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As dimensões da atuação do Coordenador de Curso

2 O Processo de Aprendizagem de Coordenadores de Curso em Instituições de Ensino

2.2 As dimensões da atuação do Coordenador de Curso

As relações que ocorrem no contexto das instituições de ensino superior apresentam características que as diferem de outras organizações: o produto de seu trabalho é o conhecimento. Pessoas integram as IES respaldadas por diversos tipos de saberes que, via de regra, costumam preconizar a independência de ideias e ideais e a autonomia em suas decisões (KANAN; ZANELLI, 2003).

O trabalho do coordenador de cursos é caracterizado pela formação continuada em serviço. O coordenador favorece a tomada de consciência dos professores sobre suas ações e o conhecimento sobre o contexto, pois subsidia e organiza a reflexão das razões de suas escolhas pedagógicas e as dificuldades que enfrentam para desenvolver seu trabalho (GARRIDO, 2000, p. 9).

O Projeto Político-Pedagógico – importante instrumento para a concretização das políticas educacionais – precisa ser articulado pelo coordenador, bem como explicitado e debatido com seus pares, auxiliando esse exercício de reflexão.

Garrido (2000, p.9) também mostra que o coordenador deve estimular o processo de tomada de decisão visando à proposição de alternativas para superar as dificuldades encontradas e promover a constante retomada da atividade reflexiva para readequar e aperfeiçoar as ações implementadas, pois assim propicia condições de desenvolvimento profissional dos participantes e os torna autores de suas próprias práticas.

A autora destaca o papel de formador, articulador e transformador desse profissional e a necessidade de que este crie soluções que atendam diferentes realidades.

O coordenador como formador tem o papel principal de oferecer condições para que seu corpo docente aprofunde-se em sua área específica e a trabalhe bem; como articulador, precisa oferecer condições para que os professores trabalhem coletivamente as propostas curriculares; e como transformador, auxiliar os professores a serem reflexivos e críticos em sua prática (GARRIDO, 2000, p. 9-10).

O coordenador de curso no processo de reflexividade precisa, por vezes, propor mudanças nas práticas vigentes, o que é desafiador à medida que o reconhecimento de limites e deficiências do próprio trabalho é tão relevante quanto a implementação de novas técnicas e modelos. Segundo Garrido (2000, p.10), mudar práticas significa “lançar olhares questionadores e de estranhamento para práticas que nos são tão familiares que parecem verdadeiras, evidentes ou impossíveis de serem modificadas”.

Ainda segundo a autora, essa mudança pode significar a alteração de valores e hábitos, enfrentar conflitos entre os atores (professores, alunos, hierarquia da instituição e a sociedade em que se insere) originados de visões de mundo, valores, expectativas e interesses diferentes, além de mudar as formas de relacionamento entre eles, o que impacta na estabilidade da estrutura de poder, além dos riscos de novos conflitos e frustração, ou seja, mudança de práticas significa mudanças em toda a cultura organizacional.

Para Garrido (2000, p.11), as necessidades apresentadas no cotidiano dessas instituições são muitas, assim como as urgências. A autora refere-se também à falta de compreensão, ao mau delineamento das atividades que os coordenadores realizam e aos poucos parceiros que possuem no ambiente acadêmico, dificultando, desse modo, a troca de conhecimentos e experiências entre seus pares.

Placco e Souza (2010, p.48) mostram que o coordenador é responsável pela ação de coordenar, o que implica articular vários pontos de vista ou atividades em direção a um objetivo comum, resultando em práticas mais efetivas e melhor qualidade no processo ensino/ aprendizagem. A impossibilidade de o coordenador realizar a mediação dos diversos processos que se desenvolvem no ambiente acadêmico é mais um elemento dificultador para a implementação de relações e práticas de melhor qualidade.

A atuação da coordenação pedagógica se dá no campo da mediação; o coordenador precisa acolher e engendrar, todavia precisa também questionar, desequilibrar, provocar, sempre disponibilizando subsídios que permita o crescimento do grupo (VASCONCELLOS, 2009).

