• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – As políticas educacionais no Ensino Superior

2.1 O Ensino da Matemática e seus desafios

Historicamente, o ensino da matemática é apresentado como um contínuo desafio aos processos de ensino e aprendizagem, por ser considerada uma disciplina de ―difícil‖ compreensão por parte dos estudantes e desmotivadora para os professores devido, muitas vezes, não conseguirem ensinar de forma eficiente. Segundo Schneider (2007),

O trabalho com a matemática em sala de aula representa um desafio para o professor na medida em que exige que ele o conduza de forma significativa e estimulante para o aluno. (Schneider, 2007, p. 02)

Porém, muitas vezes, o aluno é ―um mero expectador e não um sujeito partícipe, sendo preocupação dos professores cumprir o programa‖. (Schneider, 2007, p. 01).

Tais dificuldades no processo de apropriação dos conceitos dessa ciência prejudicam os diversos aspectos do desenvolvimento dos indivíduos, uma vez que é através do exercício do direito à apropriação dos conceitos – direito de acesso ao conhecimento e à cultura produzidos pela humanidade – que desenvolvemos nossas capacidades mentais mais complexas. Como afirma Moura (2007):

Pertencer a uma cultura, é ter de se apoderar de um conjunto de conhecimentos que permita estar entre os sujeitos e trocar significados com eles, poder compartilhar conhecimentos para juntos construírem novos modos de viver cada vez melhores. Ser sujeito na cultura em que foi inserido implica poder apoderar-se dos instrumentos simbólicos desta cultura para com eles actuar, criar e intervir na sociedade recém-adoptada. (Moura, 2002,p. 41)

Quando esse processo de apropriação das ferramentas culturais não ocorre, e isso pode ser aplicado ao ensino de matemática, os processos de desenvolvimento sofrem danos, o que

afeta outros aspectos da vida em sociedade e da compreensão do mundo. A banalização do pensamento de que ―a matemática não é para todos‖ dá mais subsídios para que alunos e professores naturalizem essa barreira da aprendizagem, abrindo mão da real importância dessa ciência como promotora de desenvolvimento, além de limitar o planejamento de novas estratégias para o ensino. Para Moura (2002), ―ao fazermos referência à matemática, devemos ter claro que se trata de um conhecimento organizado ao longo do desenvolvimento da humanidade‖ (p. 41).

Pensar uma ciência tão importante como naturalmente ―excludente‖, que somente alguns poucos conseguem ter acesso, somente corrobora com a colocação de Baldino (1999) quando afirma que ―o ensino da matemática é uma atividade humana assombrada pelo fracasso‖. Aceitar a matemática como área naturalmente excludente é retirar a importância da qualidade das mediações, pois não considera a implicação do saber matemático e apropriação de seus signos como forma de promoção de desenvolvimento a partir das necessidades integrativas. A apropriação dos signos da cultura, como instrumentos, possibilita ―o desenvolvimento dos sujeitos como construtores de significados‖ (Moura, 2002, p. 43), e ―a matemática é um desses instrumentos criados pelo homem para satisfazer as suas necessidades instrumentais e integrativas‖ (idem).

A matemática, como produto das necessidades humanas, insere-se no conjunto dos elementos culturais que precisam de ser socializados de modo a permitir a integração dos sujeitos e possibilitar-lhes o desenvolvimento pleno como indivíduos, que, na posse de instrumentos simbólicos, estarão potencializados e capacitados para permitir o desenvolvimento do colectivo. (Moura, 2002, p. 44) Kranz (2011, p. 29) traz em sua dissertação que ―historicamente, o fracasso escolar em matemática é uma constante‖, de maneira que a naturalização de tal fenômeno provoca certa imobilidade quanto à compreensão dos processos a ele circunscritos e assim, ―sendo [somente] a escola a detentora do ‗saber matemático‘, os alunos que não seguem as normas acabam por enfrentar dificuldades em sala de aula‖(Cenci & Costas, 2011). As dificuldades são apresentadas na forma de reprovação, evasão, como também no não aprendizado dos alunos, que acabam por procurar o setor pedagógico das instituições, apontando problemas de ordem pessoal, na tentativa de compreender os motivos do fracasso escolar. Entretanto, as mediações oportunizadas pela Instituição de Ensino, para o processo de aprendizado, são de qualidade, ou seja, oportunizam a apropriação dos conceitos científicos que se pretende?

