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3 A NATUREZA DA CONCEPÇÃO

3.2 Concepção e Cognição

3.2.2 A concepção nos limites da cognição

3.2.2.2 Limites informacionais como limites conceptuais

A informatividade da forma de uma informação na forma de experiência desempenha um papel necessário na economia cognitiva da formação de conceitos basilares no quadro conceitual de um sistema cognitivo. Essa foi a conclusão que chegamos na subseção anterior. Se relacionarmos com a conclusão que tivemos na subseção 1.3, a saber, de que somos fechados cognitivamente quanto à informatividade de determinadas formas de informação, então podemos concluir que há conceitos para os quais somos fechados cognitivamente. Conceitos estes formados com base na informatividade de tais formas de informação. (A rigor, o que você precisa mostrar é que a nossa capacidade de conceber é limitada, não é? Como disse antes, acho que você não precisaria falar sobre tantos assuntos diferentes para estabelecer isso. Mesmo que tudo isso seja para trazer a discussão para o tema da combinação de conceitos, acho que você ainda está se complicando sem necessidade. Você já mostrou que há conceitos que se excluem, então eu já sei que não dá para combinar tais conceitos. Agora, essa é uma restrição sobre os conceitos, mas será que é também uma restrição sobre a realidade que eu tento apreender com tais conceitos? Se a concepção é um guia confiável para a possibilidade, sim, senão, a resposta é não)

A visão de que há conceitos que mentes humanas não podem acessar não é tão polêmica, é inclusive utilizada como argumento no debate sobre a ontologia de conceitos (exatamente!). Por exemplo quando Peacocke (2005) defende que conceitos deveriam ser compreendidos como condição de posse57 e não como tipo de representação mental:

Se nós aceitamos que a posse de um conceito deve ser realizada por algum estado subpessoal envolvendo uma representação mental, por que não dizer simplesmente que o conceito é a representação mental? [...] Representações mentais que são conceitos poderiam mesmo ser tipificadas pela condição de posse correspondente do modo que eu defendo. Isto me parece uma noção inteiramente legítima de um tipo de representação mental; mas ela não é exatamente a noção de um conceito. Pode, por exemplo, ser verdadeiro que haja conceitos que os seres humanos nunca possam adquirir, por causa de suas limitações intelectuais ou porque o sol se expandirá para erradicar a vida humana antes que os humanos alcancem um estágio em que eles possam adquirir esses conceitos. “Há conceitos que nunca serão adquiridos” não pode significar ou implicar “Há representações mentais que não são representações

109 mentais na mente de alguém”. Se conceitos são individuados por suas condições de posse, por outro lado não há problema com a existência de conceitos que nunca serão adquiridos. Eles são simplesmente conceitos cujas condições de posse nunca serão satisfeitas por quaisquer pensadores. (PEACOCKE apud ABATH, LECLERC, 2014, pp. 9-10)

Isso é também o que está em jogo quando Nagel (2002) nos convida a refletir como é ser um morcego. Se pensarmos na hipótese da existência de formas de vida alienígena com agência parecida com a dos animais terrestres e distintos sistemas cognitivos receptores, isso nos leva a pensar sobre a gama de informatividade de formas de captar informação que não temos acesso em nossa cognição humana. Essa informatividade, combinada com uma capacidade de linguagem, daria base para o surgimento de conceitos para os quais somos fechados cognitivamente. Conceitos dependem não só de linguagem, mas de formas de vida. Quando colocamos essa questão cognitiva em termos de informação, temos uma visão mais clara sobre as posições e argumentações (não sei se concordo).

Uma vez que há conceitos para os quais somos fechados cognitivamente, isso sugere que não temos acesso irrestrito, via concepção, a todos os aspectos ou dimensões da realidade. Não temos como afirmar que nosso sistema cognitivo captura todos os aspectos ou dimensões da realidade, tais aspectos ou dimensões exigiriam uma informatividade a qual somos fechados e, por isso, não temos como formar os conceitos chaves para compreender tal aspecto ou dimensão.

Que insights podemos tirar disso para a nossa questão central sobre a concepção como critério de possibilidade? Vejamos. Uma vez que a realidade está no domínio da ontologia, da metafísica, e inclui a possibilidade, então isso sugeriria que não podemos asseverar que nossa concepção abarca todo o domínio da possibilidade. Em outros termos, nem tudo que é inconcebível é impossível, o que vai a favor de Levine (2002) quando ele argumenta contra Kripke como vimos na subseção 1.1 deste capítulo. Assim como Patricia Churchland (1997) também reivindica em favor do que o estudo da neurociência pode nos ensinar sobre a consciência. Consequentemente, há possibilidades que nós não concebemos – pelo menos possibilidades de combinações de experiências. Isso nos leva a concluir que o domínio da possibilidade, no campo da metafísica, não coincide com o domínio da concepção, no campo epistemológico, eles não são coextensivos.

Esse último insight parece ser crucial para nossa reflexão central. Então, a concepção não é critério de possibilidade? Para uma resposta a essa questão, aprofundaremos essa reflexão sobre a distinção dos domínios entre possibilidade e concepção. Além disso, veremos

110 argumentações para tangenciamentos seguros entre os domínios e ponderaremos se esses tangenciamentos são suficientes para argumentos de conceptibilidade. Agora que estamos munidos das reflexões dos dois primeiros momentos de nossa investigação, seguiremos para a terceira e última parte em que veremos se a concepção é uma boa resposta como critério de possibilidade.

