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Imagens da mídia sobre a Copa em Fortaleza

CAPÍTULO 3 IMAGENS DE OUTROS AGENTES DA COPA EM FORTALEZA

3.1. Imagens da mídia sobre a Copa em Fortaleza

Na atualidade, o conhecimento do cotidiano é cada vez mais intermediado pelos meios de comunicação. A imagem construída de uma cidade, a partir dos media, tem, de maneira crescente, importância "no processo de compreensão da realidade, assim como, na circulação, criação e na consolidação dos discursos" (FREITAS et al, 2016, p.104). O jornalismo se coloca, desta forma, como um espaço central da luta simbólica (BOURDIEU, 2004) existente na consolidação de uma imagem pública.

Em um megaevento como uma Copa do Mundo e, especialmente, no contexto de uma cidade como Fortaleza que, pela primeira vez sedia uma ocasião do gênero, a imagem a partir da mídia toma relevância ainda maior, pois, pelo ineditismo da ação, atua como agente estratégico na consolidação dos discursos construídos para o Mundial. Exemplo disto são os espaços e privilégios reservados a jornalistas nos jogos e eventos preparatórios à competição, acontecendo casos onde jornalistas são convidados, com todas as despesas pagas, pelos promotores da competição, a editarem matérias a respeito de cidades-sede e suas peculiaridades.

Neste sentido, para entender que tipo de imagem surgiu nos media no contexto de preparação e realização do Mundial, o presente estudo se valeu de duas estratégias:

1) o levantamento de matérias jornalísticas que abordem exclusivamente aspectos relativos à preparação e realização65 do Mundial em Fortaleza, produzidas na mídia local, em especial, a partir do jornal de maior circulação do Estado e o único a ter um blog específico para a Copa em suas publicações, o

Diário do Nordeste66. As reportagens compreenderam o período entre os

65 Vale ressaltar que não se levou em consideração matérias que dissertavam sobre aspectos

técnicos ou do cotidiano do futebol em si, pois o objetivo da análise era entender imagens relativas à cidade de Fortaleza neste processo de preparação.

66 Como se afirmou anteriormente, segundo o Sindicato dos Jornalistas do Ceará, o Jornal

Diário do Nordeste é o de maior circulação no Estado ocupando o 34º lugar em tiragens de exemplares no País, enquanto o Jornal O Povo, ocupa a 48ª posição neste quesito no Brasil. Informações disponíveis em: https://m.facebook.com/notes/sindjorce/di%C3%A1rio-do-

meses de julho de 2011 e maio de 2014, abrangendo assim, os últimos três anos de preparação da cidade para o Mundial (o que envolve a realização da Copa das Confederações em 2013);

2) a discussão do estudo feito por Freitas (2016), que envolveu a análise de conteúdo a respeito de matérias do Diário do Nordeste produzidas entre junho e julho de 2014, ou seja, no período de realização da Copa em Fortaleza.

Ao se analisar as matérias produzidas no referido periódico entre julho de 2011 e maio de 2014, tem-se que foi possível, com a definição de treze categorias de conteúdo, traçar os principais temas das reportagens produzidas, estabelecendo assim, um caminho para se identificar quais imagens estiveram relacionadas com Fortaleza durante o momento de preparação para a Copa. As categorias estão abaixo descritas:

1. Atuação dos torcedores

- Reportagens que, em geral, abordavam como os torcedores estavam se portando nos espaços oficias das competições (estádio, campos de treinamento, FIFA Fan Fest);

2. Imagem negativa do Brasil

- Matérias que, entre outros aspectos, criticavam aspectos culturais do País como superexposição do corpo feminino, a corrupção e a repressão do poder público às manifestações em outras cidades do País que não Fortaleza;

3. Imagem negativa de Fortaleza

- Matérias que, em relação à capital cearense, entre outros aspectos, criticavam: aspectos urbanísticos como limpeza, congestionamentos, buracos no asfalto; a insegurança; as desapropriações de famílias pobres e remoção destas para áreas distantes da suas moradas originárias e a repressão às manifestações;

nordeste-e-o-povo-est%C3%A3o-entre-os-50-maiores-jornais-do-brasil/811443255558032/. Acesso em: 19/09/16.

