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A regulamentação dos Grupos de Sociedade pela Lei brasileira e seus reflexos

4. A LEI ANTICORRUPÇÃO E ESTADO BRASILEIRO – UMA ANÁLISE

5.2. A regulamentação dos Grupos de Sociedade pela Lei brasileira e seus reflexos

Inspirada então na recente disciplina Alemã150, o legislador brasileiro optou por adotar um sistema dualista para regular os Grupos de Sociedades. Para tanto a Lei 6.404/1976 prevê dois capítulos específicos sobre o tema. O capítulo XXI, sob o título “Grupo de Sociedades”, trata daquelas empresas plúrimas formalmente constituídas através do cumprimento dos requisitos ali previstos. Já no capítulo XX, a Lei trata das sociedades, controladoras, controladas e coligadas.

A doutrina, ao analisar a regulamentação produzida, classificou as disposições contidas no Capítulo XX como sendo os “Grupos de Fato” e as do Capítulo XXI como sendo as dos “Grupos de Direito”, nomenclatura que também será adotada no presente trabalho.

Pela disciplina da Lei, a constituição do Grupo de Sociedades, ou seja, de um Grupo de Direito, é facultativa151 e dependerá da celebração de contrato específico152, sendo este o principal instrumento diferenciador dos Grupos de Fato, pois tal documento definirá, em suma, a forma como a Sociedade Controladora exercerá seu domínio sobre suas controladas, ou seja, os meios pelos quais será exercida a Direção Econômica Unitária153. Tal contrato, o Instrumento de Convenção deve atender os requisitos do art. 269 da Lei das S/A’s 154. O referido documento deve ser registrado na Junta Comercial

150 A disciplina alemã havia sido apresentada ao mundo jurídico por meio “Aktiengestz” de 1965.

151Dispõe o Art. 265 da Lei 6.404/76: “A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos

termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns” (BRASIL, 1976).

152A Doutrina costuma denominar o presente instrumento como Contrato de Domínio. A Lei se refere a

esse instrumento como contrato de Convenção de Grupo.

153Nesse sentido vem o art. 267 da Lei das S/As: “As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa

do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos.” (BRASIL, 1976)

154Art. 269. O grupo de sociedades será constituído por convenção aprovada pelas sociedades que o

componham, a qual deverá conter: I - a designação do grupo; II - a indicação da sociedade de comando e das filiadas; III - as condições de participação das diversas sociedades; IV - o prazo de duração, se houver,

da sede do grupo e de cada uma das Sociedades Controladas, sendo facultado a esses (e somente esses) a utilização das expressões “Grupo de Sociedades” ou “Grupo”.

De outra banda, os Grupos de Fato, estão disciplinados no Capítulo XX da Lei 6.404/76, sob o título Sociedades Coligadas, Controladoras e Controladas.

Ao abordar os Grupos de Fato, o critério eleito pelo Legislador foi o do controle societário. Nesse sentido, Prado (2006) afirma que:

Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.

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Assim, partindo do critério de controle ou coligação é que se disciplina o relacionamento entre tais empresas, atribuindo regras que envolvem desde a forma de apresentação das demonstrações financeiras156 às regras para constituição de subsidiária integral157, participações recíprocas,158 dentre outras.

Pois bem, a leitura do disposto no §2º do Art. 4º da Lei 12.846/2013 nos faz crer que o legislador (propositadamente ou não) procurou dirigir os mandamentos da Lei aos grupos de fato, uma vez que o texto do citado parágrafo faz menção direta às sociedades controladas, controladoras ou coligadas.

e as condições de extinção; V - as condições para admissão de outras sociedades e para a retirada das que o componham; VI - os órgãos e cargos da administração do grupo, suas atribuições e as relaçõesentre a estrutura administrativa do grupo e as das sociedades que o componham; VII - a declaração da nacionalidade do controle do grupo; VIII - as condições para alteração da convenção. (BRASIL, 1976)

155PRADO, Viviane Muller. Conflitos de Interesses de Grupos Societários. São Paulo: Quartier Latin,

2006. p. 55.

156Art. 243. O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em

sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício. (BRASIL, 1976).

157Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista a

sociedade brasileira. § lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único. § 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252. (BRASIL, 1976).

158Art. 244. É vedada a participação recíproca entre a companhia e suas coligadas ou controladas. (BRASIL,

No entanto, a análise dos laços que unem as sociedades pertencentes aos grupos de direito faz com tal modalidade societária esteja sujeita aos mandamentos da Lei Anticorrupção. Isto porque a Lei das S/A’s determina a conservação das respectivas personalidades jurídicas de cada uma das sociedades que constituem o grupo159, de forma que estas se ligam por laços de natureza societária, sendo, portanto, sociedades controladora, controladas e coligadas, e, portanto, estando sujeitas ao estabelecido no art. 4º §2º da Lei 12.846/2013.