Placco e Souza (2010, p.51) trazem a perspectiva da psicologia histórico-cultural, mostrando que a aprendizagem de um conhecimento novo depende da interação com outros, ou seja, colocam como condição a relação interpessoal; a aprendizagem é entendida como social e contextualmente situada, como processo de reconstrução interna de atividades externas em que a relação social que constitui a mediação tem papel fundamental.

Portanto, para as autoras, um dos domínios necessários ao coordenador é o conhecimento de seu grupo de trabalho – aspectos grupais e individuais, histórias de cada um, seus valores e crenças, desejos e motivações, formação e experiências, conhecimentos que domina, suas representações sobre a instituição, sobre o ensino, sobre o aluno e sobre a aprendizagem. Eles precisam também se apropriar do contexto de atuação das pessoas do grupo – a própria instituição com suas políticas, propostas e os atores que dela participam.

A subjetividade, a memória e a metacognição são alguns dos saberes necessários para que o coordenador possa garantir o processo de mediação (PLACCO; SOUZA, 2010, p.52).

Por subjetividade, entende-se:

Característica própria de cada um, em permanente constituição, construída nas relações sociais, que permite à pessoa um modo próprio de funcionar, de agir, pensar, ser no mundo, modo este que a faz atribuir significados e sentidos singulares às situações vividas. É o que faz cada um ser diferente do outro, diferença esta que tem origem nas significações atribuídas às experiências vividas, que por sua vez são produzidas no social (PLACCO; SOUZA, 2006, p.43).

A apropriação do conhecimento é única e singular, experienciada de modo diferente pelos atores envolvidos, portanto, a subjetividade no processo de aprendizagem precisa ser considerada pelo coordenador de curso pela tensão que envolve os processos de apropriação do conhecimento, a relação do sujeito consigo mesmo e com os grupos, a complexidade individual e coletiva, enfim, observar que nesta subjetividade está a essência da formação de seu grupo (PLACCO; SOUZA, 2010, p.55).

A memória enriquece com seus conteúdos e significados a percepção do aprendiz na relação com o conhecimento, dando sentido a essas relações, possuindo um papel mediador nos processos de aprendizagem, pois registrada, pode ser analisada e compartilhada (PLACCO; SOUZA, 2010, p.53).

Assim, os significados atribuídos à experiência resgatada pela memória podem ser atualizados e reposicionados, ganhando novo significado. A experiência de cada um passa a ser compreendida como um recurso para novas interpretações da realidade e da própria experiência, fazendo com que a memória passe a ser matéria-prima para a possibilidade de transformação (PLACCO; SOUZA, 2010, p.53).

O coordenador pode retomar os projetos já realizados com sua equipe e por meio da memória, mudar sua interpretação, possibilitando outras escolhas e compreensões, definindo criticamente o que pode ter continuidade ou não, o que inova e o que cria nos processos relacionais entre memórias e pessoas, proporcionando a transformação das pessoas e do ambiente que se encontra. A memória, aliada à intencionalidade, reposiciona as experiências do grupo e contribui para sua formação coletiva e individual, afirmando o laço indivíduo/grupo (PLACCO; SOUZA, 2010, p.54).

A metacognição, considerada um importante saber do papel do coordenador refere-se à capacidade de pensar sobre sua própria aprendizagem e de sua maneira de pensar e aprender. Para Placco e Souza (2010, p.55), é um processo individual que deve ser promovido pelo coordenador não apenas a ele próprio, como também à sua equipe.

Para as autoras, memória, metacognição e subjetividade podem ser consideradas em conjunto, pois a experiência e os sentidos que atribuem a ela são singulares e geram ações e reações diferenciadas. O coordenador deve ter em vista essa diversidade de sentidos para que coletivamente se configurem novos significados. Essa subjetividade se revela e se apura no grupo, ao acatar e compartilhar sentidos e significados em que o respeito de um pelo outro pode, de forma simultânea, possibilitar mudanças no modo de se perceber e perceber o outro, gerando novas aprendizagens e mudanças de atitudes e, assim, novas práticas.

Placco e Souza (2010, p.60), mostram que os saberes do coordenador pedagógico são muitos à medida que ele precisa realizar diversas aprendizagens sobre si mesmo, sobre seus

professores, sobre a realidade da instituição, sobre seus alunos e todos os demais atores sociais encontrados neste contexto.