4. Imagem positiva do Brasil

- Reportagens que, em geral, exaltavam a hospitalidade do brasileiro, as festas do País antes e durante às competições e a conclusão com êxito de estádios para o Mundial;

5. Imagem positiva de Fortaleza

- Reportagens que, geralmente exaltavam o humor peculiar e a hospitalidade do cearense como um diferencial do Mundial em Fortaleza;

6. Influências da Copa na economia local

- Textos jornalísticos que apresentavam perspectivas de crescimento econômico e desenvolvimento da economia local com a realização do Mundial na capital cearense, além de acompanharem como o mercado local estava atuando frente a tal oportunidade;

7. Influências da Copa no turismo

- Matérias que apresentavam como o mercado turístico estava atuando tendo em vista o Mundial, de que forma os turistas estavam consumindo os produtos do turismo do Estado e que imagens estes estavam construindo do Estado;

8. Infraestrutura deficiente de comunicação

- Reportagens que apresentavam os problemas de comunicação existentes, os quais se deram com maior intensidade durante a realização da Copa das Confederações em 2013;

9. Andamento das obras de mobilidade urbana (VLT Parangaba/Mucuripe, BRT´s da Dedé Brasil, Alberto Craveiro e Paulino Rocha e Estações do Metrofor)

- Matérias que atualizavam o leitor a respeito do andamento das obras de mobilidade urbana inseridas na Matriz de Responsabilidades da Copa;

10. Andamento das obras da Arena Castelão, do Terminal de passageiros do Aeroporto Pinto Martins e do Terminal Marítimo de Passageiros

- Matérias que atualizavam o leitor a respeito do andamento das obras do estádio Castelão, do Aeroporto Internacional Pinto Martins e do Terminal Marítimo de Passageiros;

11. Organização do evento: ingressos

- Textos jornalísticos que abordavam a dificuldade em se conseguir comprar um ingresso em termos de disponibilidade, preço, assim como discorriam sobre o comércio ilegal de entradas às partidas, feito por cambistas;

12. Organização do evento: treinamento/jogos

- Matérias a respeito dos eventos em si, como os treinamentos e jogos se desenrolaram, bem como análises das partidas, a movimentação de público etc;

13. Segurança

- reportagens que cobriram as manifestações ocorridas em junho de 2013 e a repressão a estas, assim como a apresentação do aparato montado pelo poder público do ponto de vista da segurança, dissertando também a respeito de casos de assaltos e violência urbana nas cidades- sede.

Após coleta de material realizada entre março de 2012 e abril de 2016, estas categorias foram assim identificadas e classificadas a partir da análise de 238 matérias publicadas em cadernos diversos no jornal Diário do Nordeste do

ano de 2012. Em 2013, com a criação do blog Diário na Copa67, espaço específico do periódico para publicações sobre o Mundial, a análise se deu a partir das publicações do referido canal.

O que se coloca é que a maioria das publicações produzidas entre 2011 e 2012 se dava, como apresenta o Quadro 5, a respeito da execução das obras da Copa as quais não estavam relacionadas diretamente com a questão da mobilidade (28 matérias). Estas repercutiam, em geral, preocupações relativas à construção da Arena Castelão, cuja conclusão veio a acontecer em dezembro de 2012 e, até então, era a obra da Copa que se colocava em curso de finalização. Outra obra citada nestas matérias era a reforma do Aeroporto Pinto Martins, cuja conclusão até hoje não se deu.

Interessante notar a publicação neste período de 12 matérias exaltando os aspectos positivos de Fortaleza no contexto do Mundial como a divulgação da imagem do Estado e a produção de reportagens sobre a influência do Mundial para a dinamização do turismo e comércio local. Obtém-se daí um total de 28 matérias em 2012 exaltando os benefícios da competição para a capital cearense, em consonância com o discurso oficial. No entanto, em contraposição, não se observou, de forma significativa neste período, matérias que ressaltavam uma imagem negativa do país ou de Fortaleza (somente 4 matérias).

Já no período entre 2013 e 2014 - Quadro 6, devido provavelmente à proximidade do evento, destaca-se, principalmente, o número de matérias (40 reportagens) sobre a compra ou aquisição de ingressos, seja para a Copa das Confederações em 2013 ou o Mundial de 2014, destacando, de forma recorrente, a grande procura por estes bilhetes, cuja compra foi organizada pela FIFA, tanto por meio de sorteio, como por ordem de solicitação pela internet. Outro tema comum em reportagens desse periódico foi o noticiário informativo/crítico à respeito da execução das obras da Copa, sem relação com as obras de mobilidade urbana (Arena Castelão/Aeroporto/Terminal Marítimo de Passageiros), cujas 22 matérias continuavam a mostrar recorrentemente a preocupação em relação aos curtos prazos para conclusão, em especial, mais

uma vez, da obra do Aeroporto (responsabilidade do governo federal, através da INFRAERO).

