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Capítulo I – As políticas educacionais no Ensino Superior

1.2 O Fracasso Escolar – Uma contextualização histórica

Quando falamos sobre Fracasso Escolar, podemos ter a ligeira impressão de estarmos adentrando em uma seara de insucessos de alunos, professores, familiares, dentre outros aspectos que, por diversos motivos, fracassaram em sua função. Do professor tem-se um ideal daquele que possui o saber e neste lugar deve ―passar‖ para os alunos os conhecimentos necessários. Do aluno, espera-se que, em sua função de aprendiz, busque suas motivações e desejos de aprender. Da família espera-se total compreensão dos processos de aprendizagem; espera-se ainda da escola que ―a mesma não somente instrumentalize os pupilos para as suas necessidades intramuros, mas igualmente para agir no mundo extra-escolar‖, como trazido por Da Rocha Falcão (2009, p. 641). O Fracasso Escolar parece estar sempre apontando para um ―culpado‖, e esperando que esse culpado seja responsabilizado de alguma forma.

Ao analisarmos historicamente o papel da escola, podemos perceber inúmeros entrelaçamentos com a efervescência das modificações políticas e econômico-sociais, principalmente no período em que Hobsbawn (1982) chamará de ―era das revoluções‖, que vai de 1789, quando da revolução francesa,a 1848, período em que ocorreu a revolução industrial (inglesa). Hobsbawn (1982) apresenta tal período como sendo constituinte da ―maior transformação da história humana desde os tempos remotos quando o homem inventou a agricultura e a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado‖ (p. 09)

Dessa forma,à medida que as relações sociais e de trabalho da sociedade feudal, vinculadas quase que exclusivamente a economia agrária, vão se transformando em relações de trabalho industriais, a partir da revolução industrial, e que os ideais burgueses propagados pela revolução francesa transformam a ideia de cidadania, temos uma dupla mudança de organização social. Para Miguel et.al. (2004) essas transformações incluem ainda a Revolução Americana de 1976 e nesse momento o ensino da matemática ganha maior visibilidade, de maneira que ―é somente a partir das três grandes revoluções da modernidade – a Revolução Industrial (1767), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789) – que as preocupações com a educação matemática da juventude começaram a tomar corpo‖ (p. 71). Como apresentado por Santos & Filho (2008) ―O desenvolvimento tecnológico que se seguiu à Revolução Industrial exigiu um novo paradigma acadêmico que podemos chamar de universidade científico-tecnológica‖ (p. 123).

É importante atentarmos que a filosofia regente das posições sociais muda de lócus. O cidadão que na sociedade feudal era destinado por deus a permanecer na classe social a qual fazia parte, agora era ―livre‖ para ascender socialmente. A pré-destinação embasada

religiosamente pregada pela sociedade feudal dá lugar ao mérito pessoal, onde, nas palavras de Hobsbawn, têm-se ―o self-made-man racional e ativo‖.

A construção do conhecimento na história da humanidade acompanha as modificações da sociedade, sejam políticas, econômicas ou culturais, e essas modificações propõem novas formas de funcionamento. Nesse movimento envolvido por contradições, ciência e sociedade se transformam conjuntamente, o que pode nos levar a caminhos inimagináveis, negando ou afirmando fenômenos sociais ou ainda justificando determinados atos em prol de suposta neutralidade científica.

O movimento realizado pela ciência psicológica não poderia ser diferente. Em uma sociedade que pregava um ideal de igualdade, não poderia estar em seu seio a problemática da desigualdade, assim, os critérios de insucesso passaram a ser vinculados aos indivíduos. Seguindo a ideologia da igualdade de oportunidades pregada, os indivíduos que ―não faziam uso das oportunidades dadas socialmente‖ eram apontados como tendo déficit ou a total ausência de determinadas características em diversos âmbitos, seja de cunho biológico ou mesmo cultural, como afirma Patto (1999) ―no nível das ideias, a passagem sem traumas da igualdade formal para a desigualdade social real inerente ao modo de produção capitalista dá- se pela tradução das desigualdades sociais em desigualdades raciais, pessoais ou culturais‖ (p. 50).

Dessa forma, o grande crescimento de teorias que endossavam as diferenças individuais – inclusive ao que se refere à escola – correspondia às demandas da época e consequentemente, corroboravam para o desenvolvimento de uma sociedade que começava a se estabelecer. Ao mesmo tempo em que temos o desenvolvimento significativo na ciência ao que se refere às teorias de origem das espécies, com a publicação de Origem das Espécies, de Charles Darwin em 1859, temos também o uso dessa mesma teoria para justificar o que os intelectuais burgueses vão chamar de ―Darwinismo Social‖.

Patto (1999) ao afirmar que a psicologia teve lugar de destaque nessa sociedade que escondia as desigualdades sociais por meio das ―desigualdades pessoais‖, afirma também que muitas das práticas desenvolvidas à época, nas mais diferentes áreas, justificavam-se por responder a um determinado seguimento social. Dessa forma, o critério de cientificidade foi álibi suficiente para práticas racistas e segregadoras.

