• Nenhum resultado encontrado

Ideias pedagógicas e a educação nos séculos XVII e XVIII

3. JESUÍTAS: DE EDUCADORES DA CORTE À EXPULSÃO

3.1 Ideias pedagógicas e a educação nos séculos XVII e XVIII

O desenvolvimento da Ciência na Modernidade deve muito, inicialmente, ao trabalho educativo das escolas da Companhia de Jesus. Galileu Galilei (1564 – 1642), que é considerado o “pai da ciência moderna”, de acordo com Franca (1952) passou pelo sistema de estudos dos jesuítas. Não vamos aprofundar nos feitos desse insigne personagem, mas muito dos seus estudos e descobertas abriram caminho para que o inglês Isaac Newton pudesse elaborar explicações importantes no campo da Física. Só o fato de Galileu, dado o peso do seu nome, ter estudado num colégio da Companhia de Jesus já seria para essa Ordem motivo de ser lembrada eternamente na história do pensamento científico.

Com efeito, outro ilustre homem do pensamento científico também frequentou os colégios da Companhia de Jesus, agora estamos nos referindo a René Descartes (1596 – 1650), que é considerado o fundador da Filosofia Moderna. Além de filósofo, Descartes foi um exímio matemático e o seu Plano Cartesiano, por exemplo, é uma ferramenta que os atuais desenvolvedores de GPS a veem como imprescindível para os seus trabalhos.

A respeito do ensino oferecido pela Companhia de Jesus, Francis Bacon (1561 – 1626), que ao lado de Galileu é um dos fundadores da Ciência Moderna, já dizia em sua época que se alguém quisesse saber de excelência no ensino bastava bater à porta dos inacianos (FRANCA, 1952).

Galileu, Descartes e Bacon são nomes que viveram na mesma época e que de uma forma ou de outra sabiam da qualidade que os colégios da Companhia de Jesus encerravam em si. Os dois primeiros porque foram alunos, o último porque abertamente rasgava elogios ao ensino dos jesuítas. Diante disso, é difícil rechaçar a ideia de que os colégios da Companhia foram fundamentais para o florescimento das ciências modernas.

No entanto, se a ciência moderna deve um pouco do seu início aos colégios da Companhia de Jesus, podemos afirmar que ela se desenvolveu de forma mais intensa fora deles. Isso porque não era objetivo dos jesuítas formar, em suas escolas e universidades, cientistas; o escopo do ensino jesuítico era levar os alunos “ao conhecimento e amor do Criador e Redentor (Jesus)” (FRANCA, 1952, p. 119). Como já vimos, as escolas da Companhia nasceram com a expressa missão de combater o avanço dos reformadores através da formação do cristão. Os planos do Ratio Studiorum foram pensados tendo como norte esse tipo de formação; para que isso fosse possível, o foco da formação deveria ser nas disciplinas teóricas, isto é, nas Humanidades. Com efeito, embora grandes nomes da ciência moderna tenham estudado nos colégios da Companhia, o posterior desenvolvimento de suas teses científicas pouco ou nada tinham a ver com aquilo que aprenderam nos colégios, até mesmo porque Galileu e Descartes tiveram suas obras e pensamentos censurados pelo Index

Librorum Prohibitorum.

Nesse sentido, a educação dos reformadores que tinha se iniciado no século XVI, intensificou-se nos séculos posteriores, atingindo no século XVIII o seu paroxismo. Segundo Luzuriaga (1984, p. 126),

o movimento de intervenção das autoridades públicas na educação, iniciado no século XVI, amplia-se e desenvolve-se no século XVII, e agora dá maior participação ao Estado. É o que ocorre nos países protestantes, enquanto nos países católicos continua decisiva a educação das ordens religiosos e, em especial, a dos jesuítas.

Dentro dessa atmosfera da educação protestante é que veremos nascer os principais nomes da pedagogia moderna do século XVII, tais como o alemão Wolfgang Ratke (1571 – 1635), Jan Amos Comenius (1592 – 1670), que nasceu na região da Morávia (atual República Checa) e o inglês John Locke (1632 – 1704).

Não é nosso propósito estudar todo o trabalho educacional e pedagógico desses autores, vamos apenas ver os seus traços gerais que de certa forma os unificam pedagogicamente. Isso é importante ser feito porque esses nomes são os sustentáculos referenciais dos grandes pensadores que vieram depois.