As problemáticas com relação ao ensino da matemática comprometem demasiadamente o que poderiam ser as grandes contribuições da referida ciência para o

desenvolvimento daqueles que a estudam, uma vez que desenvolvimento e aprendizado não são movimentos separados. Essa relação é constituídade um sistema interdependente em que:

[...] o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. (Vygotsky, 1989)

A aprendizagem matemática é de grande importância para o desenvolvimento de capacidades mentais superiores, pois ―ao estar no mundo, o homem relaciona-se com ele de forma objetiva, e nesta lida, são desenvolvidas funções superiores, tais como a abstração, a memória, o raciocínio lógico, o pensamento e a linguagem‖ (Moura, 2002, p. 46). Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática também trazem o valor do ensino dessa ciência, onde apresenta que ―é importante que a Matemática desempenhe, equilibrada e indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento, na agilização do raciocínio dedutivo do aluno, na sua aplicação a problemas‖ (BRASIL, 1997).

Para tanto, é importante salientar que a Educação Matemática ―encontra-se permeada por diversas concepções acerca da educação e da aprendizagem, como também da Matemática‖ (Kranz, 2011, p. 30) sendo, dessa forma uma disciplina construída a partir de concepções diferentes ou mesmo divergentes, o que dificulta ainda mais a apropriação desse saber pelos os estudantes.

Se pensarmos que só existe uma matemática, aquela referente à ciência formal, racional e rigorosa, já incorremos em exclusões, uma vez que estamos marginalizando todas as outras matemáticas produzidas em diversos tempos e contextos por diferentes sujeitos, que não necessariamente os matemáticos. (Kranz, 2011, p. 30).

Pensar o ensino da matemática é pensar que durante milênios a humanidade vem se construindo a partir de diversas formas de saber matemático. A partir do momento que categorizamos hierarquicamente esses saberes, colocamos em evidência que determinadas formas de saber são mais válidas que outras, são mais ―ciência‖ que outras e que tal critério, criado em um período específico da história da humanidade, é central para definir como serão repassados os conhecimentos construídos historicamente.

A questão principal não é as diferenças entre os conhecimentos matemáticos; o que torna esse processo excludente é percebê-los diferentes e hierarquizá-los, ou seja, os conhecimentos não acadêmicos, quando reconhecidos, são na perspectiva da inferioridade. Sendo assim,podemos dizer que classificar e distinguir não se constitui, a priori, em exclusão; o que concorre para isso é a hierarquização desses conhecimentos, tornando uns mais valorizados e reconhecidos que outros. (Kranz, 2011, p. 32).

Para além da exclusão hierárquica dos saberes matemáticos, Kranz (2011) também traz que, a partir de uma linguagem própria dessa ciência, a matemática também causa

exclusão ―no momento que o simbolismo matemático é restrito a alguns‖ e ―quando essa mesma simbologia não é permeada e não dialoga com o mundo exterior‖, sendo ela própria ―produto e ferramenta apenas dessas mesmas mentes que habitam seu universo próprio‖ Kranz (2011, p. 34)

Compreendendo tais pontos de exclusão relacionados ao saber matemático, Kranz (2011) nos apresenta categorizações e hierarquizações importantes para o estudo acerca da ―Educação Matemática e exclusão‖. A que se refere aos alunos ―categoriza aqueles que têm capacidade para aprender a matemática e aqueles que não a tem‖ – como será apresentado em discussão posterior sobre o Fracasso Escolar – e a que se refere à própria matemática entre as disciplinas escolares como ―uma das disciplinas com maior carga horária semanal nas escolas, e nas avaliações externas realizadas no Brasil e em outras nações‖ (Kranz, 2011, p. 35).

Essas categorizações e hierarquizações nos ajudam a compreender os diversos processos que impedem o sucesso nas situações de ensino e aprendizagem dessa disciplina, que para, além disso, ainda excluem a importância do envolvimento do professor. Dessa forma, a compreensão do papel dos sujeitos no processo de ensino e aprendizagem, assim como ―as situações de aprendizagem propostas em sala de aula não devem apenas buscar o envolvimento do aluno, ou pode-se dizer, na medida em que envolvem os alunos, também envolvem o professor. Nesse sentido, ensinar e aprender envolve a todos, é um processo dialético‖. (Kranz, 2011, p.39).

Pensar o ensino e a aprendizagem em matemática, assim como seu fracasso, como envoltos de diversos determinantes é também pensar que tais processos necessitam ser investigados com acuidade, para que seja possível sair da pseudoconcreticidade que se mostra e chegar à essência constituinte do fenômeno.Por isso, cabe aqui a discussão sobre diferentes concepções de matemática para que seja possível apreendermos os diversos determinantes que assolam o fracasso nessa disciplina.

2.2 CONCEPÇÕES SOBRE MATEMÁTICA: DE QUE MATEMÁTICA ESTAMOS