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O capital privado e as imagens da valorização imobiliária

CAPÍTULO 3 IMAGENS DE OUTROS AGENTES DA COPA EM FORTALEZA

3.2. O capital privado e as imagens da valorização imobiliária

Como se viu anteriormente, as ações públicas voltadas à promoção da imagem de uma cidade contribuem para um maior valor agregado do espaço urbano. Isto se consolidou como tônica das administrações das grandes metrópoles atualmente e, não à toa, por exemplo, as políticas de requalificação de antigos centros e de investimentos públicos em regiões concentradas de uma cidade propiciam a elevação do preço do metro quadrado nestas áreas e um consequente processo de enobrecimento do espaço, levando, muitas vezes, à expulsão de comunidades mais pobres. Desta feita, é clara a ligação entre investimentos públicos e a expansão do mercado imobiliário.

Neste sentido, é interessante notar que estas imagens buscadas pelo discurso oficial, geralmente, alimentam os fundamentos de campanhas de

marketing e acabam consolidando a venda do espaço pelo capital privado e o

discurso dominante sobre a Cidade. No caso das intervenções públicas que se deram na preparação para à Copa em Fortaleza, tem-se, como se viu em Pequeno (2015), que a despeito do que se coloca no Plano Diretor Participativo da Capital elaborado em 2009, os investimentos públicos com o Mundial priorizaram zonas da cidade já muito consolidadas em relação à infraestrutura urbana, onde habitam as classes mais privilegiadas e onde o metro quadrado residencial do solo urbano é mais valorizado. É o caso da zona leste da cidade (MAPA 1), onde ocorre a duplicação e a construção do viaduto da Av. Raul Barbosa e construção do VLT Parangaba/Mucuripe, e das zonas sul/sudeste, onde situam-se bairros como Castelão e Passaré, novas fronteiras das classes médias em Fortaleza, onde foram feitas as obras nas avenidas Alberto Craveiro e Paulino Rocha e estão previstos os BRT´s. Com isto, o processo de

segregação do espaço urbano é incentivado em uma cidade já muito marcada pela desigualdade.

Mapa 1 - Valor médio do metro quadrado do solo urbano no município de Fortaleza de acordo com o uso residencial e agrupado por bairro - 2015

De acordo com o Mapa 1 acima é possível constatar que a maior parte das obras da Copa se dá em bairros com o valor do metro quadrado do solo situado entre R$ 2.314,56 a R$ R$ 3.768,50, o que não é a tônica dos bairros mais periféricos da zonas sul/sudoeste e oeste da Capital, os quais concentram a maior parte da população e das habitações dos fortalezenses. Com isto, a valorização imobiliária, a partir de bairros que já são valorizados e já possuem infraestrutura urbana consolidada, utilizam a imagem de convergência do desenvolvimento urbano, incrementado pelos investimentos em infraestrutura com a Copa, para a venda do espaço, em particular, de novas moradias próximas do palco do "maior espetáculo da Terra" no Ceará, o Castelão.

Esta região também caracteriza-se por ser próxima a áreas verdes, como o zoológico municipal, um trecho do Parque do Cocó e vazios urbanos ainda não explorados pelo capital imobiliário local (GÓIS, 2013). Segundo o autor, coadunam-se características perfeitas para o incremento da valorização imobiliária, pois combina-se algo raro numa capital densamente povoada como Fortaleza: vazios urbanos ao lado da execução de grandes obras de infraestrutura viária, que se deram (ou ainda se darão, no caso da conclusão do BRT da av. Alberto Craveiro) de forma coligada com um estádio de Copa.

Esta interligação é ilustrada assim:

Um primeiro exemplo é o do loteamento "Terra Nova", onde o

marketing tem como slogan a frase: " de um lado seu sonho, do

outro também", expressando a vantagem locacional de estar próximo da arena como sonho de morar bem. O segundo exemplo é de um condomínio que incorpora o nome do complexo esportivo como forma de marketing: o Arena Condomínio Clube em Cajazeiras (GÓIS, 2015, p.172).

É interessante notar que, à primeira vista, no caso dos loteamentos citados, as principais referências presentes no marketing destes espaços à venda não apresentam nenhum outro benefício que não a simples proximidade com uma "arena dos sonhos". Coloca-se daí uma relação direta da espetacularidade da construção e sua imbricação com a valorização desta região que, além da monumentalidade do estádio como símbolo, tem como derivações os investimentos em mobilidade atrelados aos do Castelão.

Além desta relação com o estádio e os investimentos em infraestrutura urbana, a proximidade com o verde e áreas ainda intocadas pela valorização

imobiliária é também uma imagem trabalhada pelo capital privado. Isto é o que se percebe na Figura 33, quando se mesclam imagens bucólicas da natureza e da Arena Castelão como símbolo pós-moderno do desenvolvimento urbano. Neste sentido, ressalta-se, mais uma vez, que o estádio situa-se ao lado do zoológico municipal e de um trecho do Parque do Cocó, cujo projeto de regularização fundiária prevê a construção de equipamento de esporte e lazer e a retirada de assentamentos irregulares da área, sendo que, até o momento, somente a demarcação do Parque foi realizada.

