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As Aulas Régias na Capitania de Mato Grosso

4. REFORMA DOS ESTUDOS MENORES E OS SEUS DESDOBRAMENTOS NA

4.8 As Aulas Régias na Capitania de Mato Grosso

Andrade (1978) em sua tentativa de explicar o alcance das Reformas Pombalinas na instrução do Brasil, afirma sobre a Capitania do Mato Grosso não ter conseguido nenhuma informação e que por isso deixaria para a posteridade o preenchimento dessa lacuna. Nileide Souza Dourado, em sua tese de doutorado “Práticas educativas e escolarização na Capitania

de Mato Grosso 1748 – 1822”, procurou preencher essa lacuna apontada pelo historiador

português. Esse estudo ajuda muito, de fato, a compreender melhor as Reformas Pombalinas em Mato Grosso, mas ainda deixou um ponto a ser melhor explicado, que é a questão: os dois professores régios aprovados no concurso em 1762, para a cadeira de gramática latina da Vila de Cuiabá, foram mesmo pagos pelo Estado português? Isso veremos mais a frente. Sem muitas delongas, vamos ao assunto para que logo possamos nos defrontar com essa questão que decidimos fomentar.

A Capitania do Mato Grosso originou-se da Capitania de São Paulo em 1748 (após isso, nesse mesmo ano, a Capitania de São Paulo voltara a fazer parte da Capitania do Rio de Janeiro). Desse modo, segundo Dourado (2014), da fundação da Capitania até o início das Reformas Pombalinas foi um período em que o governo desse território esteve preocupado em criar infraestrutura que visasse a defesa da Capitania, como por exemplo, a construção de fortes e fortalezas, demarcação e guarda das fronteiras, domínio das populações nativas que havia na região. Assim, a presença dos padres jesuítas no território não foi algo maciço tal como acontecera em outras partes do Brasil. Isso, contudo, não implica dizer que os jesuítas não tentaram fazer seu trabalho educativo e missionário nessa Capitania. Houve incipientes tentativas, mas elas malograram com a expulsão dos jesuítas. Vamos a elas.

Segundo Dourado (2014), dois padres jesuítas, Estevão de Castro e Agostinho Lourenço, começaram um trabalho missionário e educacional na Capitania na mesma época em que ela fora criada. Esses dois sacerdotes, sobretudo o padre Agostinho, tentaram realizar basicamente o que outros jesuítas fizeram em outras partes do Brasil: colonizar os territórios nativos, trabalhar com catequese e educação dos silvícolas e para sustento do trabalho que empreendiam a criação de atividades agrícolas produtivas e extrativistas, tal como o cultivo da cana de açúcar para os mais diversos fins.

Esse trabalho dos dois inacianos foi interrompido no ano de 1759, quando o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas de Portugal e Conquistas. Até essa data, os jesuítas não tinham ainda construído um colégio nos moldes previstos pelo Ratio Studiorum. A atividade educacional desses missionários resumia-se ainda ao bê-á-bá nas aldeias. Diante disso, Dourado (2014, p. 220) afirma o que ora falamos e em seguida propõe uma questão para prosseguimento do seu raciocínio. Vejamos:

Nessa perspectiva, como não houve na capitania de Mato Grosso, no período colonial, a substituição de um sistema controlado pela Companhia de Jesus, nem por aquele praticado nos moldes de escolarização oficial da Capitania indaga-se o seguinte: Como essa conjuntura política de reformas foi vista pelas autoridades lusitanas e locais? Como essas reformas foram assimiladas pela população da Capitania, habitantes de uma região de fronteira e sertão?

Dessa citação só nos interessa a afirmativa, as questões levantadas pela autora iremos deixar de lado pois não constituem no momento objetos de nossa preocupação. Sobre a questão do Vazio Educacional, como isso fica em relação ao Mato Grosso? Ao nosso ver, as Reformas Pombalinas de 1759 geraram em Mato Grosso um Vazio Educacional no período de 1759 - 1772. Eis a razão pela qual sustentamos essa ideia: por mais que os jesuítas não tivessem ainda um colégio com cursos de Humanidades, Teologia e Filosofia, eles estavam construindo um trabalho educativo e comercial tão intenso que provavelmente, com o transcorrer do tempo, acabariam fazendo o mesmo que os outros jesuítas fizeram nos mais diferentes pontos do Brasil: construção de escolas e solidificação da Ordem. Com efeito, não se pode ignorar que havia um trabalho educacional sendo feito nas aldeias com os nativos, tal como, por exemplo, Anchieta fizera em São Paulo no século XVI.

