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Cambistas e ambulantes: táticas e imagens

Jogo 29 Alemanha x Gana

4.8. Cambistas e ambulantes: táticas e imagens

Para além dos espaços oficiais da Copa, os quais contavam com forte aparato do Estado para a defesa dos interesses comerciais da FIFA e da segurança do evento Copa (em especial contra possíveis manifestações), é preciso destacar que houve práticas que escaparam a este controle. Apesar dos instrumentos jurídicos e policiais, estas formas de atuação, dadas através de táticas (CERTEAU, 1998) ou contrausos (LEITE, 2004), tornaram possível a subversão do estado de exceção montado para o Mundial com a Lei 12.663/2012 (Lei Geral da Copa) e trouxeram um pouco do que é comum à capital cearense em dias de jogos e festas cotidianas na Cidade.

Entre estas táticas mais comuns, o comércio informal realizado por ambulantes foi a forma mais visível de subversão da Lei Geral da Copa, sendo possível observar a presença ostensiva destes comerciantes não cadastrados

vendendo produtos como camisas não oficiais de seleções e outros produtos que levavam a marca da Copa sem a chancela da FIFA nos principais cruzamentos da cidade, no Mercado Central de Fortaleza e na Feira da rua José Avelino, além da venda de bebidas de empresas não patrocinadoras do evento nos arredores (em distâncias inferiores a dois quilômetros) dos dois principais espaços da FIFA em Fortaleza: a Arena Castelão e a FIFA Fan Fest, o que não era permitido pela Lei.

Vale ressaltar que em estudo do SINE/IDT103 em 2008 - Gráfico 3 afirma- se que em Fortaleza o grau de informalidade da economia local ultrapassava naquele período os 50% da População Economicamente Ativa (PEA), chegando a 55,9% deste grupo. Denota-se daí a informalidade como uma das principais alternativas de sobrevivência econômica na capital cearense e, por isto, um setor que o poder público tem dificuldades em controlar e regulamentar pelo grande contingente de trabalhadores inseridos. Em âmbito nacional, é importante destacar o estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) (TABELA 15) que demonstra que, mesmo com decréscimo recente da informalidade, incentivado pelo surgimento de políticas de formalização como a do Microempreendedor Individual104, a informalidade nas áreas metropolitanas brasileiras ainda é considerável, chegando em 2014 à 38,8% da PEA.

Gráfico 3 - Evolução dos Indicadores do Mercado de Trabalho – Fortaleza – 1984 - 2007

Fonte: SINE/IDT (2008)

103 Sistema Nacional de Empregos e Instituto de Desenvolvimento do Trabalho.

104 O Micro empreendedor Individual é uma personalidade jurídica atribuída a autônomos ou

profissionais liberais com faturamento de até R$ 36.000,00 anuais, voltado a incentivar a formalização de profissionais ligados a economia informal.

Tabela 15 - Grau de informalidade nas áreas metropolitanas brasileiras

Data - áreas metropolitanas Grau de informalidade

1992 40,6 1993 41,5 1994 - 1995 43,7 1996 44,7 1997 44,9 1998 45,6 1999 47,8 2000 - 2001 48,5 2002 49,1 2003 48,2 2004 47,8 2005 47,6 2006 46,2 2007 45,4 2008 44,0 2009 42,8 2010 - 2011 38,6 2012 38,1 2013 37,7 2014 38,8

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) .

Neste sentido, o comércio informal em Fortaleza se valeu do tema Copa do Mundo e do incremento na presença de visitantes à cidade para a dinamização das vendas, sendo tal prática noticiada inclusive na mídia internacional que cobria o evento na Cidade. Este foi o caso da matéria intitulada "World Cup 2014: Brazil passion burns brightly in Fortaleza105" do jornal britânico The Telegraph (2014). Este destaca que na capital cearense, mesmo uma batida de cinco carros na orla da Cidade, o que causava um grande engarrafamento, era uma oportunidade para um vendedor ambulante oferecer uma camisa de uma seleção da Copa, ironizando ao final: "tudo que

você precisa quando bate um carro é uma camiseta da seleção de Gana"106.

