• Nenhum resultado encontrado

4 CONCEPTIBILIDADE COMO CRITÉRIO DE POSSIBILIDADE?

4.1 Debate da conceptibilidade

4.1.1 Concepção e possibilidade: relações entre domínios

4.1.1.1 Concepção e possibilidade: noções independentes?

Em Possibility, Imagination and Conception (2015), Beziau sustenta uma teoria de que as três noções (possibilidade, imaginação e concepção) são independentes embora relacionadas. É de nosso interesse aqui ver apenas uma dessas independências, a saber, a independência entre a concepção e a possibilidade.

Com objetivo de demonstrar a independência das noções, Beziau utiliza exemplos prototípicos de casos em que temos uma noção e não temos a outra. Isso significa que temos exemplos de 1) elementos concebíveis e possíveis (a intersecção entre as noções, o elemento relacionado), 2) temos elementos concebíveis e impossíveis e, por fim, 3) temos elementos possíveis e inconcebíveis. Estabelecidos esses três casos, estabelece-se a independência das noções, embora permaneçam relacionadas. Será apresentado os casos de 2) e 3) e suas razões nesta subseção, contudo, na próxima subseção sustentarei que tais exemplos não são

58 As relações de domínio não se resumem a CP1, CP2 e CP3. Alguém pode sugerir CP4, em que não há

nenhuma intersecção entre os domínios, são totalmente independentes. Ora, a concepção de CP4 é ela própria um exemplo de que há uma intersecção, afinal, é a relação entre a concepção de CP4 e a possibilidade de concepção de CP4, assim, temos pelo menos um elemento concebível e possível. Em vista disso, não elencamos CP4 entre as relações relevantes.

118 suficientes para o que se propõe, ou seja, não são exemplos prototípicos do que se quer. Isso ocorre, sugiro mais a frente, porque não são boas razões as que sustentam tais exemplos. Entretanto, reflitamos sobre eles e suas razões inicialmente.

Uma vez que o caso 1) é bastante simples, não nos demoraremos nele. Pense na concepção de um conceito qualquer, ela já lhe dá pelo menos uma possibilidade no mundo, a saber, a possibilidade de conceber esse conceito qualquer. Isso se dá pelo princípio ab esse ad posse: se algo é o caso, então algo é possível. Dessa forma, se concebo um conceito, então o conceito é uma coisa possível enquanto conceito. Não estou dizendo que se concebo um conceito, então a coisa expressada pelo conceito é possível ou mesmo que exista de outra forma que não enquanto objeto concebido. Pois se assim o fosse, só o fato de conceber PÉGASUS já implicaria a existência de pégasus além de pégasus enquanto objeto concebido. Não é isso. Mas a simples razão que há pelo menos uma intersecção entre os domínios de concepção e possibilidade, pois conceitos, quando concebidos, são possíveis enquanto concebidos. Por exemplo, quando você concebe o conceito CARRO, você concebe a possibilidade de conceber o conceito CARRO. CARRO é algo concebível (conceber CARRO nos mostra isso) e CARRO é possível (conceber CARRO nos mostra isso). De outra forma, para utilizar o exemplo de Beziau, pense numa omelete. Uma omelete é algo concebível (uma receita de omelete nos mostra isso) e uma omelete é algo possível (fazer uma omelete nos mostra isso). Deste modo, nossas atenções se voltaram para os casos 2) e 3). Vejamos, assim, os exemplos prototípicos e as razões de vê-los como exemplos de tais casos.

4.1.1.1.1 Concebível e impossível

O exemplo prototípico de algo concebível e impossível, conforme Beziau (2015, p. 12) é a contradição. Nós podemos definir a contradição, seja pelo quadrado das oposições da lógica aristotélica, seja pela lógica proposicional moderna. Nesta última via, por exemplo, uma contradição é uma proposição na forma p^¬p, ou seja, uma proposição que afirma e nega a mesma coisa (p), resultando, assim, em uma proposição que não pode ser verdadeira, já que suas partes não podem ser verdadeiras conjuntamente. Assim, dizer que a contradição é

119 concebível e impossível é dizer que temos como colocá-la em conceito, mas ela não ocorre na totalidade da existência59. Conceber a contradição é conceber o impossível.

Continuando o raciocínio, Beziau (2015, pp. 11-12) nos sugere outros exemplos do tipo. Uma linha reta curvada, um objeto contraditório, é algo concebível e impossível (além disso, inimaginável). Objetos contrários também seguem essa esteira. Um quadrado-redondo, por exemplo, é um objeto contrário e, por isso, concebível e impossível.

Tais objetos são ditos concebíveis porque são definíveis, e são impossíveis porque a proposição (ou sentença) que os expressa não pode ser verdadeira (porque os dois predicados formadores do predicado composto não podem ser verdadeiros conjuntamente). Essa é a intuição que perpassa tal raciocínio e que nos diz exemplos de coisas concebíveis e impossíveis.

