno do potencial de capacidades das Funções Psicológicas Superiores desses discentes.

De acordo com Kafrouni et al (2019),

A proposta de desenvolvimento de Vigotski nos leva, portanto, a construir uma visão sobre os sujeitos e sobre o contexto universitário: à universidade não afluem estudantes com iguais capacidades; eles são resultado de condições específicas que conduziram a diferentes configurações cognitivas e afetivas. (Kafrouni et al 2019).

Entendemos que da mesma maneira que crianças aprendem de diferentes formas a partir de caminhos próprios, na vida adulta, ou mais especificamente, no contexto universitário, os processos de aprendizagem também se configuram. Por isso, corroborando com o pensamento de Kafrouni et al (2019) ―é interessante notar que a concepção de

desenvolvimento tem um impacto direto sobre a forma de compreender o papel da universidade e a constituição subjetiva dos que participam dela‖ (p. 5).

O Censo da Educação Superior de 2015 apontou para dados preocupantes relativos à evasão nas universidades: em 2014 a taxa de desistência dos cursos chegou a 49% (Brasil, 2015). Os dados de 2018 apontam que, dos estudantes ingressos em 2010, 56,8% desistiram do curso – só 37,9% concluíram os estudos. Outros 5,3% continuavam na graduação após 6 (seis) anos. O recorte vai até 2016 (Brasil, 2018).

Além disso, a IV Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos estudantes de Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras, realizada no ano de 2014 (ANDIFES, 2016), apontou que ―86,09% dos estudantes encontram dificuldades que interferem significativamente em sua vida ou em seu contexto acadêmico.‖ Um diferencial dessa última pesquisa é que, enquanto que na pesquisa de 2014 as maiores dificuldades apresentadas pelos estudantes eram de cunho financeiro – apesar de serem listadas também outras causas – na pesquisa realizada em 2018 a principal dificuldade listada pelos alunos é de falta de disciplina de estudo (28,4%), seguida de dificuldades financeiras (24,7%), a carga excessiva de trabalhos estudantis (23,7%), empatada com os problemas emocionais (23,7%) e o tempo de deslocamento para a universidade (18,9%) (Brasil, 2018).

Os dados relativos à desistência dos estudantes, assim como as dificuldades enfrentadas por eles no Ensino Superior apontam para a importância de olharmos para as práticas de ensino promovidas nas universidades, pois entendemos que os processos de ensino desenvolvidos nessas instituições podem também ser promotores de desenvolvimento, desde que elaborados com este fim. Como discutido por Roldão, Junior, Schwarz & Camargo (2019)

No contexto universitário, novos signos são apresentados e podem transformar a cosmovisão dos estudantes, modificando sua forma de se comportar e atuar no mundo. Esses novos signos conduzem o estudante a um patamar de possibilidades maior, agindo como fomentadores da formação de conceitos científicos para gerar desenvolvimento. Nesse sentido, a universidade, por meio do trabalho do professor, tem o papel de transmitir os conhecimentos próprios da carreira escolhida, desafiando e fornecendo os melhores recursos para que os estudantes gradualmente consigam progredir e se desenvolver, tanto na profissão quanto como indivíduos. (Roldão, et al, 2019 p. 49)

A partir da Psicologia Histórico-Cultural entendemos que o processo de ensino e aprendizagem no contexto universitário, assim como na escola, é permeado de relações econômicas, políticas e sociais que o constitui. Por isso, corroboramos com a discussão de Farias, Venâncio & Camargo (2019) ao enfatizar ―a importância das relações na constituição

do humano, a nível macro e micro, destacando especialmente a relação entre professores e estudantes, no âmbito das universidades‖ (p.222).

Além disso,

Entendemos que a teoria histórico-cultural não compactua com visões simplistas de fracasso escolar/educacional. Defende, ao contrário, o pressuposto de que se o estudante não obtém sucesso na aprendizagem não será ele o fracassado, tampouco o professor, sujeitos individuais inseridos em um contexto historicamente situado e culturalmente influenciado; mas, em direção oposta, aponta a necessidade de analisar as condições singulares nas quais a relação entre ambos se estruturam. (p.224)

A partir dessas elaborações, partiremos para a discussão específica da pesquisa de mestrado realizada com a disciplina de Pré-Cálculo, na Escola de Ciência e Tecnologia.

Parte II

O Método e a Metodologia a partir da

perspectiva Histórico-Cultural

Ninguém pode buscar sozinho. Toda busca no isolamento, toda busca movida por interesses pessoais e de grupos, é necessariamente uma busca contra os demais. Consequentemente, uma falsa busca. Tão somente em comunhão a busca é autêntica.

Paulo Freire (1969)

Antes de introduzir diretamente os aspectos metodológicos, é importante esclarecer que para realizar uma pesquisa na perspectiva teórica da Psicologia Histórico-Cultural, busca- se responder duas principais perguntas: ―O que‖ será estudado (já descrito anteriormente no texto) e ―Como‖ será estudado (parte que aqui será explicitada). Tal formato de pesquisa condiz com o método proposto por Vygotsky – que traz em sua base as concepções de Marx acerca dos fenômenos sociais – busca da gênese dos fenômenos – de maneira que, ao responder tais perguntas, a pesquisadora direciona seu olhar coerentemente para a escolha das técnicas que melhor respondam suas questões.