Figura 33 - Anúncio do Reserva Passaré se intitulando como “Condomínio Parque” e fazendo referências à sua proximidade com a natureza e a Arena Castelão. Responsabilidade da Bspar

Fonte: Góis (2015, p. 182)

Desta forma, a partir do uso destas imagens de desenvolvimento urbano atreladas à proximidade com a natureza observa-se, através de dados do índice Fipe-Zap68 de imóveis, o crescimento contínuo do valor do metro quadrado de imóveis comercializados nos bairros adjacentes à Arena Castelão. Para efeito de estudo, tomou-se aqui a análise de dois bairros, o Passaré e Castelão, em períodos anteriores e posteriores ao Mundial e percebe-se, a

68 O índice Fipe-Zap é um levantamento estatístico do valor médio do metro quadrado

comercializado por tipo de imóvel construído a partir do site Zap Imóveis e a Fundação Instituto de Pesquisas econômicas (FIPE).

partir dos Gráficos 1 e 2 que os apartamentos negociados nestas regiões chegaram a ser comercializados registrando valores do metro quadrado abaixo de R$ 2.000,00 em 2011, e em janeiro de 2016, chegaram a atingir o patamar de quase R$ 4.000,00, mais que dobrando o seu valor. Destaca-se que na região a procura por imóveis se deu ainda incentivada pela oferta de financiamentos do "Programa Minha Casa Minha Vida", os quais afirmam ainda mais o poder público como indutor da ocupação imobiliária e valorização do espaço urbano.

Gráfico 1 - Variação do preço do metro quadrado de apartamentos negociados no bairro Castelão entre os anos de 2011 e janeiro de 2016 - Índice Fipe-Zap

Fonte: disponível em: http://www.zap.com.br/imoveis/fipe-zap-b/. Acesso em 24/04/16 Gráfico 2 - Variação do preço do metro quadrado de apartamentos negociados no bairro Passaré entre os anos de 2011 e janeiro de 2016 - Índice Fipe-Zap

Fonte: disponível em: http://www.zap.com.br/imoveis/fipe-zap-b/. Acesso em 24/04/16

A imbricada relação entre as ações do poder público e capital privado foi registrada em vídeo polêmico difundido no youtube, que captou uma conversa informal entre o governador Cid Gomes e empresários de Fortaleza (FIGURA 34). Nesta conversa, o governante fala abertamente na possibilidade dos

empresários construírem torres empresariais em áreas a serem desapropriadas pelas obras do VLT, denotando daí cenas cotidianas desta relação estreita entre Estado e capital privado. Esta relação, no caso do VLT, no entanto, apresenta limitações porque, dentre as obras previstas, afora o Castelão, a única concluída foi o Terminal de Passageiros do Porto de Fortaleza.

Figura 34 - Vídeo da conversa informal entre Cid Gomes e empresários de Fortaleza onde são negociadas as construções de prédios em área desapropriadas pelo VLT Paranga-Mucuripe

(2011)

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_pt5fREtRqE. Acesso em 11/05/16.

Instalado no Mucuripe, o Porto era até então quase exclusivamente ligado à circulação de mercadorias e não de passageiros. Com a instalação do terminal de Passageiros, o discurso oficial é que se tenha mais um elemento de incremento da atividade turística no Ceará, uma vez que grande parte da função de circulação de mercadorias no Estado migrou para o porto do Pecém, a partir da sua inauguração no início dos anos 2000. Porém, ainda hoje, o bairro é marcado pela existência de indústrias e da Fábrica de Asfaltos de Fortaleza (Asfor), dos terminais de Gás Butano e da instalação pela Petrobrás da Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor), além de assentamentos informais populares.

Iniciativas como o Aldeia da Praia, concebido na gestão Luizianne Lins à frente da prefeitura local (2005 - 2012), foram lançadas no sentido do aproveitamento do potencial turístico com a instalação do Terminal de

Passageiros, no caso deste projeto em particular, sem a remoção da comunidade do Serviluz. No entanto, estas ações não se tornaram realidade, talvez devido ao baixo fluxo turístico pela via marítima, que, de acordo com a Tabela 5, mostra-se incipiente, se comparado à quantidade de turistas que chegam ao Ceará pelo Aeroporto. Por outro lado, para além do potencial turístico, está o potencial de valorização imobiliária, dado em decorrência da proximidade com o mar e com outros bairros nobres da Cidade.

Tabela 5 - Comparativo da chegada de turistas internacionais ao Ceará por vias de acesso - 2013/2014

Chegadas de turistas internacionais no Ceará

Total Vias de acesso

Aérea Marítima

2013 2014 2013 2014 2013 2014

84.119 85.025 80.029 82.413 4.090 2.612 Fonte: Anuário estatístico do Turismo 2015/Ministério do Turismo. Disponível em:

<http://www.dadosefatos.turismo.gov.br/dadosefatos/anuario/index.html>. Acesso em: 24 abr. 15.

Verifica-se assim a atuação do capital privado, em especial o ligado ao setor imobiliário, como um agente atuante na produção e no uso de imagens do espaço urbano dinamizado pelas obras da Copa. Insere-se aqui o fato da limitação da análise das imagens do capital privado em outras regiões da Cidade, principalmente, devido ao caráter não finalizado de obras como o VLT e as Estações do Metrofor, assim como os BRT´s previstos. No entanto, é possível constatar, como se verá a seguir, as imagens de resistências que surgiram dos movimentos sociais organizados frente à ameaça ao direito à moradia das classes menos favorecidas que foram e estão sendo afetadas por tais intervenções.