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4 CONCEPTIBILIDADE COMO CRITÉRIO DE POSSIBILIDADE?

4.1 Debate da conceptibilidade

4.1.2 É a concepção guia para a possibilidade?

4.1.2.1 Tese conceptibilidade-possibilidade

4.1.2.1.1 As dimensões da conceptibilidade

As dimensões da conceptibilidade são compreendidas da seguinte maneira. Quanto à primeira dimensão:

Conceptibilidade Prima Facie: x é concebível de forma prima facie quando, dada uma noção substantiva de conceptibilidade, em primeira impressão, x passa no teste da noção substantiva de conceptibilidade.

Conceptibilidade Ideal: x é idealmente concebível para um indivíduo quando, dada uma noção substantiva de conceptibilidade, é prima facie concebível para este indivíduo com uma justificativa que não é anulável (undefeatable) por uma razão melhor.

Numa segunda dimensão, são consideradas as noções substantivas de conceptibilidade:

133 Conceptibilidade Negativa: x é negativamente concebível quando não é excluído a priori, ou seja, quando não há uma (aparente) contradição em x.

Conceptibilidade Positiva: x é positivamente concebível quando x é coerentemente e modalmente imaginável. De forma que x é coerentemente imaginável quando se imagina os detalhes que mostram x, não apenas evidências de x (por exemplo, para imaginar alguém como assassino de um homicídio, imagine-se a situação em que esse alguém está cometendo o crime, não apenas a situação em que vemos muitas evidências de que esse alguém cometeu o crime). É modalmente imaginável no sentido de não ser apenas uma imaginação perceptual, mas também de apresentar configurações de mundos perceptualmente indistinguíveis, mas com relações estruturantes distintas (em um mundo existe uma entidade ou propriedade imperceptível e em outro não).

Por fim, temos uma terceira dimensão sobre a conceptibilidade:

Conceptibilidade Primária: x é primariamente concebível (ou epistemicamente concebível) quando, dada uma noção substantiva de conceptibilidade, x é concebível partindo apenas do que conhecemos a priori.

Conceptibilidade Secundária: x é secundariamente concebível (ou subjuntivamente concebível) quando, dada uma noção substantiva de conceptibilidade, x é concebível partindo não só do que se conhece a priori, mas também do que se conhece a posteriori.

Dadas as três dimensões, ao combiná-las, temos os oito tipos de conceptibilidade. Antes de passarmos para a avaliação dos tipos, algumas noções usadas na exposição das dimensões precisam ser esclarecidas. São elas, as noções de anuladores e anulação, e a noção de imaginação modal.

A ideia de anuladores (defeaters) não é explicitada por Chalmers (2002) nesse contexto (ou mesmo de anulação), é um termo utilizado na epistemologia contemporânea e é tomado como pressuposto para a argumentação. Conforme Plantinga (2011, capítulo 6) nos expõe, anuladores são crenças que, quando assumidas como verdadeiras por um sujeito, tornam outras crenças falsas. Uma anulação, portanto, ocorre quando um sujeito assume uma nova crença e anula uma anterior. Tome o seguinte exemplo, Douglas sabe que seu vizinho é um torcedor fanático de um time de futebol, nesse caso o Ferroviário, e que ele tem o costume de usar a camisa do Ferroviário durante o dia seguinte ao time ganhar uma partida. Douglas avista seu vizinho na rua e o vê usar a camisa do Ferroviário, mas Douglas não sabe o

134 resultado do jogo da noite anterior entre Ferroviário e Ceará. Não obstante, pelo que conhece de seu vizinho, Douglas passa a acreditar que o Ferroviário ganhou do Ceará no jogo da noite anterior. Isso significa que Douglas formulou a seguinte crença p: o Ferroviário venceu o Ceará no jogo de ontem. Contudo, ao chegar do trabalho a noite, Douglas vê o telejornal que transmite os gols, os melhores momentos e o resultado do jogo anterior, com o seguinte resultado: o Ceará venceu o Ferroviário por um placar de 1 a 0 no jogo de ontem. Nesse momento, Douglas formula a crença ¬p, não é o caso que o Ferroviário venceu o Ceará no jogo de ontem. Isso significa que a nova crença, ¬p, anulou a crença anterior, p, em outros termos, a nova crença assumida como verdadeira tornou falsa a crença anterior. Isso é um caso de anulação e ¬p foi um anulador para p. Há vários tipos de anuladores e de anulação, mas a ideia central é essa e, além disso, essa é a ideia que precisamos para compreender o que Chalmers diz quando fala de uma justificativa não anulável por uma melhor razão. Nesse sentido, significa dizer que não há uma melhor razão que nos dê um anulador para a concepção que tivemos de algo (conceptibilidade ideal). O que seja uma melhor razão, contudo, é algo que, conforme Chalmers, deve ficar em aberto – não é necessário para a compreensão da conceptibilidade ideal.

A imaginação modal, contudo, já é introduzida por Chalmers (2002, pp. 151-3) para a compreensão distinta da conceptibilidade. Entende-se por imaginação modal uma imaginação de uma configuração do mundo diferente da atual, tanto na sua visão perceptual como em sua ontologia. É nesse sentido que se imagina um mundo de zumbis fenomênicos, um mundo perceptualmente idêntico ao nosso, mas em que os indivíduos não possuam qualidade em suas experiências subjetivas. Nós não temos uma imaginação perceptual disso: qual seria a diferença de imaginar um mundo igual ao atual? Nenhuma. Por isso se diz que é uma imaginação modal. Essa imaginação modal vai além da imaginação perceptual. Aqui temos uma intuição parecida com os mundos possíveis epistêmicos que formulamos na seção 2.1.1 (cenários como mundos possíveis epistêmicos) do capítulo III. A diferença, contudo, é que Chalmers inicia com a noção de imaginação e para falar de algo além da imaginação permanece com a noção de imaginação, de forma que a concepção desses cenários seja um ato da imaginação e, assim, a imaginação seria apenas uma parte da atividade cognitiva de concepção. Ele o faz porque sustenta que uma imaginação modal é um ato mental distinto de conceber (entertaining) uma proposição que descreva o que se está a imaginar modalmente73,

73 Conforme vimos na seção 1.1 (concepção e imaginação) e na seção 1.7 (conclusão: a concepção não encerra

a cognição) do capítulo III, não deveríamos confundir imaginação com concepção. Voltaremos a esse ponto na próxima subseção.

135 pois isso não trivializa a concepção de qualquer proposição apenas pela formulação da proposição. Falaremos mais sobre isso na próxima subseção, isso é o suficiente para expressar os tipos de conceptibilidade a seguir.

Compreendidas essas duas noções, seguiremos para a exposição dos oito tipos de conceptibilidade.