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AS COPAS EM FORTALEZA: IMAGENS E IMAGINÁRIO Tendo em vista os investimentos em intervenções urbanas e na imagem

construída do País e de Fortaleza para a Copa, faz-se necessário analisar quais os resultados que, até o Mundial de 2014, concretizaram-se como realidade na capital cearense. Neste sentido, é que toma-se no presente capítulo a discussão a respeito de qual visão de mobilidade urbana foi desenhada nas intervenções para a Copa na Cidade, de que forma se deu os investimentos no estádio local, quais os efeitos da ação do poder público nos portos e aeroportos e no desenvolvimento de infraestrutura turística, de telecomunicações e segurança pública, uma vez que estas áreas foram objetos dos difundidos legados da Mundial no País.

Além de compreender como Fortaleza integrou a ação nacional da execução da Copa no Brasil, se analisará também aqui como toda esta preparação para a competição surtiu efeitos práticos durante sua realização. Esta análise se dará a partir da compreensão da experiência da Copa no Brasil

in loco, através de observações sistemáticas e entrevistas com torcedores e

jornalistas realizadas por mim na presente tese.

4.1. A Mobilidade Urbana como legado?

Dentro do pacote de mobilidade urbana traçado pelo poder público brasileiro, um total de 62 obras foi previsto inicialmente pelo governo federal, estados e municípios. Estas incluíam obras de alargamento de avenidas, criação de novas vias, o funcionamento de sistemas de Bus Rapid Transit (BRT´s) e de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT´s). Deste primeiro pacote da Matriz de Responsabilidades restaram 43 obras a serem executadas e as que foram retiradas da Matriz de Responsabilidades (principalmente no ano de 2013) foram incluídas no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com prazos mais elásticos do que os de uma Copa. Com a saída destas obras inicialmente previstas, o montante de R$ 15 bilhões de investimentos em mobilidade urbana no país caiu para R$ 8 bilhões, minimizando os legados estruturais difundidos para o setor. Deste valor total previsto, até o ano de

2014, somente cerca de R$ 4 bi foram de fato executados (QUADRO 21 - anexos).

É importante destacar, como já se afirmou, que a mobilidade urbana preencheu grande parte dos discursos no tocante aos possíveis legados da Copa para as cidades brasileiras. No entanto, o que se percebe é que apenas metade do total dos recursos previstos (os quais, por sua vez, já haviam sido revistos para um valor inferior de investimentos) foram realmente gastos.

Segundo Rodrigues (2015), as questões que se colocam ao analisar- se o tipo de investimentos em mobilidade urbana presente no pacote de ações nas cidades-sede são três. Primeiro se, de fato, a retomada de investimentos em mobilidade urbana nas cidades brasileiras feitas a partir de um megaevento é capaz de superar os enormes entraves do setor, uma vez que os prazos são estreitos e em tempo determinado, não se constituindo em um programa permanente de investimentos.

Segundo, é a questão de que os projetos executados não superam no País o modelo rodoviarista, o mais comum nos espaços urbanos do país até agora, mais poluente e prejudicial à mobilidade de massa81. Por último, tais obras, em geral, não possuem a visão de integração da cidade aprofundando a segregação do espaço urbano, uma vez que se dão prioritariamente em áreas já servidas de infraestrutura urbana nas cidades sede, contribuindo para a maior valorização de áreas já nobres.

É possível constatar tais aspectos, de acordo com a Tabela 6, uma vez que mais da metade das obras de mobilidade atuam no fortalecimento do modal rodoviário, com 31 das 43 obras classificadas como de ampliação da malha rodoviária das cidades-sede ou voltadas para a implantação de corredores exclusivos e dos BRT´s, pois mesmo considerando-se este último como um transporte de massa, é, ainda sim, um modal rodoviário. Da totalidade das obras, o investimento em transporte metroviário, sejam metrôs ou VLT´s e suas estações e terminais foram contemplados em somente 7 das 43 intervenções.

81 Isto se dá, porque, segundo autor, os automóveis transportam uma quantidade menor de

Tabela 6 - Tipologia das obras de mobilidade urbana nas cidades-sede Tipo de Obra Qtd. Valor previsto (R$) Valor pago (R$)

Percentual do valor previsto (%) Percentual do valor pago (%) BRT/Viário 13 3.735.711.814,60 1.757.008.330,02 44,6 42,4 Viário 16 2.235.650.302,56 1.178.795.831,17 26,7 28,5 Corredores exclusivos/Viário 2 176.600.000,00 8.175.625,25 2,1 0,2 VLT 2 1.885.119.777,86 880.510.907,53 22,5 21,3 Terminais e estações 5 269.430.783,80 218.412.691,20 3,2 5,3 Centros de Controle 3 51.990.326,50 84.744.299,63 0,6 2,0 Pedestres 2 19.600.000,00 12.400.000,00 0,2 0,3 TOTAL 43 8.374.103.005,32 4.140.047.684,80 100 100 Fonte: Portal da Transparência do Governo Federal - Copa 2014

Ao se analisar em detalhe os impactos possíveis em mobilidade por cidade-sede é possível afirmar que, em Manaus, o legado foi nulo, pois todas as obras do setor foram excluídas do pacote das intervenções da Copa. Em Salvador, o enfoque no setor atingiu somente a perspectiva do acesso de pedestres ao entorno do estádio em si, causando, desta forma, poucos efeitos na mobilidade da cidade de uma maneira geral.

