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Vicissitudes na região norte da colônia

3. JESUÍTAS: DE EDUCADORES DA CORTE À EXPULSÃO

3.9 Vicissitudes na região norte da colônia

Com o objetivo de modernizar vários aspectos da prática econômica de Portugal o Marquês de Pombal nomeou para o governo do estado do Grão-Pará e Maranhão o seu irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700 – 1769). Nessa época, como ilustra o Mapa 4, Portugal entendia que o Estado do Brasil e Grão-Pará e Maranhão como unidades administrativas separadas.

Mapa 4: Os dois estados da América Portuguesa em 1772

Segundo Falcon (1993), as linhas gerais do pensamento pombalino acerca da governação eram as seguintes: a Coroa precisava submeter e centralizar tudo ao seu poder, inclusive a Igreja (entendamos por Igreja sobretudo a Companhia de Jesus). Foi com essa diretriz em mente que Mendonça Furtado fora enviado às terras além-mar. Realizar essa tarefa não seria algo simples, afinal, os missionários, sobretudo os jesuítas, há muito tempo estavam nas regiões amazônicas fazendo o seu trabalho missionário. Com o tempo, os jesuítas, por meio da atividade missionária em suas reduções, não se limitaram apenas ao exercício do poder espiritual. Ao contrário: estabeleceram-se ao mesmo tempo como mandatários no aspecto civil. Solapar essas bases, que já estavam solidificadas, era o que o irmão de Pombal precisava fazer.

Para Falcon (1993), o ponto nevrálgico sobre o Estado do Grão-Pará e Maranhão resumia-se em saber quem dominaria a mão de obra indígena, isto é, colonos ou os jesuítas. A preocupação com o trabalho dos nativos tinha uma razão bem fundamentada, pois era por meio deles que os padres da Companhia de Jesus conseguiam explorar os recursos naturais da região e assim obter altos lucros com o trabalho dos indígenas. Segundo Assunção (2009), no interregno entre 1743 a 1754, 78% do cacau, 82% do café, 96% da salsaparrilha, e 68% do açúcar que eram importados por Portugal eram enviados pela Companhia de Jesus do Grão- Pará, com o concurso do trabalho dos nativos.

Na administração desses bens, os religiosos portavam-se de forma semelhante aos agentes econômicos leigos. Os jesuítas gerenciavam uma grande empresa moderna, conforme a lógica dos latifúndios monocultores. E como o principal da produção se destinava ao mercado europeu, eles estavam atentos às oscilações das cotações do açúcar, buscando redirecionar a produção para outros produtos agrícolas e aplicando as receitas na compra de propriedades para arrendamento, demonstrando sintonia com as regras do jogo do capitalismo em ascensão. Concorriam, pois, com os empreendedores seculares em condições vantajosas, pois, além de contar com frequentes doações, com os favores reais de isenção de tarifas, desfrutavam da mão de obra gratuita dos índios reunidos em aldeamentos dirigidos pelos jesuítas. Ato contínuo, passaram a ser acusados pelos empreendedores seculares de concorrência desleal, de exploração dos indígenas e de serem lesivos aos interesses da Coroa (SAVIANI, 2011, p. 68-69).

A Coroa, com o objetivo de tirar da Companhia de Jesus o controle econômico na região do Grão-Pará e assim defender o monopólio comercial, criou, em 1755, a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Com a criação dessa Companhia,

[...] era proibido aos jesuítas negociarem a venda de produtos de forma livre, a fim de obterem melhores preços; era vedado, também, o envio de mercadorias para os padres-procuradores comercializarem em Portugal, ficando obrigados a entregar seus produtos nos armazéns da Companhia Geral, conforme faziam os demais produtores (ASSUNÇÃO, 2009, p. 205).

Essa modernização pretendida pelo Marquês de Pombal, evidentemente, não seria aceita de bom grado pelos inacianos. Desse modo,

Os religiosos não tardaram a se posicionar a favor da liberdade de comércio, ideia que dos púlpitos seguiu para articulações políticas com negociantes prejudicados pelas novas medidas. Estes fatos implicaram numa petição ao rei de Portugal para que anulasse o monopólio concedido à Companhia Geral, documento redigido pelo padre Bento da Fonseca, procurador geral das missões no Pará e Maranhão, ato que o Marquês de Pombal considerou como um levante conspiratório contra o poder real (ASSUNÇÃO, 2009, p. 205)

Os jesuítas, com essa afronta aos desígnios econômicos de Pombal, apenas reforçavam para a Coroa que os interesses da Companhia de Jesus não coincidiam com os de Portugal. A “Dedução Cronológica”, de acordo com Laerte Ramos de Carvalho, registrou essa situação da seguinte forma: “não há jesuítas portugueses e jesuítas espanhóis porque são na realidade os mesmos jesuítas que não conhecem outro soberano que não seja o seu próprio geral, outra nação que não seja a sua própria sociedade” (CARVALHO, 1952, p. 33).