A atuação do coordenador, assim como a do professor, traz subjacente um saber fazer, um saber ser e um saber agir, que envolvem diversas dimensões da ação deste profissional (PLACCO, 1994).

Estas dimensões precisam ser compreendidas como não compartimentadas, não isoladas e nem meramente complementares. Apesar de analisadas individualmente, elas só ganham sentido se compreendidas em sua coocorrência ou simultaneidade, nas relações dialéticas que estabelecem entre si (PLACCO; SOUZA, 2010, p.57).

As autoras apresentam essas dimensões individualmente, todavia ressaltam que a sua compreensão acontece nas relações dialéticas que estabelecem umas com as outras (PLACCO; SOUZA, 2010; PLACCO, 1994):

Dimensão do Trabalho Coletivo que se refere a se relacionar, trabalhar com outros nas intenções e operacionalizações, desenvolver as relações entre profissionais como espaço para se trabalhar valores, diversidade e diferenças que caracterizam os contextos educativos em que se desenvolve a educação como prática social coletiva. Dimensão Política que se revela por assumir o compromisso ético com a realidade social e educacional por meio da busca de um relacionamento entre o que o coordenador faz e a realidade do aluno, procurando conhecer e analisar criticamente a realidade para contextualizar os conteúdos e as formas de trabalho que desenvolve. No indivíduo, a dimensão política apresenta-se como uma valorização e percepção de seu papel social, distanciando-se de considerações e preocupações de ordem pessoal para manter reserva quanto a justificativas ou imputações pessoais ou técnicas dessas questões sociais, todavia observa-se que esse distanciamento e reserva dificilmente serão mantidos no processo de ação-interação do indivíduo, em que o coordenador enfrentará desafios de ordem humanístico-interacional e técnica, para que os objetivos de ordem política e até ética possam ser alcançados (PLACCO,1994).

A Dimensão Técnica refere-se ao conhecimento dos conteúdos e técnicas de sua área de trabalho e por saber relacioná-las com outras áreas, a capacidade de planejamento e previsão, pela atitude avaliativa, com uma clara visão de educação e da formação de determinado tipo de ser humano.

Dimensão Crítico-reflexiva, que envolve o conhecimento sobre o próprio funcionamento cognitivo pessoal para o contínuo desenvolvimento e autorregulação das ações realizadas, com disponibilidade e compromisso com o aluno para que este também se desenvolva.

Placco e Souza (2010) ainda apresentam:

Dimensão Cultural e Estética, que se relaciona com a cultura e a história pessoal e profissional, gerando possibilidade de busca de outros saberes;

Dimensão da Avaliação Contínua, para que o profissional possa garantir a coerência entre as ações propostas e as que serão efetivamente desenvolvidas;

Dimensão Humano-Interacional, na expectativa de que se tenha um trabalho integrado e cooperativo, mediado pela relação socioafetiva e cognitiva;

Dimensão da Comunicação, que envolve a compreensão mútua, clareza de expressão de ideias e sentimentos e da construção de novas perspectivas e novos posicionamentos, em função dessa mesma comunicação;

Dimensão da Transcendência, sobre qual o sentido que atribui à sua vida, como lida com valores e crenças relacionados a esse sentido de vida, o que afeta sua constituição identitária e que se revela nas relações que constituem a prática e o cotidiano;

Dimensão da Ética, que sintetiza os valores e ideais concretizados nos conhecimentos e relações que dão direção e intencionalidade à ação.

As mudanças no coordenador e em sua prática poderão acontecer de maneira mais estável se essas dimensões e suas inter-relações forem conscientes, para que o coordenador possa intervir em sua ação de modo voluntário e deliberado (PLACCO; SOUZA, 2010, p.59).

Esse profissional precisa estar sempre atento, cuidando de sua própria formação, buscando constante atualização profissional nos moldes formais de aprendizagem, mas, principalmente, compartilhar com pares, utilizando-se da reflexão e da autoavaliação como principais ferramentas para aprender a aprender, em um processo contínuo e permanente de construção e reconstrução de sua identidade, que é atingido nas ações e relações de sua vida (PLACCO; SOUZA, 2010, p.60).