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Capítulo I – As políticas educacionais no Ensino Superior

4.3 Pré-Cálculo – A disciplina

A disciplina de Pré-Cálculo apresenta historicamente grandes índices de reprovação, o que demanda não somente conhecimentos acadêmicos dos professores, como também diferentes formas de elaboração sobre os processos de ensino e aprendizagem por se tratar de uma disciplina inicial ao curso, que traz conhecimentos relativos a assuntos de nível fundamental e médio. Por esse motivo, analisar quais as concepções circulam na instituição sobre matemática e sobre docência é de grande riqueza para essa pesquisa, uma vez que a demanda dos alunos que acabaram de ingressar no Ensino Superior é diferente da daqueles que estão em períodos mais avançados do curso

4.3.1 Análise e Discussão dos Dados da Pesquisa

Dos (as) 06 (seis) docentes que foram entrevistados (as), 04 (quatro) estavam lecionando a disciplina no semestre pesquisado. Do total de docentes entrevistados, 04 (quatro) são formados em Física, 01 (um) em Engenharia e 01 (uma) em Matemática, sendo está ultima a professora que não estava lecionando a disciplina no semestre.

Devido a impossibilidade de realização de entrevistas com os alunos que estavam cursando a pela grande quantidade, os mesmos responderam à questionários compostos por 11 questões referentes à aspectos de dificuldades na disciplina, corpo docente, reprovação e processos de ensino e aprendizagem. Os professores das disciplinas disponibilizaram tempo extra após as suas aulas para que os alunos respondessem, tendo sido ao todo respondidos 65 (sessenta e cinco) questionários discursivos, por alunos de duas turmas do semestre de 2019.2. A intenção inicial era buscar apenas turmas com alunos que não estivessem no primeiro semestre do curso, porém, o desejo dos professores em participar da pesquisa levou-nos a aplicá-los também em uma turma de primeiro semestre, o que nos ajudou a analisar o desempenho de alunos que estavam pela primeira vez na disciplina e que já sentiam dificuldades de cursá-la, como fica representado claramente nas 53 (cinquenta e três) respostas positivas para a questão sobre dificuldades em Pré-Cálculo, dificuldades estas que vão desde a quantidade de conteúdo dado por aula; didática do professor e o ritmo acelerado deles até dificuldades de conciliar o tempo de estudo com as outras atividades cotidianas. Essas dificuldades serão detalhadas mais adiante.

4.3.2 Questões Pesquisadas

Nas entrevistas, os professores foram questionados sobre suas concepções sobre matemática; processos de ensino e aprendizagem; motivos para a reprovação dos alunos na disciplina de Pré-Cálculo, atuação entre a equipe de professores e parceria com demais setores. Os questionários abertos respondidos pelos alunos possuíam questões semelhantes, com alterações realizadas no roteiro de entrevistas dos monitores, que possuíam questões tanto relativas ao papel de discente e de docente. Para a coordenação, para os Técnicos em Assuntos Educacionais e para o setor de Psicologia, foram feitas perguntas referentes à atuação na instituição, assim como questões sobre o fracasso escolar dos alunos. Os roteiros de entrevistas e os questionários utilizados encontram-se anexados.

Ao realizar a análise dos dados coletados na pesquisa, foi possível perceber a emergência de algumas categorias de análise que contribuíram para a síntese das diversas

informações trazidas nos documentos; nos questionários respondidos pelos discentes; e nas entrevistas. As principais categorias de análise foram: Concepções sobre Matemática; Concepções sobre Docência; Desafios e Dificuldades na Disciplina; Processos de Mediação; Trabalho Colaborativo entre Professores; Linguagem e Colaboração.

4.3.3 Concepções sobre Matemática

Compreendemos que existem diferentes concepções sobre matemática, como bem apontado por Kranz (2014), e estas concepções, afetam diretamente os processos de ensino e aprendizado promovidos nas instituições. Aqui Concepções sobre Matemática surgem enquanto categoria de análise, por entendermos ser essencial para a discussão do fenômeno estudado. Para que fosse possível a apreensão das concepções sobre matemática que circulam os processos de ensino na ECT, um dos questionamentos feitos durante as entrevistas com os docentes foi o que é Matemática para eles.