Interessante perceber que os aspectos negativos do Mundial eram destacados, sobretudo, levando em consideração o contexto nacional (20 matérias) e não o local (frisados em somente 10 matérias, ao longo de um ano e meio de reportagens). Entretanto, no tocante aos aspectos positivos de Fortaleza no Mundial, foi observada a produção de 17 matérias, sendo possível inferir uma busca pela desvinculação da cidade dos problemas relativos à organização do Mundial pelo governo federal. A estas matérias somavam-se ainda reportagens sobre aspectos positivos específicos do Mundial para a Capital, ressaltando as influências da Copa para o desenvolvimento turístico e do comércio do Estado (ao todo 14 matérias), o que soma, entre 2013 e maio de 2014, 31 matérias que exaltam aspectos positivos da competição para o Estado.

Quadro 5 - Classificação de matérias sobre a Copa em Fortaleza no Jornal Diário do Nordeste entre os meses de julho de 2011 e dezembro de 2012

Tipo da matéria de matérias Quantidade %

Andamento das obras da Arena Castelão, do Terminal de passageiros do Aeroporto Pinto Martins e do Terminal Marítimo de

Passageiros 28 35,44

Imagem positiva de Fortaleza 12 15,19

Influências da Copa na economia local 9 11,39

Organização do evento: treinamento/jogos 7 8,86

Influências da Copa no turismo 6 7,59

Imagem positiva do Brasil 4 5,06

Imagem negativa do Brasil 4 5,06

Segurança 4 5,06

Organização do evento: ingressos 2 2,53

Andamento das obras de mobilidade urbana (VLT Parangaba/Mucuripe, BRT´s da Dedé Brasil, Alberto Craveiro e

Paulino Rocha e Estações do Metrofor) 2 2,53

Atuação dos torcedores 1 1,27

Imagem negativa de Fortaleza 0 0,00

Infraestrutura deficiente: comunicação 0 0,00

Total 79 100,00

Quadro 6 - Classificação de matérias sobre a Copa em Fortaleza no Jornal Diário do Nordeste (blog Diário na Copa) entre os meses de janeiro de 2013 e maio de 2014

Tipo da matéria Quantidade

de matérias %

Organização do evento: ingressos 40 25,16

Andamento das obras da Arena Castelão, do Terminal de passageiros do Aeroporto Pinto Martins e do Terminal Marítimo de Passageiros

22 13,84

Imagem negativa do Brasil 20 12,58

Imagem positiva de Fortaleza 17 10,69

Organização do evento: treinamento/jogos 16 10,06

Imagem negativa de Fortaleza 10 6,29

Influências da Copa no turismo 8 5,03

Andamento das obras de mobilidade urbana (VLT Parangaba/Mucuripe, BRT´s da Dedé Brasil, Alberto

Craveiro e Paulino Rocha e Estações do Metrofor) 7 4,40

Influências da Copa no economia local 6 3,77

Imagem positiva do Brasil 5 3,14

Infraestrutura deficiente: comunicação 4 2,52

Segurança 3 1,89

Atuação dos torcedores 1 0,63

Total 159 100,00

Fonte: Blog Diário da Copa do Jornal Diário do Nordeste (2013/2014)

Coloca-se daí que, no processo de preparação para o Mundial de 2014, o jornal de maior circulação do estado do Ceará contribuiu, a partir de matérias ocasionais e de seu blog diário, para a construção de uma imagem positiva de Fortaleza no Mundial, de forma recorrente, ressaltando aspectos como a influência da competição para a dinamização do comércio e do turismo, ou seja, discurso alinhado com o oficial do governo estadual. As críticas, quando se colocavam, tinham como principal alvo obras de responsabilidade do governo federal, como é o caso do Aeroporto (ainda não concluído, com se afirmou anteriormente). Destaca-se ainda o fato que, mesmo os atrasos dos inconclusos BRT´S, obras de responsabilidade da prefeitura local, os quais estavam previstos para antes do Mundial, não despertaram o interesse do referido jornal, uma vez que, a respeito deste tema, somente 7 matérias foram produzidas

Esta convergência com o discurso oficial, em especial o que coloca Fortaleza como "Cidade-sede da Alegria", é identificada também por Freitas (2016). Utilizando a metodologia de análise de conteúdo de Bardin (1977), a autora identifica, a partir da análise de 38 matérias também do Diário do

Nordeste, no período entre os meses de junho e julho de 2014, duas categorias

principais para Fortaleza no período da Copa: o conceito de "cidade-produto" e "cidade-real".

