• Nenhum resultado encontrado

Articulação entre competências individuais e organizacionais

FIGURA 1 MODELO DINÂMICO DE COMPETÊNCIA

3.2.5 Articulação entre competências individuais e organizacionais

Toda competência que não se realiza permanece virtual, e sua concretização só se torna possível no âmbito de uma organização. Também as organizações possuem competências, que mantêm ligações estreitas com as competências individuais. Em outras palavras, as competências organizacionais representam a integração e a coordenação das competências individuais. É necessário, portanto, tornar claras as relações entre as competências individuais e as competências organizacionais sob uma perspectiva dinâmica. Se as competências individuais representam o trunfo do indivíduo, as organizacionais são o principal ativo das organizações. LÉVY-LEBOYER (1993:102) afirma que uma política de pessoal preocupada com o desenvolvimento dos indivíduos representa hoje uma das chaves da competitividade. Resta então definir como estabelecer a articulação entre as competências individuais e as competências organizacionais, o que não é uma tarefa simples, uma vez que esse processo somente se tornará efetivo se for realizado no nível estratégico da empresa.

Vários autores têm tratado da questão das estratégias competitivas; PORTER (1986) foi provavelmente o primeiro, quando tratou da análise da indústria, mas outras abordagens mais recentes, baseadas na combinação entre análises internas e externas parecem mais promissoras porque escapam ao determinismo ambiental que caracteriza a abordagem do primeiro. OLIVEIRA JR. (1999) reporta-se a uma série de autores, ligados à corrente estratégica baseada em recursos (WERNERFELT 1984, RUMELT 1994, DIERICKX , COOL 1989, PETERAF 1993, e SCHOEMAKER, AMIT (1997), os quais argumentam que

os recursos de que as organizações dispõem é que impulsionam seu desempenho, constituindo-se no principal determinante de sua competitividade, no que tange a sua posição na indústria. Tais recursos devem ser entendidos como ativos tangíveis e intangíveis e, segundo PETERAF (1993), na medida em que os ativos de uma organização são imperfeitamente móveis, inimitáveis e insubstituíveis, outras empresas não conseguirão copiar sua estratégia. De acordo com SCHOEMAKER, AMIT (1997), os ativos estratégicos caracterizam-se não só pela dificuldade de serem imitados ou negociados, mas também pelo fato de serem escassos, duráveis e difíceis de serem substituídos; e ainda por sua complementaridade com outros ativos, no sentido de que o valor de um aumenta quando o valor de outro cresce. Caracterizam-se, além disso, por serem dificilmente transferíveis; em virtude da propriedade de adicionarem valor aos acionistas e de se alinharem com os futuros fatores estratégicos da indústria. FLEURY, FLEURY (2000a), examinando o alinhamento entre estratégia e competências, afirmam que a abordagem da empresa-indústria, característica do trabalho de Porter, corresponde a uma visão de fora para dentro (outside-in), enquanto a abordagem de recursos constitui uma perspectiva de dentro para fora (inside-out), e observam que, na prática, as empresas têm combinado ambas as abordagens.

Apesar de a abordagem de recursos ter surgido com a contribuição de Wernerfelt e de Rumelt, foram PRAHALAD, HAMEL (1990) que divulgaram a teoria no meio empresarial. Os dois autores referem-se às "core-competencies" ou competências centrais, que constituem a aprendizagem coletiva da organização, no que concerne à coordenação de diversas capacidades de produção e de integração de linhas de tecnologias. Segundo os referidos autores, tais competências permitem o acesso potencial a uma grande variedade de mercados, representam uma contribuição significativa para o consumidor, e são difíceis de serem imitadas. O conceito de competências centrais não foi cunhado por Prahalad e Hamel; outros autores referem-se a elas usando diferentes denominações, algumas das quais são citadas por LEONARD-BARTON (1992): competências específicas da firma (PAVITT, 1991), disposição de recursos (HOFER, SCHENDEL, 1978), competências

centrais ou organizacionais (PRAHALAD, HAMEL, 1990, HAYES, WHEELRIGHT, CLARK, 1988) e competências distintivas (SNOW, HREBINIAK 1980, HITT, IRELAND, 1985). É pertinente lembrar que, se para as competências individuais existe um sistema institucional, o mesmo não é verdadeiro para as competências centrais ou organizacionais, que estão ligadas essencialmente ao mercado.

