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Competências: um novo conceito?

É pertinente colocar que a noção de competências, embora anteriormente associada à esfera da educação, vem assumindo diferentes significados em várias outras áreas de atividades, tais como a economia, o trabalho, e a formação profissional. Na esfera do trabalho, vem substituindo a noção de qualificação, e na área da educação, as noções de saberes e conhecimentos, conforme afirmam ROPÉ & TANGUY (1997). Esse fenômeno parece ser conseqüência do deslocamento da atividade de formação, que atualmente é compartilhada por escolas e empresas. Segundo observam as citadas autoras,

“desde o fim dos anos 70 as preocupações com emprego se encontram localizadas no centro do sistema educativo, de diversas maneiras mais ou menos visíveis. Assim, a escola aproximou-se do mundo das empresas por meio de cooperações de todos os tipos...” (ROPÉ, TANGUY, 1997:18).

A transmissão de conhecimentos deixa, assim, de ser monopólio das escolas e verifica-se que o mundo do trabalho, particularmente as empresas, tornam-se importantes atores do processo de formação profissional. A escola, por sua vez, participa cada vez mais do mundo do trabalho, introduzindo nos cursos de formação profissional estágios em empresas, com as quais estabelece parcerias para diversos fins ligados à formação. Nesse contexto, a figura do perito ocupou o lugar do trabalhador, substituindo-se o termo "qualificação" por "saberes" e "competências." Segundo DUCCI (1996) competência é a capacidade para enfrentar e resolver problemas com sucesso em situações de incerteza, novas ou irregulares, na vida do trabalho. É essa imprevisibilidade que diferencia "competência" do conceito tradicional de "qualificação;" é o fator crítico, intangível e o mais difícil de definir, na caracterização de "competência."

De acordo com STROOBANTS (1997), os sociólogos do trabalho apontam uma mudança metodológica, uma vez que as competências dependem do modo como se as considera, isto é, seriam uma construção social dos atores que desempenham papel relevante na organização social. Por essa razão, faz sentido examinar os diferentes conceitos de competência, bem como as diferenças de significação que assume em diversos países.

É bastante significativo que, nas línguas neolatinas, o termo competência (do latim competentia) tenha a mesma raiz que a palavra competir (competere). Na língua portuguesa, competência pode significar um direito ou jurisdição, capacidade, mas também conflito, luta e oposição (CALDAS AULETE, 1964). Na língua espanhola competencia significa ao mesmo tempo competição e competência, como lembra MERTENS (1997). ISAMBERT-JAMATI (1997) observa que o termo e seus correlatos (competir, competente, competentemente) estavam associados à linguagem jurídica no fim da Idade Média, quando se definia a competência dos tribunais para certos tipos de julgamento, isto é, determinava- se a jurisdição legal dos mesmos ou a capacidade reconhecida de se pronunciarem a respeito de determinadas matérias. Aplicando-se a argumentação para a esfera do indivíduo, considera-se que o especialista competente é aquele em quem se reconhece particular capacidade em determinado campo do conhecimento, o que marca a ruptura entre aquele que a detém e os que não a possuem ou a têm de forma incompleta. A competência é então um fator de inclusão/exclusão. Segundo ISAMBERT-JAMATI (1998:105) a noção de competência, com base no senso comum, supõe que :

“...as tarefas a, b e c sejam complexas, organizadas e que, por essa razão, coloquem em jogo uma atividade intelectual importante; essas tarefas sejam cumpridas por especialistas: a noção não pressupõe estas ou aquelas condições de aquisição (a escola, a aprendizagem, a atualização autodidata), mas significa que uma

aquisição particular ocorreu e que, entre aqueles que têm a possibilidade de cumpri-las adequadamente e aqueles que não a têm, a diferença é claramente identificável. Aliás, ela é sempre diferencial.” ( Grifo nosso)

A mesma autora lembra que o uso da palavra no plural denota uma diversidade ou multiplicidade de capacidades e conhecimentos adicionados ou combinados. Enquanto a qualificação pode ser ligada à formação recebida e codificada em categorias ocupacionais que, por sua vez, traduzem-se em uma escala de salários, as competências podem ser adquiridas de várias formas, em instituições de formação, empregos anteriores, estágios, e em outras atividades fora da ocupação, constituindo uma prerrogativa do indivíduo, não estendível aos demais membros de uma categoria profissional. Esta é uma distinção importante entre os conceitos de competência e de qualificação.