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3.3 Conclusão

Nesse segundo momento de nossa investigação, perquirimos a natureza da concepção e seu lugar dentro dos limites da cognição. O objetivo foi expor o domínio da concepção para nos deixar aptos ao terceiro momento, o qual veremos as relações entre os domínios da possibilidade e da concepção. Durante esse percurso, obtivemos algumas conclusões importantes para nossa reflexão.

Inicialmente, buscamos avaliar os dois sentidos de concepção, a saber, o sentido amplo e o sentido estrito. Dadas as diversas distinções entre conceber e as outras atividades cognitivas em questão, tais como a imaginação, a percepção, a intuição, a dedução, a teorização e a abstração de similaridades, concluímos que o sentido amplo não era adequado. Como corolário, temos que o domínio da cognição é um domínio mais abrangente que o domínio da concepção, ou seja, nos termos que usamos, a concepção não encerra a cognição. Sendo assim, nossa avaliação da concepção como guia para possibilidade não avalia de forma total se outros processos cognitivos nos levam à compreensão da possibilidade. Com a conclusão de que o sentido amplo de concepção não é adequado para capturar a natureza da atividade cognitiva de conceber, então somos levados a entender que o sentido estrito pudesse captar essa natureza de forma mais precisa. Ao avaliar o sentido estrito de concepção que diz que conceber é ‘pôr em um cenário’, concluímos que esse sentido capta a centralidade da noção de concepção, a saber, ‘pôr em conceitos’. Isto porque conceitos são constituintes de cenários. Ora, uma vez que conceber é ‘pôr em cenário’, e cenários são descrições de combinações determinadas de experiências que temos do mundo atual, somado a isso que descrições são reiteradas aplicações de conceitos, conclui-se que o sentido estrito captura a centralidade da noção de concepção com precisão. Resumidamente, conceber é combinar determinadamente conceitos de experiências que temos do mundo atual. Tendo em vista a centralidade de conceitos para a noção de conceber, questionamos se a natureza de conceitos implicaria uma determinação na natureza da concepção. Concluímos que a natureza da concepção é independente da natureza de conceitos, uma vez que a concepção é uma atividade cognitiva que captura e aplica conceitos, qualquer que seja a natureza do conceito, não é ela mesma um conceito (concepção é uma coisa, o conceito de concepção é outra). Dessa forma, para termos um critério que nos diga o que é e o que não é uma combinação

112 determinada de conceitos de experiências que temos do mundo atual, não precisamos da natureza de conceitos, mas da aplicabilidade deles. Ao observar a aplicabilidade de conceitos, compreendemos que há contradições conceptuais – tentativas falhas em combinar conceitos no intuito de formar outros conceitos. Com efeito, a contradição conceptual se mostra como critério de concepção (diz o que se concebe e o que não se concebe). Essas foram, por fim, as conclusões que tiramos do capítulo 3, Entendendo a concepção.

Em posse das conclusões que elencamos no parágrafo anterior, o passo seguinte foi avaliar o lugar da concepção dentro da cognição em geral. Conseguintemente, chegamos a outras conclusões importantes. A conclusão central é a de que há um fechamento cognitivo informacional, ou seja, nem todo tipo de informação é captável por um sistema cognitivo. Para isso, vimos a noção de fechamento cognitivo surgir do debate sobre o problema mente- corpo na filosofia da mente contemporânea. Vimos que os otimismos cognitivos assumidos por uma neurofilosofia do materialismo eliminativo e pelo método natural não eram suficientes para eliminar o fechamento cognitivo em questão. Contudo, uma visão sobre a informação poderia nos abrir cognitivamente para uma teoria completa da mente. Embora pudéssemos ser abertos a uma teoria completa da mente, isso não implicava que teríamos acesso a todos os tipos de informação, essa foi nossa conclusão ao perceber a informatividade da forma da informação. Com isso, vimos que a informatividade da forma da informação recebida por um sistema cognitivo A não é acessível a um sistema cognitivo B, o que nos leva ao fechamento cognitivo informacional. À vista disso, seguimos para a compreensão do lugar da concepção dentro dos limites cognitivos. Nesse sentido, ao avaliar o processo de formação/obtenção de conceitos, concluímos que as experiências são fundamentais para a atividade de concepção de um sistema cognitivo, com isso a informatividade da forma da informação é fundamental para a economia cognitiva de tal atividade conceptual. Uma vez que já havíamos concluído que há informatividade de formas de informação as quais somos fechados cognitivamente, há também conceitos virtuais que são formados com base nelas e que, por conseguinte, somos fechados cognitivamente. Em conclusão, via concepção, não temos acesso irrestrito a todos os aspectos ou dimensões da realidade. Uma vez que a possibilidade está no domínio da realidade e nossa concepção não nos dá acesso irrestrito ao domínio da realidade, então não podemos asseverar que o que é inconcebível é impossível – o fato de algo ser inconcebível fala sobre nossas capacidades cognitivas conceptuais, não da realidade além capacidade cognitiva conceptual. Além disso, também concluímos que há possibilidade que não concebemos, possibilidades que se aplicam à concepção de cenários

113 (cenários baseados em uma informatividade inacessível a nós). Por fim, a conclusão crucial que chegamos é a de que os domínios da possibilidade e da conceptibilidade não são coextensivos.

A conclusão final sobre a não coextensão entre os domínios do possível e do concebível nos leva à sugestão de que a concepção não seja uma boa resposta para o problema do critério de possibilidade, afinal, se não há coextensão, conceber algo não implica saber da possibilidade de algo. Se isso é o caso ou não, portanto, é o ponto central do último momento de nossa reflexão. É o que veremos a seguir.

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