Ademais, cumpre ressaltar que todas as pessoas jurídicas integrantes do grupo (e não só as sociedades) estão sujeitas aos regramentos da Lei Anticorrupção. Por mais que uma primeira leitura do artigo 4º possa levar o leitor à conclusão equivocada de que aquelas disposições só se aplicam às sociedades empresárias, excluindo as sociedades simples, fundações e associações que, embora integrantes da organização grupal, não estariam sujeitos aos mandamentos do artigo 4º da Lei 12.846/2013, a interpretação do Art. 4º §2º em conjunto com o que disciplina o Parágrafo Único do Art. 1º da Lei, não deixa dúvidas: a presente solidariedade aplica-se a todas as Pessoas Jurídicas que compõem a estrutura jurídico-organizativa da empresa plúrima, independentemente de seu caráter empresarial.

Assim, os termos da presente legislação abarcam, por exemplo, fundações, sociedades simples que compõe o grupo empresarial. Carvalhosa (2015, p. 165/166), ao abordar o tema, aponta diversos exemplos pelo qual não se poderia admitir a interpretação restritiva dos termos do artigo em comento:

[...] as associações sem fins lucrativos poderão controlar pessoas jurídicas com natureza comercial, ou então serem controladas por aquelas mercantis, ou mesmo serem coligadas ou com elas consorciadas.

Mais do que isso, há entidades e associações de natureza social que como atividade-meio constituem sociedades com fins lucrativos que prestam serviços, inclusive no setor de saúde; fabricam e comercializam produtos e que, assim, agem como qualquer empresa mercantil, revertendo os seus resultados para a entidade beneficente que as constituíram. Há, com efeito, um entrelaçamento cada vez maior entre as instituições sociais e suas controladas que atuam no mercado,

159Art. 266. As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou

subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos. (BRASIL, 1976).

inclusive contratando com o Poder Público a prestação de serviços, de fornecimento, de pesquisa, etc.

[...]

Existem mesmo fundações, associações e institutos, que acabaram se tornando grandes empresas onde predominam os interesses econômico- financeiros, embora não distribuam seus enormes lucros entre seus associados. O que caracteriza atualmente essas mega-entidades é a produtividade e a lucratividade da organização, nelas desaparecendo o sentido social e filantrópico que marcam a sua constituição. 160

Por fim, um dos reflexos limitadores trazidos pela interpretação conjunta dos mandamentos da Lei 12.846/2013 com o determinado pelas regras da Lei das S/A’s aos grupos de sociedade (de fato e de direito) é a limitação da solidariedade imposta por aquele novel legal às pessoas jurídicas que sejam controladoras ou coligadas. Em outras palavras, os efeitos da Lei não atingem pessoas físicas de forma irrestrita.

Isso porque a disposição do texto legal é clara ao limitar os termos da solidariedade ali criada à relação entre pessoas jurídicas, quando impõe tal obrigação às “sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas” 161. Tal leitura, em conjunto com o disposto no caput do artigo 4º, não permite outra interpretação senão para aquela de limitar os efeitos da solidariedade às Pessoas Jurídicas.

Nesse sentido, Leite e Nobre (2014, p. 322) afirmam que:

É de se observar, outrossim, que o § 2º do art. 4º da Lei 12.846/2013 é expresso ao se referir ao controlador apenas na figura da pessoa jurídica e assim não impôs responsabilidade solidária à pessoa física que exerça tal controle. A Lei fala, apenas, em “sociedades”, sem qualquer referência às pessoas físicas que eventualmente se enquadrem nas hipóteses da lei societária. Vale destacar que o disposto no art. 265 do C.C, estabelece que ‘solidariedade não se presume; resulta da lei ou da

160Interessante anotar que Carvalhosa cita como exemplo de fundações que se traduziram em mega

corporações os grandes hospitais como o Hospital Albert Einstein e Sírio Libanês. Como ele aponta “[...] os grandes hospitais que controlados, na origem por associações de caridade, tornaram-se autônomos na gestão do seu imenso patrimônio altamente rentável, que é sempre reinvestido em novas instalações e alta tecnologia, com total esquecimento de sua original e agora remota finalidade filantrópica.” (CARVALHOSA, 2015)

161Cf. a redação do referido § 2º do Art. 4º da Lei 12.846/2013. BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de

2013.Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: set. 2016.

vontade das partes’. Assim, não haveria o que se falar em termos de solidariedade, com base no §2º do art. 4º da Lei 12.846/2013, para a hipótese em que o controle se dá através de pessoas físicas.

Com efeito, lembrando que o objetivo precípuo da Lei Anticorrupção foi criar mecanismos para impor sanções de natureza civil-administrativa às pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção, não parece salutar que as pessoas físicas detentoras de participações societárias tenham contra si imposta a solidariedade prevista no art. 4º da Lei, em uma eventual (e improvável) interpretação extensiva.

A Lei relega a outros dispositivos a apuração da responsabilidade civil, penal e administrativa das pessoas físicas que, direta ou indiretamente, se veem envolvidas em atos contrários à administração pública.

Tal responsabilização se dá de forma subjetiva, ou seja, na medida da sua culpabilidade, como se denota da leitura do artigo 3º e seus parágrafos da Lei 12.846/2013 em conjunto com os artigos 265 do Código Civil e 18162 do Código Penal.

5.3. A Problemática da abrangência da responsabilidade solidária prevista na Lei