MANFREDI (1999) afirma que as noções de qualificação e de competência têm matrizes distintas, ligando a qualificação ao campo das Ciências Sociais, como a Economia (teoria do capital humano de Schutz e Harbison e teorias do planejamento macrossocial), e à Sociologia do Trabalho.

Uma das vertentes que associa a noção de qualificação à Sociologia do Trabalho baseia-se no modelo taylorista (job/skills), que sustenta que os níveis hierárquicos de qualificação legitimam e justificam a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, associando os níveis hierárquicos a esta separação. Já os autores de tradição marxista examinam o trabalho como eixo das noções de qualificação/desqualificação.

Há ainda outra vertente da Sociologia do Trabalho, de linha francesa, representada por Zarifian, Freyssenet e outros, que estuda a qualificação a partir da análise de situações concretas de trabalho. A noção de qualificação associada ao modelo tecnicista (taylorista) vem sendo substituída pela noção de competência. Este conceito é próprio do campo das

ciências humanas, principalmente da Psicologia e da Pedagogia (psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, da psicometria e da avaliação educacional). A "nova qualificação," associada ao modelo pós fordista, é alcançada idealmente por meio da multiqualificação ou polivalência ( domínio de conhecimentos, técnicas e saberes de áreas específicas no interior de disciplinas ) e de rotação de tarefas. Engloba também uma dimensão cultural, requerendo uma cultura colaborativa, caracterizada pela ação conjunta de trabalhadores, grupos e equipes de trabalho, pessoal da área de produção e dos setores de supervisão e comando. Envolve co-determinação e participação ativa, bem como práticas interdepartamentais e interprofissionais colaborativas.

MERTENS (1997) observa que o conceito de trabalho qualificado é indefinido, uma vez que esta denominação é adquirida na fábrica, mas no mercado de trabalho não há indicações sobre os atributos que constituem a qualificação. A isto acresce a dificuldade de classificar e ordenar as qualificações requeridas para os diversos níveis da empresa, além das dificuldades advindas da não-consideração do contexto do trabalho concreto, que pode resultar em uma compreensão equivocada do seu significado. As novas exigências do processo produtivo evidenciam deficiências na qualificação do pessoal, tanto no que tange a habilidades pessoais e sociais, como manuais e mentais, o que requer uma complexa estrutura de atributos, em que o julgamento desempenha um papel importante.

Em virtude de uma mudança significativa ocorrida em relação às práticas do passado, o conceito de qualificação evoluiu, para abranger níveis educacionais mais elevados e distintos em conteúdo. Como lembra MERTENS (1997), ocorre uma complexa diversidade de meios para se chegar ao resultado pretendido, envolvendo a conexão dos diversos elementos das funções, em vários momentos.

Nas empresas, a capacidade de aprender e a seleção do saber utilizável constituem os tipos de aprendizagem estratégicos, não havendo entre ambos uma relação recíproca nem exclusiva, mas um condicionamento mútuo, admitindo diferentes caracterizações.

Consideradas a diversidade e a heterogeneidade das condições de aprendizagem, não faz sentido, dado o escopo deste trabalho, descrever essa qualificação em termos de rotinas. Optou-se pela ênfase nos resultados obtidos. Tratando-se do mercado de trabalho e dos contextos de trabalho concreto, o conceito de competência para a capacidade de aprendizagem parece-nos mais adequado do que um critério teórico desenvolvido dentro do sistema educacional.