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A Arena Castelão como palco de disputas

CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DA COPA NO BRASIL E AS IMAGENS DE FORTALEZA PRODUZIDAS PELO PODER PÚBLICO

50 Entre as proposta de interiorização do desenvolvimento estavam a de construir hospitais de

2.5. A Arena Castelão como palco de disputas

O principal palco da Copa de 2014 e o ponto de convergência dos projetos de mobilidade urbana, segurança e infraestrutura voltados para o mundial em Fortaleza é o Estádio Governador Plácido Castelo, mais conhecido como Castelão. É o maior e mais moderno estádio do estado do Ceará e o quarto maior da Copa no Brasil. Sua capacidade, que já chegou a 120 mil pessoas até antes da reforma iniciada em 13 de dezembro de 2010, é hoje, após as intervenções para o Mundial, de 67.037 assentos.

O governador Plácido Aderaldo Castelo teve a primeira ideia de construir o estádio olímpico de Fortaleza no bairro do Alagadiço, na zona oeste de Fortaleza, em meados da década de 1960. Altos custos para fazer as desapropriações inviabilizaram a ideia inicial. Outras áreas da cidade foram estudadas, mas foi escolhido o Itaperi, bairro que compreendia a região à época e situado mais a sudeste da capital. O estádio foi erguido em uma área de 25 hectares que pertencia à Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, comprada por Cr$ 450.000,00. Segundo o Governo do Estado, as obras foram iniciadas em 1969 e gerenciadas pela FADEC (Federação de Assistência Desportiva do Estado do Ceará), órgão criado em 1968 para este fim, tendo o

engenheiro Hugo Alcântara Mota como o responsável pelo cálculo estrutural61 e José Liberal de Castro, Gerhard Ernst Borman, Reginaldo Mendes Rangel e Marcílio Dias de Luna, como os quatro arquitetos que assinaram o projeto original.

O Castelão já foi palco de grandes eventos esportivos e culturais, como jogos da Seleção Brasileira de Futebol (sendo o último antes da Copa 2014 realizado em 2002 no retorno da seleção ao país após a vitória no pentacampeonato) e a recepção ao Papa João Paulo II, em 1980, em sua passagem por Fortaleza, além de shows musicais. O estádio foi oficialmente inaugurado em 11 de novembro de 1973, pelo então Governador César Cals de Oliveira Filho, sucessor de Plácido Aderaldo Castelo e o público assistiu à partida inaugural entre Ceará e Fortaleza, o "clássico-rei" do futebol cearense (FIGURA 25).

Figura 25 - Postal de inauguração do Castelão em 1973 na realização do jogo entre Ceará e Fortaleza

Fonte:http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=765420. Acesso em 23/05/14 O estádio passou por algumas outras readequações, entre as quais destacam-se a conclusão do anel de arquibancadas nos anos 1970 (FIGURA 26) e a instalação e pintura de coberturas nos anos 2000 (FIGURAS 27 e 28),

61 Informações retiradas do endereço http://www.arenacastelao.com/site/o-castelao/historia-do-

sendo estas as intervenções que a construção sofrera até antes da reforma para a Copa 2014. De forma geral, percebe-se nestas imagens uma praça de esportes onde os espectadores sentavam-se em arquibancadas de concreto e ficavam até os anos 2000, em grande parte, expostos ao sol forte cearense.

Figura 26 - Foto aérea do Castelão nos anos 1990 com o lay out construído do final dos anos 1970

Fonte:http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=765420. Acesso em 23/05/14 Figura 27 - Cobertura e pintura das arquibancadas do Castelão feitas nos anos 2000

Figura 28 - Cobertura do Castelão pintada de verde em 2009 durante os preparativos para o anúncio de Fortaleza como sede da Copa 2014

Fonte:http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=765420. Acesso em 23/05/14 A partir da reforma planejada a convite do Governo do Estado, o escritório Viglieca & Associados, através dos arquitetos Hector Vigliecca, Luciene Quel, Ronald Fiedler, Neli Shimizu e Paulo Eduardo da Serra, o Castelão recebeu do governo estadual investimentos para a Copa das Confederações e Copa de 2014 no valor previsto de R$ 518 mi, em regime de Parceria Público Privada com a vencedora da licitação para a execução da reforma e gestão do estádio, a empresa Galvão Engenharia.