Não houve por parte do governo português o que ele prometera do Alvará de 28 de junho de 1759, que era a provisão por parte do estado de professores régios, mantidos com dinheiro público e sem custo para as pessoas que viessem a precisar desse ensino. A prova dessa nossa afirmação encontra-se nas palavras do Diretor de Estudos da época, Dom Tomás

de Almeida. Eis o que ele disse sobre a nomeação de professores no Brasil: “Eu bem sei que a decência dos estudos (...) nem se pode remediar emquanto Sua Magestade não nomear professores Regios com ordenados competentes com que possão sustentar-se e ensinar gratuitamente aos seus vassalos, como o tenho feito presente ao mesmo Senhor” (ANDRADE, 1978, p. 44). Os concursos realizados no Brasil para a seleção de professores não foram levados a bom termo pelo Estado. Após a seleção dos professores, o Estado se limitava a liberar que os aprovados ensinassem, mas o encargo financeiro dos docentes ficava sob encargo dos pais dos alunos. Desse modo, o estado ausentou-se da educação e a relegou aos pais. O governo apenas retirou o que existia e não assumiu a responsabilidade de colocar algo no lugar.

Como do Estado a única ação após a expulsão foi o não cumprimento total de suas promessas, consideramos tal ato como um grave erro de responsabilidade e que se não fosse a atuação de pessoas da Capitania o estrago na área da educação teria sido maior. O que queremos dizer com isso? Que, segundo Dourado (2014), até houve em 1762 um concurso público para a provimento de duas cadeiras de gramática latina para a Vila de Cuiabá, mas isso não implica dizer que Portugal cumprira o que prometera no referido Alvará, pois, como afirmou o próprio diretor de estudos da época, Dom Tomás de Almeida, o “Senhor Rei”, em 1765, ainda não tinha nomeado nenhum dos professores aprovados nos concursos feitos no Brasil.

No começo desse estudo sobre a educação na Capitania do Mato Grosso, afirmamos que tínhamos um ponto de discordância com Dourado (2014). Agora é a hora de enfrentar essa questão.

A autora afirma, com base em farta documentação, que em 1762 fora realizado o concurso para dois professores régios de gramática latina, que seriam destinados à Vila de Cuiabá. Os aprovados foram os padres José de Almeida e Manuel Alves. Mais à frente, ela escreveu o seguinte: “Portanto, os professores régios de Gramática Latina, Grego, Retórica e Filosofia e os mestres de ler, escrever e contar constituíram os dois primeiros grupos de professores selecionados, nomeados, pagos e controlados pelo Estado” (DOURADO, 2014, p. 225, grifo nosso). Ela diz que esses dois professores “constituíram” os primeiros a serem pagos pelo Estado, mas não deu a fonte dessa informação. E a objeção que fazemos a isso é justamente pelo fato de termos do próprio Diretor de Estudos da época a confissão que tal movimento por parte do Estado simplesmente não existiu. Aqui deixamos duas possibilidades de saída para essa aporia: 1ª os professores aprovados em concurso foram pagos pelos pais e isso implicaria em flagrante equívoco da autora; 2ª o “Estado” ao qual ela

se refere não seria o Estado Português, mas sim o Governo da Capitania de Mato Grosso. Essa seria uma difícil possibilidade se considerarmos que Capitanias mais desenvolvidas (Pernambuco e Bahia, por exemplo) não pagaram os professores com erário da Capitania. Por que então Mato Grosso o faria se essa Capitania estava preocupada em investir mais na área da segurança? Se essa segunda hipótese proceder, ainda sim caberia por parte da autora uma melhor definição do que ela entende por “Estado”.

Polêmicas à parte, a Capitania de Mato Grosso, tal como a de São Paulo, sofreu com a inércia do Estado Português no âmbito educacional, gerando assim um Vazio Educacional da Coroa em relação à metrópole.

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