Em Brasília e São Paulo, importantes centros de poder político e econômico do país, as ações voltadas à mobilidade foram pontuais tendo estas cidades recebido apenas um empreendimento cada, estes do tipo viário. Nas sedes restantes, segundo Rodrigues (2015), o que se percebe é que o modelo rodoviarista é reproduzido na maior parte das ações, atuando geralmente com intervenções nos entornos de estádios e de modo a facilitar o acesso a estes, consequentemente não agindo como vetor de integração metropolitana. Neste sentido, o autor analisa ainda que as ações empreendidas não agem nos fluxos mais comuns de trânsito das grandes cidades brasileiras, o que minimiza os impactos positivos destas, fazendo com que os investimentos não contribuam também para a superação da segregação urbana presente nestas realidades urbanas.

Mobilidade e enobrecimento do espaço urbano

As obras de mobilidade urbana também foram as principais responsáveis por um outro tipo de impacto na realidade das cidades-sedes,

relacionado principalmente à questão da habitação e da valorização imobiliária do espaço urbano. Isto se deu, segundo Castro e Novaes (2015) por que foi, principalmente, a partir das obras voltadas à ampliação da mobilidade nas cidades-sede que ocorreram os processos de desapropriações, remoções de populações carentes que se situavam ao longo dos trajetos planejados, forçando um processo de enobrecimento dos espaços urbanos que receberam investimentos. Com isto, apesar de não integrar diretamente o pacote de intervenções previstas para o Mundial, o direito à moradia foi um dos principais temas transversais relativos aos impactos da realização da Copa 2014.

O déficit habitacional no Brasil é um dos principais problemas urbanos, pois, segundo o Censo Demográfico de 2010 (IBGE), do total de 6,94 milhões das unidades habitacionais que faltam aos brasileiros, cerca de 85% concentram-se na área urbana. Tal cenário restringe o direito à cidade, uma vez que a falta de habitação digna, geralmente, está associada à ocupações irregulares do espaço urbano. Ocorre que é comum este tipo de habitação está inserido em espaços nobres das cidades estruturando-se ao longo de décadas nestas áreas e construindo histórias de vidas e uma relação consolidada, por exemplo, em termos de emprego, mobilidade, educação e saúde nestas regiões.

A Copa, através das obras de mobilidade, contribuiu para o aprofundamento da segregação espacial das cidades, uma vez que, em geral, as intervenções priorizaram: 1) intervenções em áreas nobres ou que já recebem historicamente uma série de investimentos do poder público; 2) remoções para áreas periféricas de populações carentes localizadas nestas áreas nobres e historicamente fixadas; e, 3) contribuíram para um processo de especulação e valorização imobiliária, forçando, portanto a um processo de enobrecimento de áreas das cidades (CASTRO; NOVAES, 2015).

Este processo somou-se à já crescente procura pelo setor imobiliário existente no país ao longo do final da primeira década dos anos 2000 e do período que antecedeu o Mundial. Nesta época o governo federal, além da política de valorização do salário mínimo e da estabilização e crescimento da economia, ampliou a oferta de crédito para financiamentos imobiliários aquecendo o setor e forçando o crescimento dos preços de imóveis no país. Isto é o que demonstra, por exemplo, a consultoria Knight Frank, uma das

maiores do mundo no setor, cuja publicação de pesquisa em 2012 apresentou o Brasil como líder do ranking global de valorização dos preços dos imóveis.82

Este processo de valorização imobiliária somou-se aos investimentos em mobilidade e encontrou nos processos de remoções de populações carentes de áreas nobres das cidades uma forma de incremento para o setor. Por outro lado, segundo Castro e Novaes (2015), as remoções, em geral, não respeitaram o marco internacional do direito à moradia, do qual o Brasil é signatário. Este determina que o reassentamento deva acontecer em condições iguais ou melhores que a moradia anterior, considerando não somente as condições de habitação, mas também, o acesso a equipamentos públicos e as oportunidades relacionadas à localização do antigo imóvel. Além disto, foi verificado em vários casos indenizações que não apresentavam valores compatíveis para a aquisição de moradias nos mesmos padrões anteriores.

Neste sentido, Fortaleza, como será visto mais adiante, foi um exemplo dos impactos em moradia, decorrentes das intervenções em mobilidade para a Copa, pois as remoções se deram, muitas vezes, desrespeitando os direitos de populações carentes localizadas em áreas nobres, as quais foram removidas para espaços periféricos da cidade. Este processo, como se verá adiante, despertou movimentos de contestação do modelo adotado de remoções, sendo foco de ações judiciais, aspecto que contribuiu também para o atraso de algumas obras de mobilidade.

Outros fatores que contribuíram no sentido do não cumprimento de prazos destas intervenções foram casos identificados de superfaturamento de licitações, como foi o caso do VLT de Cuiabá, constatado em mais de meio bilhão de reais naquela cidade, assim como casos de falência ou desistência de empresas vencedoras, como foi o caso do VLT Parangaba/Mucuripe, em Fortaleza.

Por outro lado, os investimentos em estádios no País seguiram o prazo para finalização antes do início da competição no Brasil e adotaram os padrões FIFA para renovação do parque de estádios. Isto é o que se verá a seguir.

4.2. Os Investimentos em estádios

82 Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,valorizacao-de-imovel-no-

Segundo Gaffney (2015), os investimentos em estádios para o Mundial constituiram uma segunda onda de melhorias no parque de estádios do país (ver TABELA 7). O período da estruturação das primeiras ações nesta seara advém da participação brasileira na Copa de 1950, onde a principal marca foi, de fato, a inauguração do Estádio Mário Filho, o Maracanã, maior estádio do mundo à época, com 155 mil lugares e palco da final daquela competição.

Tabela 7 - Parque de estádios do Brasil