O poder político dos padres inacianos sobre os indígenas, o controle territorial e comercial que tinham na mais rica colônia e o poder de influência ideológica que a Companhia de Jesus tinha nos desígnios de Portugal deixavam claro ao Marquês de Pombal e à sua equipe administrativa que se a Coroa quisesse de fato sair da letargia econômica e buscar modernizações econômicas isso, de forma alguma, seria feito com a presença de um poder paralelo tão grande como o dos inacianos. Colocar os jesuítas para fora de Portugal já não parecia uma ideia tão absurda, ao contrário, uma voz tentadora deveria soprar todos os dias nos ouvidos do poderoso Marquês de que essa seria a solução para todos os males da nação.

Pombal, no entanto, achara uma alternativa à expulsão dos jesuítas: sancionar leis que objetivassem colocá-los no lugar que lhes era devido: na lida somente com as coisas espirituais e, consequentemente, deixando os rumos dos negócios mundanos nas mãos do poder político real. Sob essa ótica, devemos entender as resoluções tomadas pelo governo de Portugal, que são:

1ª - Alvará de Lei, de 4 de abril de 1755, em nome de povoar os domínios lusos na América, estimulava o casamento de portugueses com nativos;

2ª - Lei de 6 de junho de 1755, que restituía aos índios do Grão-Pará e Maranhão a sua liberdade enquanto pessoas humanas, podendo assim ter seus bens e comercializar da forma que bem entendessem;

3ª - Criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e o fim do poder temporal dos religiosos sobre os indígenas.

Segundo Prado Júnior (1997, p. 94),

A legislação pombalina relativamente aos índios é uma síntese daquelas tendências opostas referidas. Aceitou a tese jesuítica da liberdade dos índios, da necessidade de educá-los e os preparar para a vida civilizada, e não fazer deles simplesmente instrumentos de trabalhos nas mãos ávidas e brutais dos colonos [...] Adotou mesmo as linhas-mestras da organização jesuítica: concentração de índios em povoações sujeitas a um administrador que devia zelar pela sua educação e pelos seus interesses; bem como medias de resguardo contra os colonos. Mas doutro lado, não os poupou da comunhão colonial, e não só impunha o emprego da língua portuguesa e permitia a utilização do trabalho indígena como trabalhador assalariado, mas ainda permitia e fomentava o maior intercâmbio possível entre as duas categorias de população.

Mais à frente, em relação ao fim do poder temporal dos religiosos sobre os nativos e quais seriam de fato as incumbências dos jesuítas, Prado Júnior (1997, p. 94) é preciso:

O Mínimo que um poder soberano como a coroa portuguesa podia exigir, era naturalmente estender normalmente a sua soberania sobre todos os súditos. Os índios estavam no número destes; era pelo menos o que se queria, e a autoridade e prestígio dos padres formavam uma parede estanque além da qual se anulava o poder real. Não podia por isso deixar de ser demolida. É impossível assimilar os eclesiásticos, sobretudo quando uma organização com visos de soberania política, como é o caso dos jesuítas, a simples administradores sujeitos ao poder régio. A função deles não devia e não podia ir além das clericais que propriamente lhes competiam. Conceder-lhes o poder temporal, a experiência o demonstrara, era dar-lhes um poder político soberano.

Enfim, esse raciocínio desenvolvido por Prado Júnior (1997) dá sustentação ao que estamos desenvolvendo: o poder da Companhia de Jesus (aqui nos referimos ao poder em todas as esferas) era de tal magnitude que não restava mais à Coroa outra alternativa senão a de ceifar na base um domínio que não conhecia limites. Se levarmos em conta o que já analisamos sobre o que representou no plano prático, político, espiritual e ideológico a Companhia de Jesus em Portugal e seus domínios já teríamos motivos mais do que suficientes para entender as razões que levaram o Marquês de Pombal a expulsar essa referida Ordem de

Portugal. Contudo, antes de analisarmos a expulsão dos jesuítas vamos ainda nos deter em mais um acontecimento que praticamente selou a sorte dos filhos de santo Inácio: a tentativa de regicídio pelos Távoras.

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