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3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 12.846/2013 (LEI ANTICORRUPÇÃO) E

3.5. Programas de Conformidade – Compliance

3.5.1. Suporte da alta direção

Tido como requisito essencial para o funcionamento de um programa de compliance, o suporte da alta direção ou Tone from the Top se traduz no apoio irrestrito e integral ao programa pelo topo da hierarquia da organização110.

109art. 42. Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua

existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa; II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos; III - padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade; V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade; VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica; VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica; VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões; IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;

X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé; XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade; XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados; XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas; XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013; e XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações

para candidatos e partidos políticos (BRASIL, 2015).

110DELOITTE; TOUCHE; TOHMATSU. Tone of the top: The first ingredient in a world-class ethics

and compliance program. 2015. Disponível em:

<https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/us/Documents/risk/us-aers-tone-at-the-top-sept- 2014.pdf>. Acesso em: jan. 2016.

Nesse sentido, “um programa de conformidade bem projetado não pode conviver com atitudes da alta direção da companhia que encorajam, explicita ou implicitamente o exercício de más condutas profissionais seja em favor da empresa ou em favor próprio” (U.S. Department of Justice, 2002) 111. Ao contrário, o programa de compliance deve receber o apoio irrestrito da direção da empresa para obter sucesso. Referido apoio não se dá apenas por palavras, mas pelo sério comprometimento da alta direção com os termos do programa, demonstrando por meio de atitudes a adesão irrestrita à este.

Nesse sentido, a ligação vital entre o suporte da alta hierarquia da companhia e a eficácia do programa de compliance se sobreleva frente aos demais programas e procedimentos de uma empresa como afirma Giovanini (2014, p. 53):

Normalmente, na implementação de programas novos na organização, tais como programas de qualidade, produção ambiental, redução de custos, ações sociais, entre outros, evidencia-se a ideia de que, se a Alta Direção da empresa não apoiar, o programa não decolará. Isso não caracteriza uma verdade absoluta. É possível se iniciarem tais programas, a partir da gerência e, pouco a pouco, obterem o apoio dos níveis mais altos da instituição. (...)

Todavia essa premissa, definitivamente, não se aplica para o Programa de compliance. Aqui, se ele não for iniciado pelas camadas mais elevadas da companhia, certamente estará fadado ao insucesso. Numa empresa, não existe sucesso ‘parcial’ nesse programa. É preciso buscá- lo como um todo e, para tanto, qualquer modelo proposto deverá combinar alguns fatores e integrá-los no seu cotidiano, de modo a dar o suporte necessário à implantação do compliance.

Acrescenta-se à questão a necessidade de investimentos financeiro, pessoal e até mesmo emocional que demanda um programa de compliance efetivo. Em não havendo o apoio irrestrito do topo da hierarquia, será muito difícil organizar e dispor os recursos necessários à implantação e manutenção do programa.

Ademais, a adoção de um programa de conformidade implica em uma imensa mudança na cultura e nos procedimentos da companhia, o que só é possível com o apoio integral da alta direção. O que “sempre foi feito assim” passará a ser feito de forma

111ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Department of Justice, FCPA. A resource guide to the U. S. Foreign Corrupt Practices Act. Tradução livre. Washington, DC, 2002. p. 57 Disponível em:

<https://www.justice.gov/sites/default/files/criminal-fraud/legacy/2015/01/16/guide.pdf>. Acesso em: jan. 2017.

diferente. Procedimentos padrões serão questionados pelo staff, fornecedores serão afetados, colaboradores serão incitados a assumir novas condutas. Dessa forma:

Uma forte cultura ética é o principal suporte de um programa de conformidade efetivo. Ao aderir aos padrões éticos do programa, a alta direção da empresa inspirará a média gerência a adotar esses padrões. Estes, por sua vez, vão encorajar os demais empregados a adotar esses padrões de comportamento espalhando-os por toda a organização. (EUA, 2002) 112

Assim, “dentro de uma organização empresarial, o cumprimento das políticas de compliance começa com o conselho de administração e com executivos seniores definindo o ‘tom’ adequado para o resto da empresa” 113. É a partir da adesão destes aos procedimentos e controles exigidos pela cultura de conformidade, que se terá o combustível necessário para a implantação de procedimentos e processos que afetarão a empresa. Liderar a adequação da empresa à cultura de compliance proposta é tarefa da alta direção. Sem o caminhar conjunto deste órgão, o programa corre o risco de virar “letra morta”.

Não obstante, o que entender por “Alta Direção” quando olhamos para as estruturas societárias brasileiras? Certamente, a questão não traz muita controvérsia no ambiente de mercado norte-americano, de onde o legislador e a doutrina brasileiros foram buscar inspiração para o tema. Afinal, em um mercado pulverizado pelas corporations114, muitas das quais de controle disperso, não há dúvida de que se está falando dos altos órgãos de administração, como a Diretoria e o Conselho de Administração.

No entanto, a questão é mais controvérsa no Brasil. Isso porque a estrutura de mercado brasileira aponta para a forte influência do acionista ou sócio controlador na condução dos negócios e interesses da sociedade empresária. Por vezes, mesmo não tendo um cargo formal na diretoria da empresa, é ele quem toma as principais decisões estratégicas da sociedade, notadamente decisões que impliquem em riscos elevados ou, até mesmo, transgressão de normas.

112Ibidem. 113Ibidem.

Assim, a expressão “Alta Direção” no contexto brasileiro deve ser analisada com cuidado, devendo abarcar quem de fato está na cadeia decisória da empresa. Se estivermos, por exemplo, diante de uma companhia cujo controlador é atuante, não há de se falar em programa de conformidade efetivo sem a sua expressa vênia e participação.

Imagine, pois, uma empresa cujo presidente procura externalizar ao máximo seu apoio às medidas e compliance aderindo ao programa, participando das reuniões e treinamentos e provendo o fluxo financeiro necessário para estruturação do programa, mas que, no entanto, está sujeito aos desmandos de um acionista controlador que, alheio à vontade do presidente, pratica certa infração ética ou legal ou ainda, deixa de cumprir mandamento do código de conduta. Certamente estaremos diante de um programa fadado ao fracasso.

Portanto, a implantação de um programa só será vitoriosa com a adoção integral das regras pela alta direção, que deve liderar pelo exemplo (ou na expressão americana walk the talk) notadamente em momentos em que os procedimentos do processo forem submetidos a testes de stress. Um deslize da alta direção, incluindo o controlador da companhia, conforme o caso, o programa vai abaixo.