Os professores entrevistados possuem diversas concepções que variam de diferentes formas: a matemática como sendo a base de tudo; como uma linguagem; uma forma de pensar; uma ferramenta para resolver problemas, o que mostra a diversidade de concepções existentes sobre matemática entre professores que lecionam a mesma disciplina no curso, como aparecem nos trechos a seguir:

Docente (1)

[...] Matemática é uma linguagem como a gente consegue expressar a natureza, que afinal de contas, como físico, nosso interesse é descrever a natureza e a gente descreve através de uma linguagem que possa ser entendida por todos e essa linguagem é a matemática. Também, às vezes eu costumo dizer para os alunos que é uma ferramenta. Nosso ferramentário. Só que a matemática tem natureza própria. Ela pode existir independente do mundo real. Tanto é que você tem conjecturas, tem vários elementos da matemática que não necessariamente existe correspondente no mundo real. Então a matemática vai um pouco além disso. Como eu disse, como físico, para mim eu enxergo a matemática como essa ferramenta imprescindível para o nosso trabalho.

Docente (4)

[...] É uma linguagem muitíssimo formal. Então é uma linguagem totalmente auto consistente e por causa disso, por causa do modo como ela é construída, extremamente auto consistente, é possível você tirar afirmações a partir de uma primeira. Você faz uma afirmação que é evidente, óbvia, lógica, ninguém duvida e a partir dela, você vai construindo outras afirmações que são menos evidentes, menos simples.

Docente (2)

[...] Matemática é uma grande ferramenta. É uma linguagem que a gente usa para praticamente tudo. Quando você escreve em matemática, uma pessoa de qualquer outro idioma vai ler e entender a mesma frase que você quis dizer. Então, nesse sentido ela é realmente uma linguagem universal. E a gente usa a matemática para traduzir a natureza para essa linguagem.

É interessante notar aqui que, ao se referirem à matemática como uma linguagem, os docentes a apresentam como uma linguagem formal, cuja capacidade de apreensão exige do interlocutor o desenvolvimento de certas habilidades, ou ainda, no caso do trecho do docente

4, uma linguagem auto consistente. Bicudo (2013) traz que o desenvolvimento histórico da linguagem matemática presente no final do século XIX caminhou até a atualidade

[...] em direção a uma exigência rígida de formalização, no sentido em que um teorema é uma sequência em que todos os passos estão explícitos e cada um deles é obtido do passo anterior por regras de inferência, axiomas, linhas anteriores ou definições, como uma prova formal em lógica ou um programa computacional, e, então, para uma linguagem quase formalizada. (Bicudo, 2013, p. 03)

Entender a matemática como uma linguagem formal não é impedimento para ensiná- la, mas aponta para uma determinada forma de fazê-lo. No contexto da disciplina de Pré- Cálculo, ensinar matemática é preparar o aluno para lidar com um curso de nível superior que se inicia, é prepará-lo para disciplinas mais avançadas às quais necessitam dessa compreensão prévia da matemática, é apresentar ao discente ou a discente a base dessa linguagem- ferramenta. Mas em que medida essa ‗base‘ está sendo apresentada de maneira a proporcionar sua real aprendizagem?

Concordamos com Bicudo (2013) quando a autora afirma entender que ―as interpretações semânticas devam, em atividades pedagógico-didáticas, estenderem-se aos contextos histórico-sociais e aos das experiências vividas pelos sujeitos em processo de ensinar e aprender‖ (p. 06). Defendemos um ensino que chegue aos alunos de maneira que aos mesmos seja possível a real apreensão dos conceitos estudados e a articulação com as atividades desenvolvidas durante a sua formação.

A visão da matemática como ‗a base de tudo‘ também surgiu na fala dos professores, o que nos dá novos indícios de sua compreensão acerca dos processos de ensino ali desenvolvidos.

Docente (6)

[...] Matemática é a base de tudo, é a ciência que lida com os números, com os cálculos, medidas, medições e que impregna todos os ramos, todas as outras ciências. [...] Então, para mim, matemática é a base de quase tudo, juntamente com a filosofia, de onde partiu todas as coisas. É tanto que Platão tinha uma escola que no pórtico, na entrada tinha um pórtico que estava escrito: ―aqui só se entra quem souber de Geometria‖. Isso na escola dele, de Platão. E tudo que a gente faz no dia-a-dia, uma compra que você vai fazer, qualquer coisa, você usa a matemática.