Desta forma, foram executados pelo Governo inicialmente R$ 495 mi, sendo o restante do valor pagos em parcela de cerca de R$ 400 mil reais ao longo de quatro anos da gestão do estádio. Este valor pago mensalmente, por sua vez, permitia ser retirado da renda de jogos e eventos realizados no estádio62. Vale ressaltar que no início de 2014, a administração do Castelão saiu do controle direto da Galvão Engenharia para inserir a empresa Luarenas,

62 Informação disponível em:

http://www.opovo.com.br/app/colunas/verticalsa/2014/02/15/noticiasverticalsa,3207188/2014- 1602ec2617-secretario.shtml. Acesso em 06/05/16.

uma joint venture63 francesa que reuniu uma empresa parceira da Galvão Engenharia, a BWA, para a gestão do Castelão.

Entre algumas das modificações propostas na reforma está a adaptação do estádio ao modelo de arena, que implica em uma maior proximidade entre o público e o campo/palco. Para tanto, houve o rebaixamento do gramado em 4 metros e a diminuição da distância deste para o espectador, que caiu de 40 para 10 metros, além da construção de um estacionamento para 1.997 automóveis. A capacidade total da praça esportiva diminuiu para 67 mil pessoas e a ideia inicial era tornar o estádio sustentável com a adoção da energia eólica como fonte única de abastecimento de eletricidade - o que até o momento não ocorreu - e ter o cimento e material demolido reaproveitado na obra, sendo esta ação, de fato, executada no processo de reforma do estádio (Ver Figuras 29 e 30), o que rendeu ao projeto a certificação internacional LEED64 de prática ambientalmente sustentável.

Figura 29 - Fachada da Arena Castelão após a reforma

Fonte: Disponível em: http://www.arenacastelao.com. Acessado em 10/10/12.

63Expressão de origem inglesa, que significa a união de duas ou mais empresas já existentes

com o objetivo de iniciar ou realizar uma atividade econômica comum, por um determinado período de tempo e visando, dentre outras motivações, o lucro.

64 LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) é um sistema internacional de

certificação e orientação ambiental para edificações, utilizado em 143 países, e possui o intuito de incentivar a transformação dos projetos, obra e operação das edificações, sempre com foco na sustentabilidade de suas atuações. Disponível em: http://www.gbcbrasil.org.br/sobre- certificado.php. Acesso em 06/05/16.

Figura 30 - Área interna da Arena Castelão

Fonte: Disponível em: http://www.arenacastelao.com. Acessado em 10/10/12.

O estádio está integrado a um complexo que compreende um entorno onde se ergueu a sede da Secretaria Especial da Copa e dos Esportes (Ver FIGURA 31) e estacionamentos (FIGURA 32), e foi pensada em quatro etapas: Etapa 1 - Edifício-sede de dois órgãos do Governo do Estado, Estacionamento Norte e Praça de Acesso Norte; ETAPA 2 – Estacionamento Sul e Praça de Acesso Sul; ETAPA 3 – Edifício Central; ETAPA 4 – Finalização do estádio e integração de todas as fases. O seu interior contempla três restaurantes que funcionam comercialmente para o almoço, um mídia center, área de hospitalidade, lounge, área VIP e cinema, sendo este o único não utilizado durante os jogos, mas que possui a função de servir à comunidade do entorno com a exibição de filmes a preços populares. Além destes espaços, todos espectadores ficam sentados e com cobertura termoacústica, adaptada ao clima do nordeste brasileiro.

Figura 31 - Sede das secretarias Especial da Copa e dos Esportes do Estado do Ceará

Foto: Leonardo Vasconcelos em dezembro de 2013

Figura 32 - Estacionamento coberto Castelão

Fonte: placar.abril.com.br. Acesso em 31/03/16.

Tais atrativos alavancam o estádio a uma categoria típica das arenas de países desenvolvidos, a exemplo das grandes arenas europeias. A ideia do Governo com a reforma era, principalmente, apresentar o Ceará como capaz de reproduzir o padrão FIFA nesta praça de esporte. Isto se deu mesmo que o

entorno do estádio apresente, contraditoriamente, formas de saneamento básico típicos dos países subdesenvolvidos, clandestinos e à céu aberto (ver Figura 20) . Assim, como afirma Baudrillard (1981), acaba-se por gerar uma simulação ou simulacro, a partir de construções com formas arquitetônicas típicas do mundo desenvolvido, mesmo que isto não ocorra na realidade. Desta forma, o Castelão é uma das expressões mais claras desta contradição, uma vez que foi a principal imagem divulgada do Estado na Copa. Tal contraste se apresenta assim na busca pela eficiência e demonstração de capacidade na execução de obras públicas, por um lado, e a inépcia na resolução de problemas estruturais da cidade por outro.

