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2 A NATUREZA DA POSSIBILIDADE

2.2 A Noção de Possibilidade e as Respostas ao Problema do Critério

2.2.2 Possibilidade relativa e possibilidade absoluta

Uma classificação alternativa e que não se comprometa com os pressupostos das restrições e, possibilitando outros diagramas e não fazendo das regras lógicas necessariamente regras ontológicas, é a classificação da possibilidade entre relativa e absoluta. Nesta classificação não precisamos abrir mão das noções de possibilidade lógica, possibilidade metafísica e possibilidade física, apenas não precisamos nos comprometer com as restrições de relação entre elas.

Para esclarecermos as noções de possibilidade relativa e absoluta, precisamos apenas observar algo que fazemos quando queremos saber se algo é possível ou não em determinadas circunstâncias. Nós avaliamos as circunstâncias da situação/cenário e as colocamos como restrições no campo de possibilidades. Ou seja, estamos a investigar qual possibilidade é o caso dentro de um campo de possibilidades. Em seguida temos determinadas evidências e circunstâncias que nos fazem eliminar um grupo de possibilidades. Dessa forma, a possibilidade que buscamos está em relação às circunstâncias dadas. Por exemplo, um inspetor de polícia que investiga um assassinato pode restringir as possibilidades em relação a pessoas que teriam interesse naquele assassinato. Se ele descobrisse uma amostra de sangue na arma do crime e numa análise laboratorial descobrisse que o sangue é de alguém do sexo feminino e não é sangue da vítima, então ele já poderia restringir um pouco mais as possibilidades dentre os suspeitos. Este tipo de raciocínio é um raciocínio de fazer com que a

35 possibilidade seja relativa a determinadas restrições. Nós restringimos um universo maior de possibilidades a um universo menor de possibilidades. Essa é a intuição básica para a compreensão de possibilidade relativa, diferentemente da possibilidade entendida de forma absoluta, uma possibilidade sem mais qualificações. Contudo, quando nos perguntamos o que realmente é possível, não nos perguntamos o que é relativamente possível, mas o que é possível em absoluto. Esse sentido absoluto, portanto, é o que interessa para o nosso problema central.

De acordo com essa compreensão, podemos ver a possibilidade física e a possibilidade lógica como possibilidades relativas. “Ao falarmos de possibilidades lógicas e possibilidades físicas, restringimos alguma parte do universo das possibilidades, ou melhor, tornamos a possibilidade relativa: relativa às leis da lógica e relativa às leis da física, respectivamente” (CID, 2010).

Se avaliarmos a noção e as consequências da possibilidade física, podemos perceber ainda melhor a necessidade de compreendê-la apenas como possibilidade relativa e não realmente como possibilidade, num sentido absoluto – ao menos inicialmente.

Quando nos perguntamos se é possível que o Sol não nasça amanhã e compreendemos a possibilidade logicamente, não encontramos nenhuma contradição lógica no Sol não nascer amanhã e, assim, a questão se torna trivial. Não faz sentido fazer essa pergunta. Para não cair nessa trivialidade da pergunta e da resposta é que se sugere a possibilidade física. Supõe-se, nesse sentido, que entendendo a possibilidade relativamente às leis da física, nós saberíamos, de forma não trivial, se realmente é possível que o Sol não nasça amanhã. Todavia, se assumimos que a possibilidade física pode nos ajudar a dizer se realmente é possível ou não que o Sol não nasça amanhã, retirando sua trivialidade, então estamos pressupondo que a natureza intrínseca do mundo se reduz às leis da física e ao que for dedutível delas, pois faz com que as leis da física sejam necessárias por estipulação (CID, 2010; EDGINGTON, 2004). Ora, se a possibilidade física nos diz realmente o que pode ou não pode nesse sentido, ela retira toda a sorte de possibilidades diferentes das leis da física. Se não é possível que o mundo seja diferente do que dizem as leis da física, então as leis da física não são contingentes, mas necessárias, que fazem parte da natureza intrínseca do mundo. Mas “uma teoria da modalidade não pode pressupor que as leis da física fazem parte dessa natureza intrínseca” (CID, 2010, p. 88), ela tem que permitir o debate se as leis da física são realmente parte dessa natureza intrínseca, uma vez que este seria um candidato a critério de possibilidade.

36 Se a possibilidade física e a possibilidade lógica são relativas e não se adequam a ideia de possibilidade absoluta, a possibilidade metafísica então seria a adequada? Isso é o que sugere Cid quando diz (2010, pp. 88-89): “para sairmos, então, da relatividade das possibilidades e falarmos de uma possibilidade absoluta, sem pressupor que a natureza intrínseca do mundo é redutível às leis da física, temos que falar da possibilidade metafísica”. Podemos compreender, assim, a possibilidade metafísica como possibilidade absoluta, a possibilidade que nos diz realmente o que é possível ou não. Uma vez que ela não tem um sentido epistêmico de modalidade conforme a modalidade relativa seja à física ou à lógica, mas sim um sentido ontológico, uma modalidade de fato.