Nesse sentido, segundo Cambi (1999, p. 282), “Ratke opõe-se à aprendizagem mnemônica, passiva e estéril [...]. Todo conhecimento deve ser atingido através da indução e da experimentação. Com esse método, de forte sabor baconiano, todos os jovens, independentemente das condições econômicas, devem ser instruídos”. Propunha ainda,

segundo Luzuriaga (1984, p. 137) que “deve-se ensinar tudo primeiro na língua materna, para depois passar às estrangeiras”

Comenius, embora tenha uma forte conotação religiosa em sua visão pedagógica, segue também uma linha bastante inovadora para a época em questão. Para ele, a educação deve ser para todos, homens e mulheres, ricos e pobres. Segundo Luzuriaga (1984, p. 141- 142) o método pedagógico para o ensino das ciências são os que se seguem:

Deve ensinar-se o que cumpre saber; O que se ensine, deve ensinar-se diretamente, sem rodeio algum; O que se ensine, deve ensinar-se tal como é, a saber, por suas causas; O que se oferece ao conhecimento deve apresentar- se primeiramente de modo geral e, depois, por partes; Devem examinar-se todas as partes do objeto, ainda as mais insignificantes, sem omitir qualquer uma, levadas em conta a ordem e a relação de umas com as outras.

Como se vê claramente, na visão pedagógica de Comenius deve-se estudar tudo e esse estudo deve ser de tal ordem que ele propicie aos alunos o conhecimento das causas das coisas. Esse estudo, segundo Cambi (1999), tem que se dar através da prática, do aprender fazendo, da experiência.

John Locke, embora seja muito estudado em Filosofia, tem também na pedagogia um lugar de destaque. Segundo Luzuriaga (1984, p. 144), “é considerado o pai do liberalismo moderno e inspirador das ideias que serviram de base à constituição política da França e dos Estados Unidos da América. Em pedagogia ocupa lugar destacado, tanto por suas ideias como pela influência que exerceu em Rousseau e, por meio dele, em toda a pedagogia moderna”. Locke, quando fala sobre a educação escolar, segundo Cambi (1999), não segue a mesma linha de Ratke e Comenius de pensar uma escola para todos. O modelo escolar de Locke é para a formação da classe dominante, do gentleman. Mas não é nesse ponto que queremos nos deter. Para o empirista britânico, o ser humano, no momento do nascimento, é uma tábula rasa, isto é, não tem ainda conhecimento sobre o mundo e as coisas em seu cérebro. Esse conhecimento só vai se processar na medida em que o indivíduo fazer a experiência das coisas. O conhecimento não se dá por iluminação divina, mas por esforço e vivência, em outras palavras, pela experiência. Com efeito, a conclusão óbvia que chegamos desse raciocínio é que na visão de Locke a empiria deve ter um lugar de destaque no processo de aprendizagem.

Não teremos espaço aqui para aprofundar no pensamento dos pedagogos do século XVIII, tais como Condillac (1715 – 1780), Diderot (1713 – 1784), Helvetius (1715 – 1771), Rousseau (1712 – 1778), Basedow (1724 – 1790), La Chalotais (1701 – 1785), Condorcet

(1743 – 1794), Kant (1724 – 1804), Pestalozzi (1746 – 1827) etc., nos importa é que “o século XVIII é o século pedagógico por excelência. A educação ocupa a primeira plana nas preocupações dos reis, pensadores e políticos” (LUZURIAGA, 1984, p. 149). O certo é que todo esse escol de pedagogos é fruto daquilo que foi produzido no século que os precedeu.

O século XVIII é o período da Revolução Industrial e da consolidação da burguesia no plano político, do início da superação do Antigo Regime no âmbito europeu. Nesse contexto, os países de cunho protestante, com uma classe burguesa vibrante, não deixarão mais a educação sob a batuta das Ordens religiosas; ao contrário, ela deverá ficar ao encargo do poder público cuja finalidade é a formação de cidadãos que farão a diferença para o progresso dos seus respectivos países, progresso esse estreitamente ligado à questão econômica. Em terras alemãs, segundo Luzuriaga (1984), por meio de Frederico Guilherme I (1688 – 1740) e Frederico II (1712 – 1786) é que projetos de estatização das escolas serão levados a cabo.

Em suma, essas considerações que fizemos acerca das tendências pedagógicas e das instituições escolares serão o norte de ação das grandes nações europeias. Qualquer movimento nesses aspectos que ainda tenham o ranço do Antigo Regime está na contramão da marcha histórica. Dar enfoque aos estudos práticos, ênfase na experiência, a ideia de educação para todos, educação para a formação do cidadão e a escola laica sob a responsabilidade do poder público: eis os traços mais distintivos do pensamento pedagógico e das escolas nesse período. Feito todo esse processo de análise histórica é justo agora que façamos a seguinte pergunta: em qual lugar Portugal se encaixa diante de tudo isso? Segue o fluxo das mudanças ou prefere o papel de retardatário? Isso analisaremos com mais vagar no próximo tópico.

Documentos relacionados