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Os jesuítas e o “Processo dos Távoras”

3. JESUÍTAS: DE EDUCADORES DA CORTE À EXPULSÃO

3.10 Os jesuítas e o “Processo dos Távoras”

Colocar em vigor uma política econômica que alavancasse Portugal da estagnação não seria tarefa simples. Isso porque, como já tivemos a oportunidade de estudar nessa segunda seção, a nação lusa vivia em pleno século XVIII praticamente como se ainda estivesse cristalizada no período medieval. Até a ascensão de Dom José I ao trono, que se deu em 1750, e de Sebastião José de Carvalho e Melo como primeiro ministro, as estruturas da sociedade lusa existiam para favorecer e perpetuar o Antigo Regime, conforme Falcon (1993). Seria natural que o governo, ao propor mudanças, encontrasse resistência dos braços que suportavam esse modelo social: estamos falando da nobreza e do clero. Em relação ao clero já explicamos duas grandes situações (na questão dos povos das Sete Missões, no sul, e na administração do Grão-Pará e Maranhão) em que ele atuou como empecilho aos desígnios do país. Agora, veremos como a pequena burguesia mercantil e uma parte da nobreza reagiram aos atos de Pombal.

O projeto de monopolização das atividades comerciais, por meio da Criação das Companhias Gerais, foi algo que irritou os pequenos comerciantes de Portugal, afinal, eles viram praticamente seus negócios serem engolidos pela máquina estatal. Segundo Falcon (1993), a Mesa do Espírito Santo dos Homens de Negócio que procuravam o bem comum do

comércio era um órgão oficial, cujo prestígio crescera no período final do reinado de D. João

V, e a sua finalidade era atuar pelos interesses dos pequenos burgueses. Nesse sentido,

Foi talvez por esse motivo que seus integrantes sentiram-se animados a protestar , em 1755, contra a criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, dado o seu caráter monopolístico e o perigo que representava para o comércio livre. Daí encaminharem ao rei D. José, os “Deputados da Mesa do Espírito Santo dos Homens de Negócio”, uma Representação contra a Companhia que em nome da praça de Lisboa se estabeleceu para o Estado do Grão-Pará e Maranhão (FALCON, 1993, p. 376).

O governo não poderia aceitar tal ato de insubordinação e ingerência. Desse modo, decretou o fim da referida “Mesa” e no seu lugar criou, em 30 de setembro de 1755, a Junta de Homens de Negócios (ou Junta do Comércio). Evidentemente que esse novo órgão estaria plenamente alinhando aos interesses do estado Português. Com esse ato, “a pequena e média

burguesia mercantil deveria calar-se à espera de dias melhores, ou aguardar que seus porta- vozes ingleses dissessem às claras aquilo que só era possível dizer em segredo” (FALCON, 1993, p. 376). Não podemos deixar de registrar que os inacianos ficaram mal vistos nessa questão, afinal, eles já tinham se postado contra a criação das Companhias. Desse modo, a Coroa entendeu que, por trás desses protestos, os instigadores à confusão e ao motim eram os padres jesuítas.

A situação em Portugal ficou crítica mesmo quando, no dia 3 de setembro de 1758, o rei de Portugal, D. José I, foi vítima de uma tentativa de assassinato. O Marquês de Pombal aproveitou o momento, tomou as rédeas e agiu da forma que entendia ser a cabível para a situação.

Fueron hechos más de mil prisioneiros; las confissiones de los reos fueron obtenidas mediante tortura, lo cual estaba conforme con la ley; pero los proprios testigos de la acusasión fueron sometidos a tormento, cosa que no permitía la ley. Asimismo, los jueces fueron autorizados a inventar la pena a imponer a los reos condenados, porque, de las que la ley preveía, ninguna pareció suficientemente severa19 (SARAIVA, 1989, p. 295, tradução nossa).

Após investigações sobre essa tentativa de assassinato de Dom José I, os resultados da investigação apontaram para pessoas da mais alta classe portuguesa: o 8º Duque de Aveiro, José de Mascarenhas da Silva e Lancastre (1708 – 1759), o 3º Marquês de Távora, Francisco de Távora (1703 – 1759), sua esposa, a Marquesa Leonor Tomásia de Lorena e Távora (1700 – 1759), o 11º Conde de Atouguia, Jonónimo de Ataíde (1721 – 1759) e o padre jesuíta Gabriel Malagrida (1689 – 1761). De fato, essa porção poderosa da nobreza lusa, juntamente com os jesuítas, alimentava, em comum, ódio ao estilo de governo do Marquês de Pombal. As reformas que tinham sido feitas até então, no sentido de monopolizar as atividades comerciais e colocar a Coroa sobre todos – inclusive a Nobreza e o Clero – eram atos que atingiam em cheio esse grupo de aristocratas. Pombal, por sua vez, não sentia coisa diversa por esses indivíduos, afinal, eles representavam, para o primeiro ministro, sérios entraves aos seus desígnios.