Em uma das entrevistas a matemática também foi apresentada como uma ‗ferramenta para resolver problemas‘, o que pode nos aproximar da discussão acerca da Resolução de Problemas como método de ensino da disciplina

Docente (5)

[...] Matemática é uma ferramenta para resolver problemas. Normalmente... começou com contagem aí depois acabou essa contagem quando começa a ter empréstimos, acaba aparecendo a soma. Então, problemas da vida acabam aparecendo essas contas que acabam sendo mais úteis para outros problemas. Então aí você junta numa disciplina chamada Matemática. E são... o que diferencia a Matemática da Física? A Física é mais aplicada. A Matemática acaba sendo uma coisa mais pura, mas é uma ferramenta. Eu vejo como uma ferramenta para resolver problemas do dia-a-dia.

De que maneira diferentes concepções acerca da matemática afeta os processos de aprendizagem que ocorrem na instituição? É interessante salientar que diferentes concepções sobre matemática se vincula diretamente à práticas de ensino e isso fica mais claro quando analisamos tais respostas em conjunto com a fala de um monitor entrevistado que, ao receber um aluno, pergunta quem é o professor da disciplina para facilitar a compreensão de como o assunto está sendo lecionado, aqui apresentado no seguinte trecho: ―[...] a gente senta junto,

eu pergunto „quem é o seu professor?‟por que, com base no professor, eu tenho uma idéia de como o professor dá aula, como é a lista dele mais ou menos”. (Monitor 4).

Entendemos a importância da autonomia do professor em sala de aula, inclusive quanto aos aspectos de organização da disciplina, porém, também compreendemos a importância de trabalhos coletivos para que um curso como o BCT funcione de maneira eficiente, promovendo o real aprendizado de seus alunos. Não parece haver convergência nos aspectos pedagógicos dos professores, assim como abertura para que a equipe de TAE‘s possa atuar nos aspectos pedagógicos institucionais, o que apenas confirma a histórica confusa função dos TAE‘s no Ensino Superior, como discutido anteriormente. Em uma das entrevistas, o TAE afirma que sua função ―funciona mais como uma consulta. As dúvidas que

eles (os professores) têm principalmente relacionadas a alunos de graduação‖ (TAE 1).

Quando questionados especificamente sobre os aspectos pedagógicos, já que o cargo pressupõe trabalhar com assuntos educacionais, os participantes afirmaram que tais aspectos são referentes à autonomia do professor e que os mesmos podem, algumas vezes, trabalhar em colaboração com projetos de extensão na parte administrativa, como apresentado no trecho a seguir:

TAE (1)

[...] não, isso aí não. Isso aí é autonomia do docente mesmo, independente da especialização das áreas da gente [...]. Agora assim, a gente dá suporte que precisa, né? Suporte em relação aos alunos. Algumas vezes a gente participa como colaborador dos projetos de extensão, eles colocam a gente. Se eles precisarem de alguma coisa assim do tipo, ou mesmo estrutural, mesmo não sendo da área da gente, mas alguma coisa administrativa, alguma coisa assim a gente faz. Mas em relação a discussão principalmente de conteúdos, de programa abordado, não.

TAE (3)

A gente pode dizer que é 80% administrativa e 20% é pedagógica mesmo do cargo de Técnico em Assuntos Educacionais. Acaba que... não diria que eu sinto falta, mas as vezes é esquisito, por que a gente acaba confundindo, mas enfim, é o cotidiano realmente da universidade e algo que a gente acaba aprendendo no dia-a-dia. As necessidades vêm e a gente tem que assumir.

Dessa forma, é possível perceber que existe certa dificuldade de atuação não somente entre a equipe de professores, como também entre outros setores da instituição que juntos

poderiam trabalhar melhores estratégias de ensino e aprendizado como planejado no próprio PPC da instituição quando aponta a necessidade de ações coletivas para seu completo funcionamento.