As abordagens de MILES, SNOW (1978) e de SNOW, HREBINIAK (1980) associam à estratégia empresarial as competências distintivas (centrais) e o desempenho organizacional. Esses autores realizaram pesquisa em quatro diferentes indústrias, usando uma tipologia de estratégia empresarial, com o objetivo de explorar a possibilidade de que os gerentes "top" sigam diferentes estratégias e mostrem padrões diversos de percepção das competências centrais.

Os modelos da tipologia de estratégia, segundo os referidos autores, são quatro: defesa, prospecção, análise e reação. No modelo de defesa, a organização tenta manter um nicho seguro em uma área de produto ou serviço relativamente estável, oferecendo uma gama mais limitada de produtos e serviços do que seus competidores e tentando proteger seu domínio por meio de oferta de qualidade superior e baixos preços. No modelo de prospeção, a organização opera num domínio de produtos e mercados muito amplo e procura ser a primeira em áreas de novos produtos e mercados, ainda que não seja muito lucrativo. A organização não mantém a força de mercado em todas as áreas onde atua. O modelo de análise corresponde a um tipo de atuação em que a organização mantém uma linha limitada e estável de produtos e serviços, mas ao mesmo tempo é muito ágil para seguir novos desenvolvimentos mais promissores na indústria. Raramente ela é a primeira a apresentar novos produtos ou serviços, mas freqüentemente é a segunda, oferecendo produtos ou serviços com eficiência de custos. No modelo de reação, a organização parece não ter uma orientação consistente quanto a produto ou mercado. Não é tão agressiva na manutenção de seus produtos e mercados como alguns de seus competidores, nem assume

riscos, como outros, respondendo naquelas áreas em que é forçada pela pressão do ambiente.

SNOW, HREBINIAK (1980) definiram competências centrais como o conjunto de atividades que a organização executa particularmente bem em relação a seus competidores. Em outras palavras, em seu entendimento, competências centrais são o agregado de numerosas atividades específicas que a organização tende a desenvolver melhor do que outras, em um ambiente semelhante. Na pesquisa conduzida pelos autores, o desempenho organizacional foi medido pela lucratividade, definida em termos da razão obtida entre a receita total e os ativos totais. Os resultados mostraram que os gerentes perceberam várias estratégias organizacionais em suas indústrias, indicando que formas substancialmente diferentes de estratégias podem ser usadas concomitantemente em ambientes similares. Dentro de determinada indústria, uma ampla gama de capacidades organizacionais pode ser demandada ou possível, mas as organizações escolhem desenvolver apenas algumas. SNOW, HREBINIAK (1980) afirmam que tais resultados são consistentes com a perspectiva de escolha estratégica de CHILD (1972) e parecem estar em desacordo com o modelo de seleção natural de desempenho e sobrevivência, construído por HANNAN, FREEMAN (1977). Os resultados revelaram ainda que a organização típica mostra mais competências do que aquelas examinadas na pesquisa e que a variação pode ser explicada pela estratégia organizacional. Entretanto, entre as competências centrais das estratégias de defesa, prospeção e análise incluem-se a capacidade em administração geral e o conhecimento sobre finanças, sendo que cada uma dessas estratégias demanda também outras competências. A estratégia de defesa requer capacidade em produção e em engenharia e, provavelmente, em administração de custos. A estratégia de prospeção demanda também pesquisa de produto e desenvolvimento, engenharia básica e, provavelmente, pesquisa de mercado. A estratégia de análise aparentemente varia mais de indústria para indústria do que as duas anteriores, mas além de administração geral e finanças, não foram identificadas outras competências. A última estratégia – de reação – não mostrou um padrão consistente e lógico de competências.