105 Em uma tradução livre algo como: "Copa do Mundo 2014: a paixão do Brasil brilha mais em

Fortaleza".

106 Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/sport/football/world-cup/10900001/World-Cup-

No Fifa Fan Fest, apesar do grande contingente de seguranças e policiais ali presentes, havia ambulantes vendendo cervejas "não oficias" da Copa, camisetas "piratas" e toda sorte de souvenirs às portas do espaço oficial da FIFA, tudo com preços mais acessíveis do que os praticados pelos patrocinadores da competição (FIGURA 50). Se uma cerveja, seja no Castelão ou no interior do FIFA Fan Fest era vendida a R$ 10 ou R$ 13, nos ambulantes esta custava de R$ 3 a R$ 5. Ocorria que, muitas vezes, uma parcela de torcedores que iam a estes espaços preferiam entrar nas áreas cercadas somente no início das partidas, consumindo dos ambulantes antes de assistirem aos jogos.

Figura 50 - Vendedora ambulante no calçadão em frente à FIFA Fan Fest na Praia de Iracema

Disponível em: http://pt.rfi.fr/esportes/20140704-torcedores-da-colombia-e-brasil-fazem-festa- antes-da-partida-em-fortaleza. Acesso em 01/05/16.

Já no Castelão, a presença de ambulantes (FIGURA 51) se dava de forma até mais ostensiva e o comércio informal seguiu a prática do pré-jogo típico das partidas do estádio em competições locais. A presença ilegal de ambulantes somava-se a existência de outros dois personagens que também subvertiam a Lei Geral da Copa: os "sem ingressos" e os cambistas. Estes, momentos antes das partidas, buscavam a comercialização de ingressos no entorno da Arena Castelão, sendo ambas as práticas proibidas pela Lei Geral da Copa e realizadas a despeito do forte contingente policial, o qual parecia se preocupar muito mais com a possibilidade da insurgência de manifestações

políticas do que estes delitos previstos no instrumento jurídico que regulava o Mundial no Brasil.

Figura 51 - Vendedor ambulante no calçadão em frente à Arena Castelão em Fortaleza

Disponível em: http://esportes.terra.com.br/futebol/copa- 2014/ambulantes-e-sem-ingressos-circulam-na-porta-do-

castelao,9c7f7384c9aa6410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html. Acesso em 01/05/16.

4.9. O Jogo e o pós-jogo

Ao entrar na Arena Castelão para a partida Uruguai e Costa Rica, tem- se a sensação de vivenciar a experiência de um não-lugar (Augé, 1994), um espaço transitório, onde não se percebe marcas características de um lugar antropológico, com sua identidade própria, mas sim um nó da teia global. O estádio todo demarcado por banners e faixas da Copa poderia ter sido construído em qualquer lugar do mundo. Aquele não era o Castelão típico dos jogos dos campeonatos locais regulares, mas sim, uma arena de um espetáculo global, foco de atenções televisivas e midiáticas.

Na procura pelo assento constatei que a minha cadeira ficava em meio à torcida uruguaia e a conversão em torcedor da "seleção celeste"107 se tornou "obrigatória", mesmo que não tão apaixonadamente como os outros, ocorrendo à revelia da existência de uma memória nacional da derrota do Brasil pelo Uruguai na final da Copa de 1950108. Este processo onde não se é mais indivíduo, e sim, parte de uma massa de torcedores, incorporando alegrias e frustrações do que se opera em sua volta, faz com que os torcedores ao lado se tornem, durante 90 minutos, "amigos de infância" ou "companheiros de batalha".