É a partir desse movimento de tentativa de apreensão dos fenômenos sociais que se torna possível a aproximação da essência dos fenômenos e a sua teorização. Para Marx, a teorização sobre algum fenômeno não diz somente do ―exame sistemático das formas dadas de um objeto, com o pesquisador descrevendo-o detalhadamente e construindo modelos explicativos para dar conta‖ (Netto, 2011, p. 20). A concepção que Marx apresenta acerca da teorização de tais fenômenos é de uma ―modalidade peculiar de conhecimento‖ (idem), de maneira que

O conhecimento teórico é o conhecimento do objeto – de sua estrutura e dinâmica – tal como ele é em

si mesmo, na sua existência real e efetiva, independentemente dos desejos, das aspirações e das

representações do pesquisador. A teoriaé, para Marx, a reprodução ideal do movimento real do objeto

pelo sujeito que pesquisa: pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do

objeto de pesquisa. E esta reprodução (que constitui propriamente o conhecimento teórico) será tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao objeto. (Netto, 2011, p. 20-21 – grifos do autor).

Importante salientar que por ―reprodução‖ aqui se entende não um reflexo mecânico, já que esse processo de reprodução requer um sujeito ativo, que busque apreender a essência dos fenômenos e seus processos. Aqui se entende reprodução como uma tentativa de

aproximação dos fenômenos, entendendo estes como uma expressão aparente do real, que necessita ser desvendado a partir de diferentes instrumentos e técnicas, como trazido por Netto (2011):

Neste processo, os instrumentos e também as técnicas de pesquisa são os mais variados, desde a análise documental até as formas mais diversas de observação, recolha de dados, quantificação etc. Esses instrumentos e técnicas são meios de que se vale o pesquisador para ―apoderar-se da matéria‖, mas não devem ser identificados com o método: instrumentos e técnicas similares podem servir (e de fato servem), em escala variada, a concepções metodológicas diferentes. (Netto, 2011, p. 25-26)

Após o contato e a tentativa de apreensão da realidade material empírica em sua totalidade e em seu movimento (ou de parte dessa realidade) e com o uso de diversas ferramentas que possibilitam essa apreensão e teorização acerca dessa realidade (o fenômeno), é necessário fazer o movimento contrário, de volta ao fenômeno, mas agora com determinações advindas do processo de abstração.

A abstração é a capacidade intelectiva que permite extrair de sua contextualidade determinada (de uma totalidade) um elemento, isolá-lo, examiná-lo; é um procedimento intelectual sem o qual a análise é inviável – aliás, no domínio do estudo da sociedade, o próprio Marx insistiu com força em que a abstração é um recurso indispensável para o pesquisador (Netto, 2011, p. 44).

Por estas concepções teóricas acerca da apreensão da realidade, se torna possível o conhecimento concreto do fenômeno a partir de suas múltiplas determinações, as quais ―são traços pertinentes aos elementos constitutivos da realidade‖ (Netto, 2011, p. 45), pois, ―o conhecimento concreto do objeto é o conhecimento de suas múltiplas determinações – tanto mais se reproduzem as determinações de um objeto, tanto mais o pensamento reproduz sua riqueza (concreção) real‖ (Netto, 2011, p.45).

Como citado no inicio desta sessão, não existe busca solitária. Essa busca-pesquisa foi realizada em comunhão com as diversas vozes constituintes do fenômeno pesquisado, de maneira a contribuir para a transformação dos processos educacionais promovidos na instituição. Meu papel de pesquisadora foi de unir essas vozes, levá-las ao mundo e, a partir de uma leitura teórica, na qual acredito, possibilitar essa transformação.

A partir desse olhar, foi traçado o percurso metodológico da pesquisa. Inicialmente foi realizada coleta de dados junto à PROGRAD (Pró-reitoria de Graduação) e à SINFO (Superintendência de Informática) ambos os órgãos vinculados à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, assim como na plataforma de Dados Abertos, na busca de todas as disciplinas de todos os semestres do curso, desde a sua criação. Foi realizada uma busca

documental, investigando a gênese do curso e seu contexto de criação junto às políticas educacionais do Ensino Superior, assim como seu Projeto Pedagógico e as ementas das disciplinas que apresentam os maiores índices de insucesso.

O objeto pesquisado se constitui não somente a partir dos dados de reprovação produzidos semestralmente nas universidades e nos baixos rendimentos dos alunos vinculados à instituição, o que nos levou para além da busca documental e de dados quantitativos. Dessa forma, após apreciação e aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (parecer número: 3.322.228) foram realizadas entrevistas semi estruturadas (ver Apêndice A) com as coordenadoras do curso; técnicos e técnicas em assuntos educacionais; equipe de psicologia; professores da disciplina investigada; alunos que estavam cursando a disciplina e monitores em uma tentativa de apreensão do fenômeno em sua totalidade.

Os dados das entrevistas foram lidos à luz do MHD, perspectiva teórica que compreende o fracasso escolar como fenômeno que se constitui historicamente a partir de diversos determinantes. Assim, pensar a história do fenômeno foi imprescindível para o