FLEURY, FLEURY (2000a.) propõem três tipos ideais ou modelos simplificados de estratégias competitivas:

• excelência operacional, característica de empresas que competem procurando redução de custos, de modo a oferecer aos clientes um produto médio com o melhor preço e bom atendimento;

• inovação no produto, adotada por empresas que oferecem aos clientes produtos de ponta, procurando sempre inovar;

• orientação para serviços, peculiar a empresas voltadas para o atendimento a segmentos específicos de mercado, preocupadas em satisfazer ou antecipar as necessidades dos clientes, em função de sua proximidade com eles.

Os autores associam a essas estratégias três tipos de competências: a competência para o negócio, vinculada ao processo de formulação de estratégias, a competência social, que deve estar disseminada pela organização, e a competência técnica, que se desdobra em competência em operações, competência em inovação em produtos, competência em marketing e competência em finanças. É importante frisar que cada tipo de estratégia requer diferentes combinações de competências técnicas. Quando a empresa define sua estratégia, ela identifica as competências centrais ou essenciais do negócio e as competências necessárias a cada função, mas o inverso também é verdadeiro, isto é, a existência das competências centrais orienta as escolhas estratégicas da organização.

Quando se adota a estratégia de excelência operacional, a função "operações" constitui a competência crítica, incluindo o ciclo de suprimento, produção, distribuição e serviços. A área de marketing inicia o ciclo, levantando informações sobre o mercado, para alimentar a concepção do produto, preparando o campo para otimizar a função operações. No final do ciclo, a área de marketing acompanha e avalia o desempenho do produto.

Na estratégia de inovação em produto, a competência central da organização é pesquisa e desenvolvimento, municiada por informações dos laboratórios de P&D. A

função "Operações" deve apresentar grande flexibilidade operacional, enquanto o marketing deverá identificar e selecionar mercados potenciais. Exigem-se também competências sociais associadas às competências técnicas.

Quando a organização adota uma estratégia orientada para serviços o marketing passa a constituir a competência essencial, acionando e coordenando as funções de "projeto de produto" e de "operações" para o desenvolvimento de soluções customizadas, visando a atender a determinado cliente. Nesse caso, as competências para negócio devem ser muito fortes, associadas às competências técnicas e operacionais. As empresas que se orientam por esta estratégia não precisam buscar a excelência das condições de operação, nem o desenvolvimento de projetos inovadores, mas a área de operações precisa ter agilidade e flexibilidade.

QUADRO 5.

Tipos de estratégia e formação de competências

Competências essenciais Estratégia

empresarial

Operações Produto Marketing

Excelência Operacional Manufatura classe mundial Inovações incrementais Marketing de produto para mercados de massa

Inovação em produto Scale up e fabricação primária Inovações radicais (breakthrough) Marketing seletivo para mercados/clientes receptivos à inovação Orientação para serviços Manufatura ágil, flexível Desenvolvimento de soluções e sistemas específicos Marketing voltado a clientes específicos (customização)

FONTE: FLEURY, FLEURY (2000a:54)

FLEURY, FLEURY (2000a) observam que é freqüente a combinação de diferentes estratégias pelas empresas, o que torna às vezes difícil classificá-las em uma ou outra categoria. A estratégia de excelência operacional, por exemplo, tem semelhança com a estratégia de defesa de SNOW, HREBINIAK (1890), e a de inovação em produto é consistente com o modelo de prospecção dos mesmos autores; as demais estratégias não parecem ser semelhantes.

PORTER (1996), argumentando que eficiência operacional não é estratégia, afirma que a posição estratégica surge de três fontes diferentes, não mutuamente exclusivas e que freqüentemente se sobrepõem. O autor cria, assim, uma tipologia de estratégia:

posição baseada na variedade, isto é, na escolha de variedades de produtos ou serviços, em vez de segmentos de consumidores;

posição baseada em necessidades, que corresponde aproximadamente à estratégia de segmentação de clientes;

posição baseada em acesso, isto é, a segmentação dos consumidores é realizada por questões de facilidade de acesso geográfico ou de atendimento em escala.