Agora vejamos o outro lado da moeda, exemplos prototípicos de elementos possíveis e inconcebíveis.

4.1.1.1.2 Possível e inconcebível

Durante o momento em que investigamos a natureza da concepção, no capítulo IV, tivemos um exemplo de algo possível e inconcebível, a saber, conceitos para os quais nós somos fechados cognitivamente. São inconcebíveis porque não temos como acessar os elementos necessários formadores de tais conceitos (a informatividade basilar do conceito), e não se mostram impossíveis porque sabemos que existem subjetividades distintas da nossa (um morcego, por exemplo) e nada indica que não possa haver, em toda vastidão do universo, uma subjetividade distinta da exibida na terra e, com isso, uma informatividade inacessível a nós, mas formadora de tais conceitos. Não temos como exemplificar tais conceitos, mas parece que temos como inferir sua existência modal. Beziau, contudo, utiliza outros exemplos, vejamos.

Algo possível (até imaginável), mas não concebível, num exemplo simples, é uma árvore particular (BEZIAU, 2015, pp.16-17). Ela é possível, porque ela acontece. É até imaginável, porque sua imagem nos aparece, mas não é concebível, porque não temos uma

59 Utilizo a expressão totalidade da existência no sentido de o conjunto de tudo que é o caso e tudo que é

possível de ser o caso. Não utilizo o termo realidade, que seria cabível, porque é um termo filosoficamente carregado e gostaria de não comprometer a ideia com essa carga.

120 teoria que a explique em sua totalidade. Não temos uma teoria que a explique em sua totalidade particular porque a biologia nos dá uma concepção parcial da essência da árvore através de uma tipificação/classificação, características gerais. Isso significa dizer que o conceito ÁRVORE não é o suficiente para conceber uma árvore que esteja na sua frente. Se for ela uma laranjeira, o conceito LARANJEIRA, ainda não lhe dará a totalidade daquela árvore em particular. Se você utilizar todo o conhecimento botânico atual e formar um conceito estruturado gigantesco para conceber o que você puder conceber sobre tal árvore, ainda assim você não coloca em um conceito sua totalidade única. Mesmo que você formule um conceito indexical do tipo ESTA ÁRVORE EM MINHA FRENTE, este conceito não captura a totalidade da árvore em particular, pois este conceito será formado pelas experiências que você tem dessa árvore em particular, e suas experiências da árvore em particular lhe dão aspectos dela, não a sua totalidade arbórea. Esta é uma visão bem impressionista do caso, mas não é a mais. Vejamos outro exemplo em que nem mesmo imaginar, como imaginamos a árvore em nossa frente, nós conseguimos.

O exemplo prototípico de algo possível, mas não imaginável e nem concebível, é a própria realidade (BEZIAU, 2015, pp. 19-21). A realidade é possível porque acontece, mas nós não temos como formar uma imagem de sua totalidade (temos imagens do universo sideral, mas isso não nos mostra o microcosmo, e assim por diante, não temos uma imagem da realidade) e nem temos uma teoria que a expresse. Ou seja, a realidade é mais incrível e absurda que a nossa imaginação e a nossa concepção podem abarcar. Temos, ainda, outros dois exemplos impressionistas: a vida e a morte. Ambas são possíveis, pois acontecem. Não temos uma imagem para a vida em sua totalidade, nem para a morte, embora tenhamos simbolismos. Além disso, não temos uma teoria que expresse a vida, no sentido biológico, em sua totalidade, respondendo-nos o que é isso, a vida, ou mesmo a morte. São ambos eventos misteriosos60. Isso significa dizer que quando utilizamos conceitos como REALIDADE, VIDA e MORTE, não conseguimos esgotar aquilo a que queremos nos referir. Isso não impossibilita nossa comunicação, mas nos mostra que o conceito, por exemplo, REALIDADE captura aspectos da realidade e não a totalidade da realidade. Mesmo que se formule um conceito do tipo TOTALIDADE DA REALIDADE, ainda assim é vago, não esgotável sobre o que queremos falar. Em conclusão, a realidade escapa nossa concepção e nossa imaginação.

60 Misterioso aqui é usado no sentido comum, não é no sentido de Chomsky ou McGinn, em que temos um

121 Estabelecidos os exemplos prototípicos de 1), 2) e 3), isso também estabelece o diagrama CP3. A concepção e a possibilidade se relacionam, há intersecção, mas são independentes, nenhuma está contida na outra. Dados os exemplos prototípicos de Beziau, as conclusões são sustentadas pelos exemplos? Se não sustentam, o que podemos concluir desses pontos? Isso indica que a concepção não é critério de possibilidade? É o que veremos na próxima subseção.