Justificando-se biologicamente a partir de diferenças genéticas, através da medicina, ou por meio das influências ambientais, a psicologia buscava adaptar esses indivíduos

anormais à sociedade, tendo a instituição escolar como lócus de ação. Os diagnósticos respondiam às questões da não-aprendizagem, antes incompreendidas pelas instituições de ensino. Os laboratórios, ao mesmo tempo em que diagnosticavam, buscavam tratamento para os que não aprendiam, separando em ―classes fracas‖ aqueles que possuíam grandes dificuldades para aprender. Patto (1999, p. 67) traz que são ―as crianças provenientes de segmentos das classes trabalhadoras dos grandes centros urbanos, que tradicionalmente integram em maior número o contingente de fracassados na escola‖.

As teorias de nível biológico ou ambiental dão lugar às teorias de carência cultural a partir de alguns antropólogos culturalistas. Uma vez que determinados segmentos populacionais não possuíam acesso à cultura burguesa; as famílias se constituíam de maneira diferente da esperada, a partir do modelo de família instituído; as práticas educativas das crianças se davam de maneiras diferentes das práticas vistas na sociedade burguesa, mudou-se a compreensão das teorias das ―raças inferiores‖, para a teoria das ―culturas inferiores‖.

Em levantamento bibliográfico realizado por Angelucci, Kalmus, Paparelli & Patto (2004) é possível perceber que muitos desses resquícios históricos ainda permeiam os processos de ensino na rede pública de ensino brasileira. A pesquisa teve por objetivo fazer varredura do estado da arte de teses e dissertações defendidas no período de 1991 a 2002, na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Das 71 (setenta e uma) pesquisas encontradas e categorizadas, 13 (treze) foram analisadas em profundidade com o objetivo de analisar como o tema do fracasso escolar foi abordado; suas concepções teóricas e metodológicas; teoria e método; concepções sobre escola e fracasso escolar; relação com o conhecimento já produzido e novos aspectos trazidos pelos estudos.

De acordo com as autoras, o levantamento possibilitou já na análise dos resumos uma categorização baseada nos temas, o que já se mostrava preocupante

Chamou a atenção a presença significativa de pesquisas que concebem o fracasso escolar como fenômeno estritamente individual, o que pode ser observado pelo grande número de obras que constam das categorias ―Distúrbios de desenvolvimento e problemas de aprendizagem‖,―Remediação do fracasso escolar‖ e ―Papel do professor na eliminação do fracasso escolar‖. A primeira centra no aluno a responsabilidade pelo fracasso, atribuindo-lhe, predominantemente, problemas cognitivos, psicomotores ou neurológicos. Já as duas outras categorias responsabilizam ora o aluno ora o professor e propõem soluções predominantemente técnicas, de base teórica comportamental ou cognitivista, para eliminar o fracasso. (Angelucci; et al, 2004, p.60).

Tal levantamento somente mostra que a compreensão acerca do fenômeno do fracasso escolar não sofreu grandes modificações ao longo do tempo. No levantamento aparecem

também outras causas além das individuais, como categorizadas pelas autoras nos seguintes tópicos:

a) fracasso escolar como problema psíquico: a culpabilização das crianças e de seus pais; b) fracasso escolar como um problema técnico: a culpabilização do professor;

c) fracasso escolar como questão institucional: a lógica excludente da educação escolar d) fracasso escolar como questão política: cultura escolar, cultura popular e relações de poder

Porém, esses tópicos ainda são apresentados de maneira desarticulada, como sendo, segundo as autoras, ―concepções inconciliáveis que caminham em paralelo‖. (Angelucci; et al, 2004, p.64).

Por fim, as autoras apontam para ―a deficiência de formação teórica revelada por pesquisadores da educação escolar‖ (p. 64) e para ―as grandezas e misérias dos currículos de graduação e de pós-graduação‖ (p. 65) que produzem pesquisas que contribuem pouco ou não contribuem para a construção de processos de escolarização de qualidade.

No caso em que se desconsidera a dinâmica dos processos de reprovação na educação básica o fenômeno do fracasso escolar continua surgindo como ―fracasso dos indivíduos‖, ―fracasso de uma classe social‖ ou ainda como ―fracasso de um sistema social, econômico e político‖, processo que parece se repetir no contexto do Ensino Superior (Carraher, Carraher & Schliemann, 1982). Então, levando em consideração a atual conformação do capital, que a cada dia promove mais desigualdades sociais e econômicas, percebemos que os países periféricos, com economias frágeis, sofrem ainda mais suas consequências, o que compromete seus sistemas de ensino.

Ao nos referirmos especificamente ao fracasso escolar no Brasil, dados de pesquisas recentes, como nas duas últimas avaliações internacionais realizadas pelo PISA (Programme

for International Student Assessment), nos anos de 2015 e 2018 a educação brasileira está em

uma colocação bem inferior aos demais países que participam da avaliação. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)é um estudo comparativo internacional, realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Pisa avalia três domínios – leitura, matemática e ciências – em todos os ciclos ou edições.

Na última avaliação, o Brasil ficou entre os 20 últimos colocados, dos 79 países e territórios avaliados, o que pode indicar uma possível associação entre a baixa qualidade do Ensino Básico e os índices de insucesso no Ensino Superior brasileiro. Ainda com relação à

avaliação, a menor nota do país foi na área de conhecimento de Matemática, mais um indicativo a ser investigado em pesquisas futuras.Tais esclarecimentos relativos à constituição do fracasso escolar são essenciais para a compreensão do estudo aqui apresentado, pois, a partir do entendimento da constituição do fenômeno, podemos analisar como se dá a sua expressão no contexto do Ensino Superior e, consequentemente, na Escola de Ciência e Tecnologia, lócus da pesquisa.