A despeito do caso de esgotos à céu aberto no entorno do Castelão, o Secretário da Copa aponta a eficiência com que a obra foi executada pela administração estadual:

E no final das contas essas pessoas que foram pessimistas [..] tiveram que 'morder a língua', porque ficou pronto antes do tempo, quatro meses antes, ficou melhor do que o projeto, porque ficou bem mais acabado e também bem mais seguro. Foi o primeiro equipamento a conseguir uma certificação ambiental internacional no país. É o primeiro equipamento do país com a acessibilidade absoluta de todos os lugares. Então, um equipamento feito no padrão internacional e você não só acabar uma obra com quatro meses de antecedência, mas sem nenhum acréscimo de nenhum centavo de real. Então, isso terminou depois causando realmente a grande surpresa positiva pra sociedade, pra imprensa, pra FIFA (Ferrúcio Feitosa, entrevista direta 11/11/14).

Neste ponto, vale remeter à análise feita por Paiva (2013) da proposta arquitetônica encampada pelo governo estadual na Arena Castelão. Para o autor, a reforma do estádio traz uma "morte por transfiguração" dos aspectos modernos da construção, dada, principalmente, porque as maiores partes das intervenções realizadas se sobrepuseram a um esqueleto da arquitetura moderna ainda sólido na construção, facilitando, portanto, a sua conclusão. Desta forma, por esta qualidade, a estética pós-moderna pode se impor, paradoxalmente, ao moderno de maneira epidérmica.

A prova de que a alma moderna do estádio e suas qualidades intrínsecas permanecem é que a Arena Castelão foi o primeiro estádio a ser concluído para sediar a Copa de 2014, pois

apresentava condições de permanência que viabilizavam os acréscimos e adaptações com maior agilidade, o que constitui de certa maneira um paradoxo: suas qualidades intrínsecas flexibilizaram a sua descaracterização (PAIVA, 2013, p.11).

Coloca-se daí a perspectiva da sobrevalorização dos aspectos pós- modernos de intervenções urbanas que buscam de forma recorrente uma reestetização do moderno. A estrutura modernista de desenho e concreto intrínseca do estádio, além de servirem de base para o revestimento pós- moderno, agilizando e barateando assim toda a reforma do Castelão corroboraram a estratégia já comum da administração pública cearense, de não preservação de construções que demarcam uma arquitetura do passado na ânsia de se mostrar uma cidade integrada a padrões estéticos globais em seus equipamentos urbanos.

Tal padrão, segundo Paiva (2013), revela-se tão distante da realidade local que, inclusive, soluções comuns para a diminuição da incidência do sol na construção não foram levadas em conta, trazendo para a arquitetura do estádio, por exemplo, uma cobertura de vidro localizada na área VIP voltada para o poente, o que torna a luz solar um problema para aquele espaço. Soma- se a este fato a ausência de rampas de acesso do nível da calçada para a área de entorno da construção, possuindo elevadores somente do estacionamento para este espaço.

A despeito destes "detalhes", a Arena Castelão, como principal ícone do Ceará na Copa, reuniu toda a representação imagética/estética de uma cidade integrada com o mundo desenvolvido, que, a exemplo das arenas futebolísticas europeias, poderia abrigar grandes eventos esportivos. Por isto, como já foi dito, o estádio é elemento central nos panfletos e outros materiais publicitários do Mundial e estratégia maior de valorização da imagem da capital cearense para o turismo global, em especial, a partir dos torcedores que viriam para a Copa.

É notada neste processo uma mudança nos espaços destinados aos torcedores. Quando, no antigo estádio, tinham-se espaços como as gerais, mais acessíveis às classes populares, tem-se hoje, espaços mais enobrecidos e voltados a potencializar o lucro através do culto à imagem do espetáculo, revelado no cuidado com a visibilidade do campo, o controle dos assentos, o

tipo de gramado, de vestiários, de bancos de reserva, de lanchonetes e a comida que estas revendem. A ideia é que, se há a oferta de um produto mais bem elaborado, pode-se cobrar mais por isto, o que acaba selecionando o tipo de público espectador. Isto se perceberá mais adiante na descrição da pesquisa de campo realizada nos preços e comportamentos de torcedores, seguranças e vendedores.

Para além do discurso oficial, vale compreender como esta representação do Ceará foi tecida por outros agentes atuantes no contexto da Copa. Como vimos, o discurso oficial se constrói na busca por uma leitura local do moderno e contemporâneo, com vistas ao turismo nacional e internacional, na Cidade. Em consonância com esta visão, inclui-se a mídia e o capital privado, existindo também discursos contra-hegemônicos oriundos dos movimentos sociais.

CAPÍTULO 3 - IMAGENS DE OUTROS AGENTES DA COPA EM