Durante a conversa com uruguaios ao lado sobre o desempenho fraco de sua seleção, dado que esta estava perdendo ao final do primeiro tempo por dois a zero da “zebra” Costa Rica, ensaia-se uma reação de defesa do selecionado uruguaio por parte dos torcedores, afirmando que o sofrimento é a marca da celeste. Uma discussão comparando êxitos futebolísticos brasileiros e uruguaios se inicia à minha volta, exaltando um pouco da rivalidade sul- americana no esporte. No entanto, à medida que a partida se desenrolava os ânimos iam mudando da esperança na redenção para a constatação da derrota por 3 a 1 sofrida no primeiro jogo. Outros brasileiros perdidos em meio à concentração uruguaia ensaiam chacotas e o clima fica um pouco tenso, tendo um quase conflito sido contido pela ostensiva segurança no estádio.

Este clima foi completamente diferente, por exemplo, na partida entre Grécia e Costa do Marfim, realizada no dia 24/06/14, onde a grande maioria eram torcedores brasileiros ávidos pela experiência de vivenciar uma partida do Mundial. Os gregos e marfinenses eram muito poucos em relação aos torcedores locais, os quais trataram de escolher uma ou outra seleção para a torcida.

Já no último jogo que presenciei no interior do estádio, que envolvia as seleções de Alemanha e Gana nas oitavas de final, minha observação se deu em meio à torcida alemã e foi possível constatar o nacionalismo raivoso que emergiu desta torcida. Como uma turba em fúria, foi o jogo onde vi mais cenas de brigas e desrespeito no Mundial em Fortaleza. A cada lance de perigo ou

107 Referência ao azul da bandeira uruguaia.

108 O último título em Copas da seleção uruguaia se deu na Copa de 1950 realizada no Brasil e

na final a seleção celeste venceu a brasileira por 2 gols a 1, feito celebrado até hoje pelos torcedores uruguaios e lamentado entre os brasileiros.

gol (o jogo foi 2 a 2 no tempo normal, com vitória alemã nos pênaltis), um banho de cerveja era dado por torcedores alemães nos restantes, causando um princípio de distúrbio com brasileiros revoltados com tal atitude. Uma cena que se destacou foi a presença da polícia alemã, devidamente caracterizada com seus uniformes típicos atuando e prendendo estes torcedores que estavam causando a confusão. Tal cena, mais uma vez, ratificou que não se estava mais no Brasil, mas sim, num território global da FIFA ou “Fifalândia”. Neste jogo pude notar que os torcedores alemães são um pouco mais contidos quanto à interação com estrangeiros do que foram, por exemplo, os uruguaios, talvez por conta da barreira do idioma, mais distante do português do que o espanhol, por exemplo.

O momento da dispersão do estádio em Copa é a etapa do alívio das tensões de um jogo, onde uns irão desfrutar o sabor da vitória, e outros, colher as agruras da derrota em Mundial. É o momento também de tensão onde a revolta pela derrota às vezes desemboca em atitudes violentas contidas pela segurança ostensiva do evento. Porém, a marca da saída do estádio Castelão durante os jogos que fui na Copa foi a aflição em ter que pegar uma grande fila para o transporte disponibilizado aos pontos de estacionamento da cidade (MAPA 2 - ANEXOS). Estas chegavam a 200 ou 300 metros de extensão e foi constatado que geravam muitas insatisfações e reclamações dos que ali tiveram que ficar. A espera chegava a cerca de 30 a 40 minutos e os ônibus disponibilizados saíam sempre abarrotados de torcedores que experimentavam um pouco da rotineira falta de conforto do transporte coletivo em Fortaleza.

Além disso, era hora também de, com mais calma, ter a oportunidade de adquirir produtos dos patrocinadores do evento e da FIFA nos stands ao redor do estádio. A mascote Fuleco era o ícone estampado em bonés e camisetas à venda e os preços “padrão FIFA” eram a tônica dos souvenirs mais baratos, os quais atingiam a marca de R$ 50,00, selecionando os eleitos que podiam pagar por um "brinde" destes.