As punições aos envolvidos nesse atentado começaram a ser executadas em janeiro de 1759. Em setembro desse mesmo ano, o rei de Portugal, Dom José I, escreveu ao Cardeal

19Foram feitos mais de mil prisioneiros; as confissões dos prisioneiros foram obtidas por meio de tortura, que

estava de acordo com a lei; mas as próprias testemunhas da acusação foram submetidas a tormentos, algo que a lei não permitia. Além disso, os juízes foram autorizados a inventar a pena a ser imposta aos prisioneiros condenados, porque, daqueles que a lei previa, nenhum parecia suficientemente severa para a situação em questão.

Patriarca de Lisboa e Reformador Geral da Companhia de Jesus, Francisco de Saldanha Gama (1723 – 1776), e disse o seguinte:

Quando os das Provincias destes Reinos se achavão mais redundantes dos beneficios e das honras, que tinhão recebido, e estavão profusamente recebendo da Munificencia dos Senhores Reis, Meos Gloriosissimos Predecessores, e da Minha Real beniginidade; se achavão arbitros da educação dos Meus Vassalos; se achavão Diretores geraes das suas consciencias; se achavão mais chegados ao Meu Throno, do que quaesquer outros Religiosos; então eh que maquinarão as clandestinas e violentas usurpações, que tinham feito no Norte e no Sul do Brazil, não só dos Meus Dominios, mas tambem da liberdade e da honra e fazenda dos Habitantes delles: Quando virão, que as ditas usurpações não podião deixar de ser descobertas pela execução do Tratado dos Limites, passárão logo (para invalidallo, e se manterem a si nas mesmas usurpações) a animar contra a Minha Real Pessoa e Governo alguns Principes Soberanos [...], passarão a suscitar dêntro no Meu Mesmo Reino sedições intestinas, e armar por ellas contra Mim e Meus mesmo Vassalos, em quem achárão disposições para os corromperem; até os precipitarem no horroroso absurdo, com que na noite de 3 de Setembro do anno proximo passado attentarão contra a Minha Real Pessoa, com infidelidade e infamia, nunca imaginadas entre os Portuguezes: Quando finalmente errárão aquelle abominavel golpe contra a Minha Real Vida, que a Divina Providencia preservou com tantos e tão decisivo milagres (DOM JOSÉ I, 1759, p. 720).

Essa carta de Dom José I contém elementos de suma importância para fecharmos o entendimento dessa questão. Nela vemos que os episódios ocorridos no sul e no norte da colônia portuguesa na América sacramentaram que os interesses da Companhia de Jesus e da Coroa estavam em direções opostas. Na prática, os jesuítas, pela sua influência construída ao longo dos séculos, achavam-se dentro do estado português praticamente como se fossem pertencentes a um Estado que lhes era próprio. A Coroa, vendo e sentindo isso na prática, procurou solapar esse prestígio dos inacianos, afinal, ter entre os vassalos uma Ordem que não deseja fazer parte da vassalagem é algo lesivo para qualquer governo e contraditório em seus próprios termos. As medidas tomadas pelo Marquês de Pombal geraram nos jesuítas tal descontentamento que, segundo palavras do próprio rei, começaram então a tramar, com os nobres mais poderosos de Portugal, contra a vida do monarca, visando evidentemente a usurpação do poder.

Segundo a ótica do governo, a sede de poder dos jesuítas chegara a pontos nunca vistos por uma Ordem religiosa na história de Portugal. A ambição era tamanha que os inacianos tinham a capacidade de trazer para as suas maquinações frações poderosas da sociedade portuguesa. Diante de uma situação sem precedentes como essa, a administração lusitana optou que esses inconfidentes recebessem uma punição de tal magnitude que os que

se lembrassem dela sentissem tanto horror e medo que jamais pensassem em fazer o mesmo. Esse foi o desfecho do “Processo dos Távoras”.

Para Falcon (1993), toda essa situação marcou uma ruptura irreconciliável entre o governo, de um lado, e, do outro, os padres da Companhia de Jesus e uma parcela da nobreza que era mais fiel aos inacianos do que ao rei de Portugal.

É nesse contexto que precisamos entender a expulsão dos jesuítas de Portugal e de seus domínios e a necessária reforma dos estudos menores, de 1759. Não foi primeiramente a necessidade de reformar os estudos que levou a Coroa ao rompimento definitivo com a Ordem, mas sim a urgência de manter o domínio político e a soberania nacional, que, segundo os partidários de Dom José I, estavam seriamente ameaçados com a presença dos jesuítas. Como tivemos a oportunidade de analisar, Portugal de fato já vinha num movimento de renovação cultural, por meio das ideias dos estrangeirados. Claro que cedo ou tarde, para que essa renovação atingisse seu termo, seria imprescindível uma reforma nos estudos. Contudo, as coisas aconteceram de tal forma em Portugal que a Coroa se viu no compromisso inadiável de romper definitivamente com os jesuítas; com essa quebra de relação, tudo o que estivesse relacionado aos jesuítas sofreria sérias perseguições.

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