A tipologia de PORTER (1996) tem pontos comuns com a de FLEURY, FLEURY (2000a): o primeiro tipo corresponde à estratégia de inovação em produtos, e o segundo tipo, à estratégia orientada para serviços. O terceiro tipo de Porter não tem correspondência com nenhum outro. Não faremos a piori opção por seguir qualquer um desses esquemas classificatórios; tal escolha se efetivará à luz dos dados da pesquisa.

Abordar o problema das competências no nível organizacional põe em relevo a necessidade de fazer trabalhar, de maneira integrada, as diferentes linhas de competências, mesmo quando elas pertencem a serviços diferentes ou a funções diferentes. Daí a necessidade de um inventário atualizado das competências de que a organização dispõe, de modo que se tenha um banco de dados ou um quadro com o registro do estoque de competências disponíveis. Para isto é necessário que as competências-chave sejam definidas e as competências individuais sejam igualmente especificadas. É também de fundamental importância que se definam as necessidades da organização em termos da possibilidade de transferência de competências de uma tarefa ou função para outra e as conseqüências daí decorrentes. A organização que conhece quais competências individuais devem ser reunidas e harmonizadas para constituir suas próprias competências está apta a atrair e reter as pessoas adequadas às suas necessidades.

DOZ (1997) apresenta uma análise interessante das competências centrais, com base nos desafios gerenciais surgidos da gestão dessas variáveis, que são difíceis de gerenciar, porque não são muito tangíveis nem mensuráveis; se não forem praticadas, se desatualizam; se muito explicitadas, não se desenvolvem mais; se agregadas amplamente, perdem substância e realidade; se cultivadas por muito tempo, transformam-se em rigidez e em incompetência para responder a novas circunstâncias. As competências organizacionais começam no nível do indivíduo e do pequeno grupo, que aprende fazendo. Alguns tipos de competências são partilhadas informalmente em interações profissionais, enquanto outros podem ser compartilhados mediante processos recíprocos de articulação de conhecimentos (explicitação de conhecimentos e know how tácitos) e sua internalização (o conhecimento explícito mobilizado em know how).

“Além da aprendizagem individual e grupal, as competências organizacionais são baseadas na interação de habilidades distintivas, sistemas técnicos e gerenciais, processos e ativos e em atitudes culturais e valores que definem competência e excelência em domínios específicos como objetivos valorizados. [...]

As competências são portanto, rotinas de desempenho integrativas que combinam recursos (habilidades e conhecimento, ativos e processos tangíveis e intangíveis) para resultar em posições competitivas superiores.” (DOZ, 1997, p.55)

O autor lembra com muita propriedade que as atitudes culturais e valores são a base das competências centrais que definem competência e excelência. As competências centrais integram o discurso da competitividade, que é passado aos gerentes através da contribuição de vários grupos de interesse, refletindo diferentes níveis de análise e pontos de vista, conforme RODRIGUES, CARRIERI, LUZ (1999). Supõe-se neste trabalho que tal discurso e os valores a ele associados são recriados e reinventados, em cada nível de gerência, por um processo de bricolagem simbólica, que se pretende desvendar.

Se as competências centrais são a principal fonte de vantagens competitivas, os processos de produção e de utilização de tais competências são um recurso difícil de imitar,

uma vez que envolvem aprendizagem tanto individual quanto organizacional. A gestão de competências individuais e organizacionais coloca, então, uma importante questão: como as organizações conseguem criar ou transferir conhecimentos de uma base individual ou grupal, disseminando-os para o âmbito organizacional? O processo de aprendizagem organizacional está necessariamente ligado às competências individuais e organizacionais. Sem essa ponte, a competência individual permanece isolada e restrita a determinados indivíduos e grupos e traz pequena contribuição às organizações, em termos de competitividade.