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Os professores e o ensino do Latim

4. REFORMA DOS ESTUDOS MENORES E OS SEUS DESDOBRAMENTOS NA

4.3 Demais aspectos do Alvará de 28 de junho de 1759

4.3.2 Os professores e o ensino do Latim

O Alvará traz a proibição de se ensinar pelos métodos dos jesuítas e ainda elenca quais livros podem ser utilizados pelos professores. Estabelece que as aulas devem ser gratuitas e que o salário dos professores seria pago pelo estado, configurando assim uma educação estatal. A esse respeito, Saviani (2004, p. 17) observa que não podemos ainda falar de um ensino totalmente público, afinal “a responsabilidade do Estado se limitava ao pagamento de salário do professor e às diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada, deixando a cargo do próprio professor a provisão das condições materiais relativas ao local, geralmente sua própria casa”. Caso algum professor ousasse não seguir as normas estabelecidas, a letra da lei previa sanções severas. Vejamos:

E todo aquelle, que usar na sua Escola da dita Arte, ou de qualquer outra, que não sejão as duas assima referidas, sem preceder especial, e immediata

licença minha, será logo prezo para ser castigado ao meu Real arbitrio, e não poderá mais abris Classe nestes Reinos, e seus Dominios (PORTUGAL, 1759a, grifo nosso).

Os professores desse sistema seriam escolhidos por meio de concurso público no qual seriam constatadas as competências dos postulantes ao magistério. Nem mesmo os professores que quisessem ensinar de forma particular poderiam fazê-lo se não tivessem se submetido aos exames públicos.

Fóra das sobreditas Classes não poderá ninguém ensinar, nem publica, nem particularmente, sem a approvação, e licença do Director dos Estudos. O qual, para lha conceder, fará primeiro examinar o Pertendente por dous Professores Regios de Grammatica, e com a approvação destes lhe concederá a dita licença: Sendo Pessoa, na qual concorrão cumulativamente os requisitos de bons, e provados costumes, e de sciencia, e prudencia: E dando-se-lhe a approvação gratuitamente, sem por ella, ou pela sua assignatura se lhe levar o menor estipendio (PORTUGAL, 1759a).

Como o critério de seleção dos docentes era para ser de alto nível, o governo português entendeu o seguinte: os que conseguissem chegar ao cargo público de professor, tarefa que exigiria muito preparo didático e intelectual do aspirante, deveriam ser tratados à altura dos esforços que empreenderam. Nesse sentido, os professores das Aulas Régias gozariam do status de “Nobres”. “Todos os ditos Professores gozarão dos Privilégios de Nobres, incorporados em Direito Commum, e especialmente no Código, Título = De Professoribus, et Medicis” (PORTUGAL, 1759a).

Segundo Falcon (1993), pertencer à nobreza lusa no século XVIII significava do ponto de vista legal desfrutar de tratamento diferenciado no âmbito da legislação. O governo Josefino, por meio de Pombal, fizera reformas nas estruturas jurídicas de Portugal. O Direito Canônico sofrera profundas limitações, pois os padres passariam a responder também para a legislação civil e não mais exclusivamente na esfera religiosa. A Nobreza, desde que identificada com os interesses industriais e econômicos da nação, teria lugar privilegiado no aparato legal luso. Assim, é nesse contexto em que o governo procurou valorizar a figura do nobre, desde que esse não fosse o famigerado “nobre parasitário”, que os professores régios receberam a honra de poderem fazer parte dessa distinta classe.

Vemos com a elevação dos professores (todos os professores régios, não só os de Latim) ao grau de nobres uma coerência, pelo menos do ponto de vista retórico, do governo português. Ora, se dos estudos dependem “a felicidade dos povos e a saúde da monarquia” então nada mais justo do que tratar de forma nobre os funcionários que são os responsáveis

por tão sublime tarefa. Não dar essa supracitada dignidade aos docentes seria algo no mínimo contraditório, se levarmos em conta o discurso que fora adotado acerca da importância dos estudos.

Esses “Nobres Professores” (que se usassem os métodos antigos dos jesuítas poderiam ser presos e castigados) deveriam seguir quais materiais para o ensino da língua latina? Responde o Alvará que “por essa razão somente devem uzar os professores do Methodo abreviado feito para uso das Escolas da Congregação do Oratório, ou da Arte de Gramática Latina reformada por Antonio Felix Mendes, que tem as referidas circunstancias” (PORTUGAL, 1759a). A arte feita para uso das escolas dos oratorianos trata-se do Novo

Método da Gramática Latina (1753), do padre Antônio Pereira de Figueiredo. Para uso em

sala de aula só eram permitidos os livros dos padres Mendes e Figueiredo. No entanto, se os professores quisessem estudar por conta a fim de melhorarem suas capacidades intelectuais, o Alvará até nesse ponto indicava o que podia ser usado. Vejamos: “poderão porem os professores ter, e uzar da Grammatica de Vossio, Scioppio, Port-Roial, e de todas as mais deste merecimento, para a sua instrucção particular, e não para gravar aos Discipulos” (PORTUGAL, 1759a). Mais adiante, o Alvará cita o padre Verney e sua obra como algo que deva ser seguido na hora de explicar as regras de ortografia. Verney, o intelectual que tanto lutara por mudanças na educação lusa, recebera agora sua recompensa: ficara para sempre gravado na história de Portugal como sendo uma referência na “verdadeira forma de se estudar”. Verney, assim, teve o privilégio que muitos intelectuais não têm: em vida ver o seu trabalho reconhecido.

O rompimento com o método dos jesuítas não implicou numa separação total com a religião cristã. Falcon (1993) alerta nesse sentido que as mudanças pombalinas não são contra a noção de sagrado em si, mas sim direcionadas a seguimentos mais politizados da religião católica. Ou seja, a fé era ainda algo a ser preservado nos estudos menores. Claro que não com a ênfase dos jesuítas, que previa no Ratio Studiorum que o fim dos estudos consistia em que os alunos conhecessem e amassem a Deus. O desiderato da Coroa era formar cidadãos preparados para as mais variadas áreas da sociedade, mas que em essência essas pessoas tivessem os valores cristãos, que deveriam ser cultivados nas escolas menores. Nesse sentido, alerta aos docentes o que se segue:

Devem os Professores instrui-los nos Mysterios da Fé, e obrigallos a que se confessem; e recebão o Sacramento da Eucharistia infallivelmente em hum dia de cada mez; o qual dia será algum Domingo, ou outro feriado: E lhes

persuadirão o respeito, e devoção, com que devem chegar áquelles Sacrosantos Actos (PORTUGAL, 1759a).

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