Entretanto, também a possibilidade metafísica é relativa se assumirmos possibilidade metafísica da forma como é retratada no diagrama padrão da sessão anterior, em que algo é possível metafisicamente se não entrar em contradição com a própria essência ontológica. Esta noção de possibilidade metafísica se compromete com uma visão essencialista, em que objetos possuem propriedades essenciais e isso é crucial para determinar sua possibilidade. Isso estaria em acordo com algumas posições metafísicas e eliminaria outras posições metafísicas antes mesmo de iniciar o debate – como o antiessencialismo. E essas posições devem estar abertas ao debate pois cada uma reivindica um critério de possibilidade. Portanto, a possibilidade metafísica é também uma possibilidade relativa e não é adequada à noção absoluta que buscamos. A menos que a compreendamos de forma ampla e não no sentido essencialista; como possibilidade metafísica pura, tenham as coisas que existem essência ou não, aceitem contradições ou não.

Consequentemente, temos que uma distinção entre modalidade relativa e absoluta é a seguinte: se P é relativamente possível/necessário, não se segue que P é realmente possível/necessário; mas se, e só se, P é absolutamente possível/necessário, segue-se que P é realmente possível/necessário.

Deste modo, se queremos saber o que realmente é possível ou não, o que realmente faz com que algo seja possível ou não, e não apenas o que é possível relativamente a um sistema de regras, sejam elas lógicas ou leis científicas, então o nosso interesse é quanto à noção absoluta de possibilidade, e a noção de possibilidade metafísica absoluta é a noção que nos diz o que realmente é possível ou não.

Dessa forma, buscar um critério de possibilidade é buscar saber o que é absolutamente possível. Se o que é absolutamente possível coincide com o que é fisicamente possível, ou

37 logicamente possível ou metafisicamente possível no sentido essencialista é o que deve estar em debate. Ou seja, isso não elimina, por fim, que o critério de possibilidade da possibilidade metafísica absoluta possa ser o mesmo critério da possibilidade lógica ou física ou essencialista, apenas não assume de imediato tal critério e nos põe um caminho claro a seguir para a resposta do problema sobre o que faz realmente algo ser possível ou não.

Alguém aqui pode pensar que essa noção de possibilidade absoluta é uma ficção ou mito, ao passo que o que realmente podemos fazer é apenas lidar com possibilidades relativas – se formos utilizar da forma que distinguimos aqui. Penso que haja razão em suspeitar disso, talvez essa sugestão de possibilidade absoluta seja mesmo um mito ou ficção. De qualquer modo, metodologicamente seria um mito ou ficção necessário para nossa investigação. É um parâmetro significativo para regular o debate reflexivo e, além disso, mostra-se um parâmetro necessário porque captura a intuição fundamental da noção de possibilidade. Essa noção dá significado às posições que estão em debate. Por exemplo, quando um antiessencialista defende que o que é possível é o que é logicamente possível, está a sugerir que o que é absolutamente possível é o que é logicamente possível. Ou quando um essencialista endossa que o que é possível é o que é metafisicamente possível em termos essencialistas, ele está a sugerir que o que é absolutamente possível é o que é metafisicamente possível em termos essencialistas. O que está em jogo é o que seria essa possibilidade absoluta ou pura. Não só isso, ela também nos ajuda a perceber que é extremamente significativo, e com várias implicações para diversos debates filosóficos, caso ela seja uma ficção ou mito e que só nos resta trabalhar com a noção de possibilidade relativa: isso significa uma precariedade em nossas capacidades epistêmica e uma dificuldade para se sustentar posições metafísicas fortes em sentido absoluto – seria difícil que pudéssemos conhecer a verdade sobre a natureza última das coisas. Voltaremos a pensar sobre isso no capítulo 6, Consequências filosóficas.

Por ora, temos claro o que falamos quando falamos de possibilidade, estamos a falar de possibilidade metafísica num sentido absoluto: possibilidade absoluta. Sendo assim, seguiremos para a apresentação dos candidatos aos critérios de possibilidade, em seguida dos tipos de visão sobre o nosso conhecimento da modalidade e, por fim, deixaremos claro qual candidato a critério de possibilidade abordaremos na presente dissertação. Isso será o encerramento e o trânsito para a próxima parte de nossa reflexão. Seguem-se, portanto, os critérios de possibilidade na próxima seção.

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