Tais categorias expressam a disputa pela cidade, típica dos contextos onde o empreendedorismo urbano se apresenta como uma tônica do poder público e transforma a cidade em empresa ou em mercadoria, procurando, para tanto, despertar um sentimento de consenso com a população local. Por outro lado, a construção da cidade como mercadoria se depara com os efeitos da "cidade real", cujo cotidiano expressa os problemas urbanos e ocorrem reapropriações do espaço mercantilizado. Freitas (2016, p.106) descreve assim estas categorias:

Foi possível identificar uma contradição na construção da Fortaleza cidade-sede, representada na categoria cidade real. Para fazer o contraponto com a construção simbólica da cidade-produto, criada por meio de estratégias de comunicação e marketing pelas administrações públicas, foram estabelecidas as categorias de infraestrutura (que engloba textos com menção aos aspectos mobilidade, segurança, investimentos em infraestrutura turística), vulnerabilidades (menções a violações de direitos e desigualdades sociais) e formas de consumo por parte da periferia (que trata de como a população das regiões periféricas da cidade-sede consome a Copa do Mundo), esta última subdividida em a) busca pela inclusão, quando a periferia buscou estratégias para ser incluída no megaevento e b) modos não oficiais de inclusão, em que moradores da periferia interessaram-se em vivenciar o espetáculo esportivo, porém distanciados das estruturas oficiais.

Em seu texto, estas noções são captadas com a identificação de conceitos recorrentes ou unidades de registro dos textos jornalísticos, os quais remetem a estas duas noções de cidade. Para a noção de cidade-produto e cidade-real foram descritas abaixo (Quadros 7 e 8) as seguintes unidades de registro ou conceitos apresentados nas matérias:

Quadro 7 - Quantidade de textos em que cada elemento está presente - Cidade-produto

Cidade-produto Consumidores 24 Alegria 17 Hospitalidade 14 Belezas Naturais 8 TOTAL 63 Fonte: Freitas (2016, p. 106)

Quadro 8 - Quantidade de textos em que cada elemento está presente - Cidade-real

Cidade-real

Infraestrutura 19

Busca pela inclusão 3

Modos não-oficiais de

consumo 4

Vulnerabilidades 3

TOTAL 29

Fonte: Freitas (2016, p. 106)

Verifica-se de forma recorrente, que muito mais expressões ou unidades de registro são identificadas com os aspectos positivos do Mundial para a Cidade do que os pontos negativos da competição. Neste sentido, Freitas (2016) propõe as seguintes hipóteses que sintetizam as imagens produzidas nas respectivas matérias analisadas:

1) a cidade-sede da alegria é construída com base no estereótipo do cearense bem-humorado e hospitaleiro e possui o mesmo recorte da Fortaleza voltada para o turismo;

2) A cobertura dos problemas sociais e urbanos pré-existentes coexiste com a cobertura festiva, contradizendo o conceito de cidade-sede da alegria;

3) Os moradores dos bairros periféricos, fora da rota turística oficialmente promovida, buscam a inserção de seus espaços no megaevento, através dos contrausos, seja com a subversão dada por meio do comércio ambulante não autorizado no entorno do Castelão ou ao largo dos espaços gratuitos da competição como o FIFA Fan Fest, por exemplo.

Desta forma, a noção de "Cidade-sede da Alegria", lema oficial da capital no Mundial é reafirmada nas matérias do periódico e demonstra uma convergência dos discursos dominantes da Cidade para a produção de uma imagem pública positiva do Evento. Os problemas sociais e infraestruturais, apesar de citados, mesmo que de forma muito menos recorrente, são apresentados como outra face desta sede da alegria, minimizando-os e inserindo-os como um "estorvo" ao evento. O jornalismo local reforça assim estereótipos "de cearensidade, de um povo alegre e hospitaleiro" (FREITAS, 2016), o que levaria, portanto, a uma desvinculação do evento com os

problemas típicos da cidade, colocando a Copa inclusive como um hiato destes no cotidiano da Capital.

Aqui vale relacionar como este consenso buscado através de uma imagem positiva do evento construída pela mídia local entra em consonância com a busca pela valorização do espaço urbano como mercadoria pelo capital privado, possibilitando o incremento da acumulação capitalista a partir do solo urbano.